Ceará

Servidores Públicos

Entrevista | "A PEC 32 não melhora em nada, na verdade só retira os direitos dos trabalhadores"

Presidenta da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará fala sobre ameaças da PEC 32

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |

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A PEC 32 é uma reforma muito profunda que afeta todos os trabalhadores do serviço público independente do âmbito (municipal, estadual e federal) - Lorena Alves - ADUFC Sindicato

Qual o impacto da PEC 32 na vida das pessoas caso seja aprovada? O que mudará no serviço público? Para responder essas e outras questões, o Brasil de Fato Ceará entrevistou Enedina Soares, Presidenta da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (FETAM-CE), para falar sobre a atual realidade do servidor público e também para falar sobre os desafios da categoria como, por exemplo, a PEC 32

Brasil de Fato – Para começar nossa conversa de hoje gostaria que você explicasse pra gente o que é a PEC 32?

Enedina – A PEC 32 ela é uma proposta do governo Bolsonaro chamada de reforma administrativa que, na realidade, não é apenas uma reforma administrativa, ela é uma reforma de estado, porque ela vai mudar a forma como o Estado brasileiro vai se relacionar com os serviços públicos caso ela seja aprovada. Então não é uma questão do atual governo ver uma forma de administrar, de mudar nome de ministério, de ampliar ou de diminuir cargos, é uma reforma muito profunda que afeta todos os trabalhadores do serviço público, independente do âmbito (municipal, estadual e federal), tanto os atuais servidores como também os que já se aposentaram, pois acaba com a paridade entre ativos e inativos e também atinge os usuários do serviço público, que serão os principais prejudicados. Vemos isso com muita preocupação, porque a maioria dos usuários do serviço público são aquelas pessoas que precisam do Estado brasileiro para garantir direitos básicos como o acesso à saúde, o acesso à educação, assistência social, direito a saneamento básico, e vários outros direitos fundamentais que ainda é uma luta constante ter direitos previstos na constituição para garantir direitos fundamentais para maioria do brasileiro.

Gostaria que você falasse um pouco sobre quais são os riscos caso essa PEC seja aprovada

O risco que nós teremos será de, ao invés de termos serviços públicos gratuito nós termos o dinheiro público da população brasileira sendo utilizado pra financiar empresas de interesses privados. Sabemos que a PEC rompe com um princípio da nossa constituição que é a busca do bem-estar social. O serviço público não tem como objetivo o lucro, ele precisa ter como objetivo investimentos para garantir a qualidade na educação, a qualidade da saúde, a qualidade do funcionamento do posto de saúde, do hospital e etc. Então, a busca é para que a população possa ter um acesso de qualidade e garantir o seu bem-estar, e que o Estado seja o provedor de garantir esses direitos à população. 

A lógica da reforma administrativa rompe com isso, ela coloca o estado em uma posição de submissão aos empresários da saúde, submissão aos empresários da educação, que vão, a partir do dinheiro público, lucrar em cima disso, logo, o estado não busca dar a população esse bem-estar social e sim busca seu lucro, porque serão empresas e negócios administrados, e aí a gente tem um grande risco de piorar os serviços públicos porque temos uma avaliação de que serviços públicos, embora nós temos muito serviço público bom, muitas universidades públicas que produzem muita pesquisa e pesquisa de referência, a questão da vacina, que o Brasil foi exemplo em termos de pesquisa, em termos de descoberta, o próprio empenho dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde, para vacinação, os próprios profissionais da educação, os professores investindo do próprio bolso para a educação pública não parar.

Nós vimos nessa pandemia um compromisso muito grande dos trabalhadores do serviço público para que a população pudesse ter acesso a direitos básicos, inclusive a luta pelo direito à vida. A partir do momento que isso passa a estar a serviço de um capital financeiro, está a serviço do lucro. Nós não teremos a garantia da qualidade e eficiência, que é sempre uma desculpa para terceirizar e privatizar. Os governos cortam recursos dos serviços públicos para sucatear como, por exemplo, os Correios, onde sofreu todo um processo de desgaste, de corte de financiamento, de não contratação dos profissionais necessários para agora o governo privatizar com a desculpa de que o serviço vai melhorar, que é para ter mais eficiência e, de certa forma, ter um aval da população para legitimar essa destruição de um patrimônio público.

Todo o projeto de desmonte que estão buscando fazer com a Petrobras e com o sistema Eletrobras vão querer fazer com os bancos públicos. Eles querem com a PEC 32 fazer com a escola e universidade pública, com o hospital, com o posto de saúde e assim por diante. A gente vivenciou e vivencia uma experiência em que o governo quer entregar tudo ao capital financeiro, é um verdadeiro descaso e, além disso, vale destacar que há grandes riscos para os futuros trabalhadores do serviço público, atacando sua forma de contratação, os direitos desses trabalhadores, estabilidade, ou seja, o que eles querem são trabalhadores subservientes.

Hoje mesmo nós vemos no serviço público uma diferença dos trabalhadores que são concursados, trabalhadores que são contratados, trabalhadores que são terceirizados e a gente percebe que muitos desses companheiros que são contratados, que são terceirizados eles não têm a mesma autonomia, eles não têm os mesmos direitos que os servidores públicos concursados têm. Então quando os servidores públicos contratados veem uma irregularidade, muitos deles omitem de denunciar em nome da população, pois eles querem garantir a sua renda no final do mês porque é ela que garante o sustento da sua família. 

