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Exposição

Sem comprovação de irregularidade eleitoral, exposição Tramas de Belo Monte volta a ser exibida

Justiça Eleitoral de Quixeramobim mandou retirar a exposição, pois teria recebido denúncia de irregularidades eleitorais

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
A exposição coletiva “Tramas de Belo Monte” apresenta repertórios estéticos ligados ao episódio Canudos, a partir da Guerra, em diálogo com temas e questões do Brasil que permanecem atuais. - Foto: Acervo Curadoria

No dia 6 de setembro, a Justiça Eleitoral de Quixeramobim mandou retirar parte da exposição “Exposição Tramas de Belo Monte”, que está em exibição no espaço cultural Casa de Antônio Conselheiro, em Quixeramobim, no Ceará, devido a uma denúncia que o material teria irregularidades eleitorais contendo propaganda eleitoral contra Jair Bolsonaro, presidente do Brasil e candidato à reeleição.

De acordo com o Processo Judicial Eletrônico da Justiça Eleitoral, de número:0600030-10.2022.6.06.0011, “Trata-se de denúncia recebida pelo aplicativo Pardal que relata a existência de propaganda negativa em desfavor de candidato à Presidência da República Jair Messias Bolsonaro, em exposição em bem de natureza pública – Casa de Antônio Conselheiro, nesta circunscrição eleitoral”.

Pedro Igor Pimentel, gestor da Casa de Antônio Conselheiro afirma que recebeu a decisão com surpresa e imediatamente encaminhou para a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) e para o Instituto Dragão do Mar, que gerem o equipamento, para tomada das providências jurídicas cabíveis. “Da nossa parte, sempre houve máxima convicção de que logo ela seria revista, seja pela própria Justiça Eleitoral de Quixeramobim, seja em grau de recurso, pelo necessário respeito à liberdade de expressão artística e cultural dos curadores e artistas envolvidos”, relatou o gestor.

Pimentel destaca que os curadores da exposição contam com toda a liberdade de criação e pensamento por parte da Secult e afirma que não houve, em qualquer momento, censura prévia ou qualquer orientação para a exposição, que foi lançada antes do período eleitoral e tem previsão de permanecer no equipamento até o mês de março de 2023.

Danilo Patrício, curador da Exposição Tramas de Belo Monte informa que a exposição reúne notícias novas com notícias antigas, algumas delas com posicionamentos e falas de Bolsonaro divulgadas na imprensa. “Apenas colocamos notícias de jornais e isso incomodou muitas pessoas, os bolsonaristas e, inclusive, já haviam denunciado, mas o que nos surpreendeu agora é que isso foi acolhido pela Justiça Eleitoral. Todo esse material foi transformado ou categorizado como propaganda eleitoral sem que o juiz responsável pela Justiça Eleitoral viesse na casa, conversasse, ou perguntasse aos curadores” contou Patrício.

Para Osvaldo Costa, outro curador da Exposição, o incômodo causado tem a ver também com a atualidade do conflito de Canudos. De acordo com ele, Antônio Conselheiro e seu Belo Monte encarnam para parte da elite brasileira e parte das forças estatais, "uma verdade dura de aceitar, que é o movimento forte da população, quando essa população se reúne, quando aparece alguém que lidera legitimamente e que dá voz às demandas do povo, isso incomoda demais aos poderes instituídos”, reflete Costa. 

Osvaldo afirma que Canudos continua sendo uma verdade incômoda para o Estado brasileiro, para ele, a figura de Antônio Conselheiro é uma figura ainda muito icônica  porque representa uma revolução, um corte sobre o que o povo organizado produz na sociedade brasileira. “Então é isso que incomoda, incomoda uma verdade que não foi tratada ainda adequadamente pelo Estado brasileiro. É isso que a exposição afirma, que Canudos é uma questão extremamente atual, atual na favela, atual pela questão fundiária. Atual pelo silenciamento que hoje as forças que estão no comando da República tentam fazer diante de seu povo. Então é isso que incomoda, se isso assume uma expressão artística, parece que incomoda mais ainda, porque fica evidente essa verdade pulsante pelas obras dos Artistas”, declara.

Revogação da decisão

A decisão foi revogada no dia 08 de setembro, quinta-feira após diversas mobilizações nas redes sociais. Para o gestor Pedro Pimentel, ao mesmo tempo que essa revogação traz o alívio de seguir com o trabalho aprsentado na exposição, gera também reflexões importantes sobre o papel da cultura, sobre como ela pode refletir em incompreensões que levam a equívocos como o que aconteceu com a Justiça Eleitoral. “É muito grave provocar o Poder Judiciário com denúncias anônimas e infundadas. No mês em que lembramos os 125 anos da morte de Antônio Conselheiro, percebemos que ele está mais vivo do que nunca, resistindo como sempre”, disse o gestor.

Em outro trecho do Processo Judicial Eletrônico da Justiça Eleitoral diz: “em um período no qual a democracia sofre tantos ataques no mundo inteiro, é sempre necessário ressaltar a extrema relevância das liberdades de expressão artística e de pensamento, as quais, embora não sejam em si direitos ilimitados, como quase nenhum direito é num sistema de direitos fundamentais, têm uma posição valorativa hierarquicamente superior a partir da qual se devem avaliar as situações que se apresentam ao Poder Judiciário, responsável tanto pela garantia da defesa de eleições justas quanto pela proteção das liberdades existenciais, artísticas e de pensamento. Não cabe ao Poder Judiciário adotar uma posição interventiva no mérito de concepções artísticas, que inevitavelmente têm desdobramentos políticos ou são políticas em si”.


A exposição também tem vídeos espalhados pelos lugares da Casa, conforme disposição do Projeto Expográfico. / Foto: Acervo Curadoria

Sobre a exposição “Tramas de Belo Monte”

A exposição coletiva “Tramas de Belo Monte” tem curadoria de Danilo Patrício e Osvaldo Costa e reúne artistas como Luci Sacoleira, Renata Santiago, Simone Barreto e Tibico Brasil, apresentando repertórios estéticos ligados ao episódio Canudos, a partir da Guerra, em diálogo com temas e questões do Brasil que permanecem atuais.

A proposta foi inicialmente idealizada em cinco pontos gerais, as tramas. Os curadores partiram de cinco tramas, que, mediante pesquisa e percursos de diálogos, se entrelaçam no corpo narrativo móvel da exposição: Trama A Casa; Trama O tempo, Trama Os corpos, Trama: Olhares, vozes, olhares e os múltiplos sentidos; Trama Laços entre muitos.

Um dos destaques da exposição é trabalhar com materiais diretamente produzidos por Antônio Conselheiro, exemplo maior estando nos seus manuscritos, que estão presentes em painéis, com a própria letra do personagem, sua escrita, e com trechos escritos em parte de paredes internas. 

A exposição também tem vídeos espalhados pelos lugares da Casa, conforme disposição do Projeto Expográfico. Em perspectiva interativa, o visitante pode ouvir depoimentos de pesquisadores de Canudos e personagens com trajetórias de vida ligadas ao episódio. Há também um espaço, a latada do Belo Monte, onde se pode ouvir músicas diversas que se ligam ao universo de Canudos, contando-se com dispositivo que oportuniza e escolhas de escuta e leitura para conhecimento dos repertórios musicais.

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Edição: Camila Garcia