Ceará

Educação indígena

Povos originários lutam por reconhecimento e concurso para professores indígenas no Ceará

Na Alece, PL do poder executivo começa a tramitar para garantir profissionais indígenas nas escolas indígenas da Rede

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
No Ceará, as articulações para exigir um modelo de educação que respeitasse os costumes indígenas começaram na década de 70. - keuliane Rodrigues Tremembé

Esta semana, começou a tramitar na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), um Projeto de Lei de autoria do Governo do Estado do Ceará que regulamenta o provimento de cargos comissionados nas escolas indígenas da Rede Pública Estadual. O Projeto de Lei Nª 058/23, considera o direito dos indígenas à educação escolar diferenciada e o respeito às suas especificidades culturais e modos de vida. 

Na prática, explica a advogada Tarrara Rodrigues, a proposta visa assegurar que o preenchimento desses cargos seja feito de acordo com os costumes e as práticas das comunidades indígenas, especialmente levando em consideração a ancestralidade. “O intuito é colocar em prática a efetiva participação de professores e gestores indígenas nas escolas indígenas. Um profissional que respeite e replique os costumes, em uma perspectiva de ensino educacional, considerando o fator étnico de pertença, que ele se reconheça como indígena e tenha o reconhecimento do seu povo”, considera a advogada que atua como assessora jurídica da Federação dos Povos Indígenas (Fepoince). 

A Educação Escolar Indígena é uma reivindicação antiga das lutas de diferentes povos. No Ceará, as articulações para exigir um modelo de educação que respeitasse os costumes começaram ainda na década de 70. Itarema, município a cerca de 200 quilômetros de Fortaleza, foi a primeira cidade da região Nordeste a contar com docentes formados pelo Curso de Magistério Indígena Tremembé Superior (MITS), em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC).  

Enquanto o projeto segue os trâmites de análise e votação nas comissões, os povos indígenas  refletem sobre os avanços da pauta no estado. José Itamar Teixeira, liderança Tremembé do Córrego João Pereira, localizado no município de Itarema, participou da primeira turma de formação indígena de nível médio, em 2003 e depois fez o curso de graduação pela UFC. Desde 2003, é professor na Escola Indígena Tremembé Rosa Suzana da Rocha. Itamar conta que as escolas indígenas surgiram na década de 70 com os Tapebas e na década de 90, os Tremembés passaram a ensinar para reforçar a história e a cultura dos povos. “Nessa época era muito difícil estudar na escola tradicional porque os alunos sabiam que éramos pertencentes a etnias indígenas e faziam muito bullying com menções a passados distantes e rumores sobre nossa cultura”, conta Itamar.


Professor Itamar (de preto) leciona na Escola Indígena desde 2003 e todo ano precisa ser recontratado pelo Estado / Arquivo pessoal

O professor também recorda que as aulas eram ministradas nas casas de farinha e debaixo de árvores como mangueiras e cajueiros, sempre buscando fazer um elo com a ancestralidade dos povos tradicionais. Mas apesar de reconhecer os avanços na infraestrutura das escolas e na ocupação dos espaços públicos, Itamar Tremembé chama a atenção para a falta de regulamentação dos professores das escolas indígenas. “Eu estou na escola desde 2003 e todo ano sou demitido e recontratado. Desde 2001 nós fazemos escolas institucionalizadas e até hoje não tivemos um concurso público para regulamentar nossa profissão. Todos os avanços são importantes e foram muitos, mas eles esbarram na falta de reconhecimento do magistério”, lamenta o professor.

A Educação Escolar indígena é uma modalidade da educação básica que garante aos indígenas a recuperação de suas memórias históricas, reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades, nesse caso, como acontece no ensino tradicional.

De acordo com a Secretaria de Educação, existem 39 escolas indígenas na Rede Estadual distribuídas em 16 municípios. O site da secretaria fala também em 4 escolas das Redes Municipais de Ensino de Maracanaú e Caucaia, além de uma creche localizada em Itapipoca. São cerca de 8.240 alunos matriculados da educação infantil ao ensino médio.

De acordo com Itamar Tremembé, são 15 povos indígenas reconhecidos no Ceará, todos com escola indígena nos seus territórios. Mas para a liderança, apesar das escolas ajudarem na identificação dos territórios, é preciso avançar. “Se tem escola é porque tem um povo, mas isso não basta. É importante também que o estado valorize os professores, no sentido de reconhecer a carreira e a contribuição que nós damos para o estado”.

Sobre o concurso público direcionado aos professores indígenas, a Secretaria de Educação informou que a instituição que vai operacionalizar o concurso está em fase de contratação.

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Edição: Francisco Barbosa