Daí, o compromisso desse trabalhador na maioria das vezes é um compromisso individual, de garantir o seu sustento e da sua família, compromisso com o político que o colocou naquele lugar. Já o servidor público concursado tem seu compromisso com a população, de onde vem o seu salário, e que para estar naquele lugar ele não dependeu do favor de nenhum político, que, com certeza, esses empregos que são garantidos através de favores políticos são cobrados diariamente por um retorno, e se torna ruim colocar isso como regra no serviço público num país como o Brasil.

Você enxerga um apoio da população em geral, no sentido de ir contra a PEC 32, ou na sua visão o povo ainda não sabe o que vai acontecer se futuramente ela for aprovada?

Acredito que estamos tendo grandes dificuldades em dialogar com a população, primeiro que temos um problema de informação, as informações faladas aqui não saem na mídia comercial. Então essas informações chegam apenas por meio da mídia alternativa e de sindicatos. A população as vezes acaba não tendo total acesso a muitas informações, da mesma forma como aconteceu com a reforma da previdência, onde a população só deu conta da reforma no momento de aposentadoria, em que as pessoas viram naquele momento o que de fato havia acontecido. Compreendemos que, se a população tiver acesso à informação e souber dos males que a reforma administrativa traz consigo ela, com certeza, se posicionará contra, mas ainda encontramos dificuldade em fazer essas informações chegarem ao povo.

Vale ressaltar o jogo que o governo faz com a mídia, criando um papel de que os servidores públicos são privilegiados, que ganham muito, se aposentam cedo, entre outras coisas narradas pela mídia comercial, e isso acaba fazendo com que o povo se coloque contra os servidores ou se mantenham ausentes no debate.

A aprovação da PEC 32 traz algum benefício e melhoria para os servidores públicos e para a população em geral?

O governo diz que a PEC vai dar mais eficiência aos serviços públicos, entretanto, no projeto não apresenta nada onde será melhorado os serviços públicos, na verdade ele só retira direitos. Então, eles não dizem em que vai melhorar efetivamente, de uma forma pontual, apontando todos os locais em que o serviço público irá melhorar com a aprovação da reforma. Daí não existe nenhum ponto positivo com a reforma e nem o governo apresenta quais serão as melhorias com sua aprovação.

Você acredita que essa PEC será aprovada?

Bom, acreditamos que é necessário manter a resistência dos trabalhadores frente a PEC 32. Hoje temos uma mobilização forte e constante em Brasília, e não somente lá, mas em todos os estados, de forma presencial e também através das redes sociais, pressionando os parlamentares a se colocarem contra a PEC, tanto que até hoje não conseguiram sua aprovação, não garantindo os 308 votos para sua aprovação, e isso mostra como ela é ruim e não se justifica. Nesse sentido, a continuação dessa mobilização nos garante maior tempo para pressionarmos os parlamentares, mesmo que sendo constantemente comprados com emendas parlamentares para ajudarem suas bases e assim conquistarem seus votos.

Já dá pra ter uma ideia de como votam os parlamentares cearenses ou está tudo ainda muito incerto?

Vários parlamentares já se posicionaram aqui do estado do Ceará, inclusive que em outros momentos votaram a favor da emenda constitucional 95, que votaram a favor da reforma administrativa e trabalhistas. Então já temos aqueles que votam com os trabalhadores sempre, que mantêm essa aliança em defesa dos trabalhadores. Mas ainda assim, temos alguns parlamentares que não se posicionaram, e são esses que precisamos nos mobilizar para pressionar de uma melhor forma.

Você poderia falar de como está a realidade dos servidores públicos, nas três esferas (municipais, estaduais e federais), aqui no Ceará?

Os servidores públicos, de modo geral, em todas as esferas, e não somente no estado do Ceará, vivem a pior campanha salarial da história do Brasil. Não era ainda servidora pública durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas ainda enquanto estudante víamos que iniciava um processo similar, muitas perdas salariais, não se tinha garantia de reposição de inflação e ganho real de salário, e durante os governos do PT vimos que isso foi ganhando maiores proporções.

Após o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, vivemos um período em que os trabalhadores não conseguem ter um ganho real de salário, algo que foi avançado durante o governo do PT por conta da política de valorização do salário mínimo. E aí percebemos que desde 2016 esse debate tem permanecido travado, poucos municípios conseguiram garantir a reposição salarial dos trabalhadores municipais, em nível estadual conseguiram avançar muito pouco, e os servidores federais menos ainda.

Em 2021, a luta principal tem sido a PEC 32, tentando convencer os governos de que não há empecilho para reposição da inflação. E o que temos cobrado este ano, por conta da PEC 32, é a reposição da inflação, só repor o que perdeu, o que aumentou no feijão, no arroz, na carne, no combustível, etc. Então, a reposição da inflação, que é um percentual que não é alto, sendo apenas 4,52%, nesse sentido, as lutas estão muito focadas em garantir os direitos fundamentais nesse momento da pandemia, garantir boas condições de trabalho na pandemia, EPIs, retorno às aulas presenciais somente a partir da garantia das condições sanitárias, vacinação e etc.

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Edição: Francisco Barbosa