Rio Grande do Sul

LUTA DAS MULHERES

8M: ‘Não queremos flores, queremos nossos direitos efetivados’, destacam militantes 

Ato unificado reunirá mulheres do campo e da cidade nesta sexta-feira, a partir das 18 horas, na Esquina Democrática

Brasil de Fato | Porto Alegre |
De acordo com a Lupa Feminista, o RS registrou em 2023, 102 feminicídios - Leandro Taques

"Pela vida das mulheres, contra todas as violências! Basta de feminicídios! Basta de privatizações" são algumas das pautas deste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em Porto Alegre. Nesta sexta-feira (8) mulheres de diversos movimentos sociais sairão às ruas da capital gaúcha para além de denunciar as diversas formas de violência de gênero, cobrar a efetivação de políticas públicas. 

:: Mulheres do MST fazem mobilizações em todo o país em celebração ao 8 de Março ::

A concentração acontece a partir das 18h, na Esquina Democrática, e logo após, às 19h, será realizada uma serenata iluminada na Ponte de Pedras. Pela manhã, a Themis realizará a 8ª edição da Estação Themis - Pela garantia dos direitos das mulheres na estação Mercado da Trensurb. Iniciativa ocorrerá das 6h30min às 12h. Além de contar com a presença de advogadas da organização, outros parceiros estarão presentes para se somarem à atividade, como Defensoria Pública do Estado (DPE) e Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra). A ação é realizada em parceria com a Trensurb.

“Não queremos flores, queremos nossos direitos efetivados. As mobilizações do 8 de Março são fruto das lutas históricas das mulheres contra as desigualdades geradas pelo patriarcado. Desde o campo do trabalho e contra as inúmeras formas de violências sofridas tanto no público quanto no privado. Todo ano nessa data nos articulamos e mobilizamos. Mas nossas lutas ocorrem durante o ano todo. Não basta somente refletir, é preciso agir para que mudanças ocorram. A vida das mulheres importa e é isso que a gente vem demonstrar”, ressalta a psicóloga e integrante do Levante Feminista contra o Feminicídio Thais Pereira. 


 "Neste 8 de Março é muito importante as mulheres estarem nas ruas demonstrando sua força e capacidade de articulação"/ Foto: Giorgia Prates

Para a presidenta do Conselho Estadual do Direito da Mulher (CEDM), Fabiane Dutra, a data traz toda uma simbologia e de visibilidade. “Por ser uma data internacional que marca a nossa luta é importante porque ela ganha visibilidade, as nossas bandeiras têm um reconhecimento nessa data. A sociedade para, observa, escuta. Tem uma simbologia, não é a questão do presente do dia, o bombom, a flor, embora a gente sabe que existe um sentimento de retribuição ao nosso trabalho não remunerado nesse dia. Nós queremos esse reconhecimento todo dia.”

Fabiane lembra que a data que surgiu a partir de operárias russas em 1917, em um evento conhecido como Paz e Pão, nasceu da reivindicação de melhores condições de trabalho de vida. Mais de um século depois a luta continua, especialmente em relação a políticas públicas. 

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Segundo a jornalista Niara de Oliveira, autora do livro "Histórias de morte matada contadas feito morte morrida – a narrativa de feminicídios na imprensa brasileira", embora se comemore a manutenção da democracia o cenário continua muito aquém. “Apesar de termos finalmente um Ministério das Mulheres que vêm pensando e propondo políticas públicas concretas para as mulheres, mesmo com um orçamento muito escasso, o cenário é péssimo para nós. Perdemos muitos direitos e estamos com outros tantos ameaçados.”

De acordo com a promotora legal popular e presidenta da Associação das Promotoras legais do RS, Fabiane Lara dos Santos, o desmonte das políticas públicas no atual governo estadual vem acompanhando os seus antecessores. “É material. Não se investe na política pública com as verbas disponíveis, não se permite acesso aos locais de atendimento, seja de saúde, seja de assistência social, seja na garantia dessa mulher se manter viva!  É o caso das políticas de enfrentamento a violência contra as mulheres”, afirma

Sobrevivente de feminicídio, Carol Santos, do Movimento Feminista Inclusivas e integrante do Levante Feminista, ressalta que as mulheres gaúchas, ativistas, lideranças, trabalhadoras e mães estão sofrendo com o abandono das políticas públicas para as mulheres que impacta diretamente nas suas vidas. “8M é mais um grito de todas as mulheres gaúchas contra todos os retrocessos e vidas silenciadas nós últimos anos. Juntas estaremos unidas para reafirmar nossas lutas por igualdade e direitos. Nenhuma mulher pode ficar para trás.”

