CONFLITOS RURAIS

'Se não fosse a organização, o povo teria sido despejado', diz Hamilton Serighelli, mediador de conflitos fundiários

Para militante dos direitos humanos, campanha Despejo Zero é o que garantiu comunidades se manterem na posse da terra

Curitiba (PR) |

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Como assessor especial para assuntos fundiários do governo Richa, a primeira medida de Serighelli foi consultar Don Ladislau Biernarski, figura histórica da CPT - Divulgação

Integrante do Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Paraná (Copedh) e do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, Hamilton Serighelli é um especialista quando o assunto é a mediação de conflitos fundiários.

Chegou a ser assessor especial para Assuntos Fundiários do governo Beto Richa (PSDB) entre 2010 e 2014, atenuando a sensação de insegurança dos movimentos populares em relação a um governo neoliberal.

Serighelli narra que a primeira medida na função foi estabelecer relação com o histórico Don Ladislau Biernarski,da Diocese de São José dos Pinhais, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) à época, que professava uma teologia junto ao povo e atuou com os movimentos do campo. "Trabalho com reforma agrária desde o governo José Richa", afirma à reportagem do Brasil De Fato Paraná.

Hoje, atuando em Foz do Iguaçu, Serighelli fala sobre os desafios da organização contra despejos e do papel da atual Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná. "A campanha Despejo Zero foi fundamental para manter a resistência e a luta do povo que está lutando por moradia, por reforma agrária", declara.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato Paraná. Quais são as principais lutas hoje por moradia e contra despejos forçados em Foz do Iguaçu?

Hamilton Serighelli: Aqui em Foz do Iguaçu tem várias ocupações. Muito problema de documentação nas áreas aqui. Então, é uma questão de moradia. Mas as grandes são a do Bubas, que tem que ser resolvida ainda.

A questão agora do Bosque (área anexa ao Bubas, com 150 famílias), achar uma área. Tem uma área que é o antigo lixão do Arroio Dourado, que tem uma reintegração de posse, mas isso já faz dez anos e não foi cumprida. E tem uma área na Gleba Guarani também que tem reintegração de posse.

Então, aqui tem várias áreas, mas por enquanto, não é que esteja controlado, mas estamos tentando encontrar uma saída aí para que a prefeitura e Itaipu ajudem a resolver essa situação.

Como são as articulações das lutas urbanas na cidade?

As articulações aqui não têm um movimento de moradia forte. O que tem de articulação aqui são as associações de moradores e as lideranças de bairro que estão fazendo essa grande articulação para poder resolver essa situação e tentar fazer uma negociação.

E nós aqui do Centro de Direitos Humanos, aqui do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, temos ajudado nesse processo para poder não ter muito enfrentamento e tentar encontrar soluções no diálogo.

Como você enxerga o papel que a campanha Despejo Zero cumpre no Paraná?

Acho fundamental a organização da população para que o povo se defenda nesse processo. Nós estamos enfrentando governos, por exemplo, governo estadual, governos municipais, que não estão muito preocupados com a situação de violência em cima das famílias.

Agora, com o governo do Lula diminuiu um pouco a pressão, mas se não fosse a organização e os movimentos na base funcionando muito, o povo teria sido despejado.

Então, a campanha Despejo Zero foi fundamental para manter a resistência e a luta do povo que está lutando por moradia, por reforma agrária.

Aqui no Oeste também do Paraná, tem a questão indígena, que é uma questão também muito difícil, que são os indígenas que foram retirados pelo Estado brasileiro de 1948 a 1982, que precisam e estão lutando por território. Então, isso é muito importante que se resolva aqui na região Oeste, porque aqui tem 23 aldeias e 20 delas precisam ser demarcadas ainda.

Você vem de uma experiência de mediação em governos anteriores, de Beto Richa. O que se percebe que a mediação avançou por meio da Comissão de Soluções Fundiárias. Como você analisa este desenvolvimento na negociação e na abertura do Estado para isso?

Sobre a experiência de mediação, antes do governo do Beto, eu acredito no seguinte, conseguimos, quando entramos em 2011 a 2018, segurar o que vinha de reintegrações e várias reintegrações no estado.

Vinha de um governo com 260 reintegrações (Roberto Requião, 2002 a 2010), e nós demos uma segurada, uma conversada, consegui, não me lembro do número exato, mas não chegou a 50 despejos, e a maioria dessas situações sendo resolvidas pacificamente quando teve que ser desocupada as áreas.

Então isso é muito importante. Uma ou duas que fugiram do controle disso. E daí virou, até deu mortes como a questão de Quedas de Iguaçu. Então, todo esse processo tem que ser feito e hoje o desembargador Fernando Prazeres está conseguindo consolidar muitos desses acordos que nós fizemos hoje. Hoje ele conseguiu aprimorar muito aqueles acordos que estavam lá atrás e conseguindo fechar.

Então, o papel da Comissão de Mediação de Soluções de Conflitos Fundiários, do Tribunal de Justiça, é fundamental para manter a paz no campo. Isso que conseguiu dar uma segurança e um ajuste nesse processo.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lucas Botelho