Ceará

Coluna

Mulheres e mineração: das afetações às resistências

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Realização do II Curso de Introdução ao Problema Mineral Cearense. - Foto: Erivan Silva.
A comunidade Santa Luzia, em Independência-CE, é um território que tem sofrido ameaça de mineradoras

O modelo mineral é mais uma célula estrutural do capitalismo, onde ele explora a natureza de maneira insustentável com a superexploração dos recursos minerais causando grandes impactos ambientais, sociais e econômicos nos territórios. Estamos falando de um processo que tem como base de sustentação a exploração de matérias primas, neste aspecto, a questão agrária, o modo de produção escravistas, a desigualdade de gênero e o patriarcado, são o que sustentam quem está no topo dessa pirâmide social. A narrativa é fazer do campo um lugar de atraso, desconectar qualquer relação que as pessoas tenham com a natureza e com seu modo de viver e produzir, para que assim, seja mais fácil de “se venderem” ao modelo mineral.

Mas quais sujeitos estão envolvidos com os trabalhos das minas? Como ela afeta os corpos presentes nos territórios? A propaganda é que homens e mulheres terão renda, trabalho e uma boa qualidade de vida, mas será que é isso mesmo?

A comunidade Santa Luzia, no município de Independência-CE, é um território todo mapeado e que tem sofrido ameaças de empresas mineradoras.  Os moradores daquela comunidade são o exemplo dessa relação distinta de como a mineração afeta homens e mulheres de maneiras diferentes, seja em questões trabalhistas, sociais e na saúde. Apesar de ainda não ter iniciado as explorações, há um conflito estabelecido que se torna perceptível nos relatos de algumas situações que fazem parte do padrão das mineradoras quando sua fronteira de acumulação se sobrepõe aos nossos territórios.

O senhor Antônio (nome fictício), que é dono de sua terra, foi abordado por um trabalhador da mineração às nove horas da manhã em sua casa, lhe disseram que ele teria uma boa renda financeira, que iria ser um dos trabalhadores da mina, que teria um emprego no próprio território, era só assinar seu nome no papel, no qual não precisava ler, e o discurso se repetiu nas casas de outros Antônios, donos de terras.  Enquanto a dona Antônia (nome fictício), que mora sozinha em sua casa, chegou a ver seu chão marcado por um enorme X sem saber o porquê (sua casa está na área mapeada), a outra Antônia, foi abordada às seis da manhã na porta da sua casa, de forma agressiva e grosseira, sempre que a mesma revidava quando dizia saber quais os verdadeiros impactos das mineradoras, recebia perguntas como: "quem te falou isso?"; "Como você tem todas essas informações?"; "Você não acha que está muito informada? ”. Uma outra Antônia os recebeu na sua casa, e a proposta é que ela teria emprego, fazendo comida ou lavando as roupas dos trabalhadores.

É fácil notar a diferença entre as tantas situações, pois a mineração é pensada por homens, para os homens, com os homens, e as mulheres não estão nesses espaços, além das muitas questões relacionadas a força de trabalho, falta de confiança na competência para assumir determinados cargos, questões relacionadas a licença maternidade, entre outras coisas, nos resta, então, o trabalho doméstico e de cuidados, mais uma vez. 

Em territórios minerados, as mulheres camponesas, donas de casa, trazem o relato do quanto o trabalho doméstico dobra devido à grande quantidade de poeira, então lavar a louça, a casa e as roupas, se tornaram atividades repetitivas (mais de uma vez no dia), como também afeta a saúde das mulheres e de suas famílias, contribuindo com aumento de doenças de diversos tipos, intensificando ainda mais o papel de cuidado que elas exercem em seus lares com filhas (os), companheiros (as) e consigo. Com a entrada de homens desconhecidos e de outros territórios, o aumento de drogas e bebidas se intensificam, expondo as mulheres a diversas violências, entre elas a doméstica e sexual, como também a mercantilização dos corpos femininos a prostituição, incluindo jovens menores de idade, sem estrutura financeira ou familiar, além de casos de assédio, importunação sexual, estrupo e até morte.

Qual a resposta para tudo isso?
 
Como a vida das mulheres já é repleta por desigualdades estruturais do patriarcado, elas são as mais atingidas nesse processo, e apesar do quão desafiador seja, são as que mais se engajam nas lutas em defesa do seu território e as responsáveis pelas transformações sociais. São elas que estão nos núcleos de base, conduzindo formações, movimentando e incentivando outras mulheres, e cabe aos homens entenderem que não é só uma responsabilidade nossa, que todos somos vítimas desse modelo mineral, mesmo que afetados de maneiras diferentes. A partir disso, nosso compromisso é possibilitar estrategicamente o fortalecimento do povo de nossas comunidades e de tantas outras, a fazer o enfrentamento ao modelo mineral que nos separa, nos individualiza, nos explora e nos adoece. 

Onde tem minério, tem gentes, onde tem minério, tem vida, onde tem minério, tem organização popular, e ONDE TEM MINERAÇÃO, TEM MULHERES EM LUTA! 

* Samanda Karen, mulher, jovem, camponesa, do Coletivo Nacional de Juventude Ravel Marques do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Francisco Barbosa