Ceará

Religiosidade

Como a experiência do beato José Lourenço ainda hoje inspira comunidades rurais

O beato José Lourenço é um importante personagem da história do Ceará que viveu no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |

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José Lourenço incentivou a construção de uma comunidade sustentável durante a seca - Memorial da Democracia

Em 1932, o Ceará viveu uma das piores secas de todos os tempos. Retirantes que chegavam em grandes caravanas nas cidades, tentando escapar da grande estiagem.  Foi nesse cenário de extrema dificuldade que veio ao Ceará, em busca de sua família, um paraibano que, com base em ensinamentos que uniam sua fé e o trabalho com a terra, conseguiu unir uma comunidade que seguiu viva e alimentada durante a seca, o beato José Lourenço, um importante personagem da história do Ceará que viveu na região do Cariri, no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.    

O Beato

José Lourenço Gomes da Silva nasceu em Pilões de Dentro, na Paraíba. Filho de negros alforriados, inicia sua vida como um religioso beato quando ruma para Juazeiro do Norte em busca de seus pais, por volta de 1890. Em Juazeiro, sob os ensinamentos de Padre Cícero, o beato recebe a missão de semear e cultivar a terra”. Padre Vileci Vidal, assessor nacional das Comunidades Eclesiais de Base, (CEBs) e coordenador de pastoral na Diocese de Crato diz que esse ensinamento, doutrinado a José Lourenço pelo Padre Cícero, o acompanha não só no seu trabalho nas terras do Caldeirão, mas na sua vida cotidiana: “Padre Cícero tinha muita afeição por esse lema, fé e oração, e é exatamente isso que o beato leva para a comunidade do Caldeirão, mas não só para lá, mas para a sua doutrina enquanto beato.” conta Padre Vileci.

A figura simples e mística do Beato, combinada com a fé e a organização popular, fez a comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto crescer, se organizando em um regime de mutirão cooperativo. “os trabalhos agrícolas na época do preparo da terra, da limpa, do semear, da colheita se dando de forma coletiva, permitia que o resultado da produção se desse numa quantidade bem maior do que se ela fosse feita de forma separada, individual.” explica Judson Jorge, professor do curso de Geografia da Universidade Estadual do Piauí e estudioso sobre o tema. 

Produção comunitária

A produção em grande quantidade era seguida de uma forma de distribuição igualitária no mote da oração e do trabalho, auxiliando a comunidade a superar as dificuldades da seca, vivendo dos frutos da produção comunitária que era repartida conforme a necessidade de cada família que habitava nas terras do Caldeirão. “Essa vivência da fé e do trabalho também ajudou a comunidade a assimilar de que tudo que era produzido no caldeirão não tinha dono, era de todos. A dinâmica de armazenar a produção para distribuir conforme a necessidade de cada um ajudou a comunidade a ver que ali não existia desigualdade” conta Padre Vileci. 

Judson complementa dizendo que não havia acúmulo de riqueza na mão de poucas pessoas. “Cada um recebia de acordo com o que a família necessitava para sobreviver, sendo o excedente armazenado para os períodos de seca” diz o professor. 

Trajetória

Em 1937, o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto recebeu, do governo federal a época comandado por Getúlio Vargas, a sentença de bombardeio aéreo, acusada se ser uma comunidade comunista. Após o massacre, o Beato José Lourenço rumou para o Pernambuco, a fim de tentar viver sem perseguição e ameaças até a sua morte, que em fevereiro de 2021 completou 75 anos. 

A experiência de organização e produção saudável vivida no Caldeirão se tornou uma referência que incentiva novas práticas dentro do contexto social de diversas comunidades rurais. “Essa experiência nos dá força para que a gente possa fazer esse trabalho, essa pesquisa, potencializando isso na história das organizações, das comunidades e dos movimentos que trabalham com essa missão ligada a terra. Nos faz acreditar que uma reforma agrária é sim possível.” conclui Padre Vileci.  
 

Edição: Monyse Ravena