Paraná

Coluna

60 anos do golpe: Sem esquecer, sem perdoar

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Neste 31 de março de 2023, o golpe que implantou 21 anos de ditadura militar no Brasil completa 59 anos. Na verdade, ocorreu a 1º de abril, Dia da Mentira" - Acervo Arquivo Nacional
50 mil pessoas foram presas nos primeiros meses e cerca de 20 mil brasileiros passaram por tortura

Ísis Dias de Oliveira, estudante e professora, Ângelo Cardoso da Silva, taxista, Áurea Eliza Pereira, estudante, Zoé Lucas de Brito Filho, professor e corretor da bolsa de valores, e Walter de Souza Ribeiro, jornalista, não podem perdoar o golpe de 1964, que implantou a ditadura no Brasil há exatos 60 anos.

Walkíria Afonso Costa, estudante e professora, Vitor Carlos Ramos, escultor e professor, Virgílio Gomes da Silva, operário metalúrgico, Túlio Roberto Cardoso Quintiliano, engenheiro civil, Therezinha Viana de Assis, economista, também não podem esquecer o que aconteceu em 1 de abril de 1964, que levou o Brasil a viver 21 anos sem democracia.

Não podem perdoar ou esquecer porque estão mortos ou desaparecidos. Esses dez nomes fazem parte de uma relação de mais de 430 pessoas levantadas pela Comissão Nacional da Verdade como vítimas da ditadura. A maior parte sem ter até hoje seus corpos enterrados, com as famílias vivendo o luto eterno do sem saber seus paradeiros.

A isso, some-se pelo menos duas dezenas de crianças sequestradas - filhos de militantes de esquerda ou de pessoas contrárias ao regime – cujos nomes foram levantados pelo jornalista Eduardo Reina no livro “Cativeiro sem Fim” e que foram entregues a famílias de militares e a pessoas ligadas a órgãos de repressão.

Pequeno número que foi possível levantar a partir de documentos oficiais e investigações, mas que deve ser bem maior se comparado ao de pessoas que passaram por isso e nem têm ideia do que sofreram.

Há diversos outros números que podem ser citados do horror da ditadura. Levantamento da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, mostra que, pelo menos, 50 mil pessoas foram presas nos primeiros meses da ditadura militar e cerca de 20 mil brasileiros passaram por sessões de tortura. “Sem falar nas milhares de prisões políticas não registradas, em quatro condenações à pena de morte, nos aproximadamente 130 banidos, nos 4.862 cassados, nas levas de exilados e nas centenas de camponeses assassinados”, cita o relatório.

Para ser justo, à época da divulgação dos relatórios com os nomes das pessoas mortas ou desaparecidas pela ditadura, o Clube Militar publicou em jornais uma lista em que elencava 126 militares e civis mortos nas décadas de 1960 e 1970 “pelo irracionalismo do terror”, como se referiram a combates entre militantes e forças policiais à época.

Mais que achar que a morte de um lado justifica a do outro, a conclusão é que todos perderam com a ditadura. Uma morte não justifica a outra, elas se somam no terror das famílias que perderam seus entes queridos, chorando seus mortos, sejam de que lado estejam. Porém, um dos principais problemas é que, nesse caso, a força do Estado é usada para combater pessoas que pensam diferente. Traduzindo, o Estado usou sua força para matar brasileiros que pensavam em outros caminhos para o Brasil, certos ou errados.

E é necessário também pensar nos efeitos a longo prazo. A ditadura fez o Brasil crescer economicamente, mas aumentou a desigualdade social entre pobres e ricos que vivemos até hoje. O país cresceu, mas concentrou renda. Os milionários de então viraram bilionários, enquanto a pobreza cresceu, num dos países mais desiguais do mundo. Outro ponto é que as polícias militares, fortalecidas à época, ainda hoje fazem parte de um sistema de segurança que mata pobre e preto antes de perguntar o que eles fizeram. São todos “bandidos mortos em confronto” numa versão renovada dos “terroristas mortos em confronto”. Pior, com aplausos de boa parte da sociedade.

Por isso que, nos 60 anos do golpe, ele não pode ser esquecido nem perdoado. Tem de se buscar justiça e memória, por mais que doa, para que esses atos não se repitam. Nestes tempos em que a democracia no Brasil voltou a correr riscos, é bom lembrar a frase de Ulysses Guimarães, na promulgação da Constituição de 1988.

"Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca", declarou o presidente da assembleia constituinte. "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina."

Edição: Pedro Carrano