Pela vida das mulheres 

“Neste 8 de Março é muito importante as mulheres estarem nas ruas demonstrando sua força e capacidade de articulação e para denunciar o alto índice de feminicídios - que deriva tanto do aumento do número de homens armados no país quanto do sucateamento dos serviços de prevenção à violência contra às mulheres nos estados”, destaca Niara. 

De acordo com a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal, Instituto Avon e Gênero e Número, 25.458.500 mulheres declararam, no ano de 2023, terem sofrido algum tipo de violência doméstica e familiar, somando 30%. 61% das mulheres não procuraram uma delegacia. 

Em 2023, 409.580 mulheres foram vítimas dos crimes de ameaça (291.098), lesão corporal (148.923), homicídio (3.365) e feminicídio (1.127). Em 492 casos, a violência aconteceu em casa. Conforme dados do Mapa Nacional da Violência de Gênero, 529.690 mulheres recorreram às medidas protetivas de urgência em 2023.

De acordo com o levantamento, sete em cada 10 mulheres que sofreram violência, no último ano, não solicitaram medidas protetivas. Mais de um milhão de medidas protetivas foram decididas entre 2022 e 2023. Mas, de acordo com os números da Pesquisa Nacional de 2023, o número seria maior se as mulheres brasileiras conhecessem mais o dispositivo (68% dizem conhecer pouco) e se as mulheres que sofreram violência tivessem feito o pedido.


Medidas protetivas / Foto: Reprodução Mapa Nacional da Violência de Gênero

No RS, segundo dados do Observatório de Violência Doméstica da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), houve 55.623 registros de violência contra as mulheres, sendo 87 casos de feminicídios e 231 tentativas. Já pelo levantamento do Lupa Feminista foram 102 feminicídios. No ano passado 137 pessoas perderam suas mães para o feminicídio, sendo 82 crianças e adolescentes, de acordo com o Mapa dos Feminicídios, produzido pela Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam) da Polícia Civil.

“O Rio Grande do Sul é o quarto estado que mais tem matado as mulheres, com altos índices de feminicídio, sobreviventes de feminicídio e estupro. O abandono de investimento nas políticas públicas para as mulheres com o fechamento da secretaria escancara o aumento de todas as violências no estado e acesso a serviços. Em 2022 tivemos um aumento de 10,4% nos crimes de feminicídio, 216 órfãos do feminicídio e 206 sobreviventes de feminicídio. Crimes esses contra a vida das mulheres e que têm sido legitimado pelos nossos governantes. Para quem interessa a vida das mulheres gaúchas?”, questiona Carol.


Foto: Mapa dos Feminicídios RS

Conforme aponta Carol, a violência de gênero é narrada diariamente na imprensa, enquanto o governo do estado bate na tecla que houve a diminuição dos crimes de feminicídio e demais violências. “A Lupa Feminista contesta esses dados, muitos são subnotificados ou não entram nos dados de feminicídio. Se o estado tem altos índices de violência e crimes de feminicídio isso impacta diretamente na falta de investimento nas redes de enfrentamento e demais serviços, como saúde”, pontua. 

:: Sobreviventes de feminicídio relatam marcas da violência e ausência de políticas para seguirem vivas ::

Na avaliação de Thais, o RS é um estado que atinge as mulheres de forma bastante contundente, tanto em relação às privatizações, quanto no campo das violências, com destaque para os casos de feminicídios, que ocorrem tanto nas relações com vínculo íntimo ou não, visto que a misoginia, ou seja, o ódio e desprezo pelas mulheres ocorrem de diversas formas.

“Desde a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres temos visto a desarticulação das políticas públicas para o enfrentamento das violências contra as mulheres, o que reflete diretamente nos casos de violência e feminicídio. Infelizmente, o cenário não é nada favorável para as mulheres. Do Estado só se escutam promessas, o cumprimento delas ainda não ocorreu”, afirma.

Pela defesa de direitos 

A luta pela volta da secretaria, enfatiza Fabiane Dutra, é uma das bandeiras defendidas pelo Conselho Estadual do Direito da Mulher, assim como a reestruturação do colegiado. Ela também chama atenção para as demais violências sofridas pelas mulheres como a obstétrica, a psicológica, patrimonial e a política. “Esse ano é um ano eleitoral, é importante também falarmos que é inadmissível a violência política. Nós queremos mais mulheres nos espaços de poder, então essa violência não pode existir. Precisamos dar um basta nisso.”


“O Rio Grande do Sul é o quarto estado que mais tem matado as mulheres, com altos índices de feminicídio, sobreviventes de feminicídio e estupro" / Foto: Flávio Costa/Aspta

Ela também chama atenção para a questão das privatizações que estarão inseridas no ato de sexta. “Percebemos que nos eventos de crise climática, de catástrofe como as que aconteceram no estado ano passado, a população acaba ficando muito mais tempo sem serviços básicos, como energia elétrica e até água potável, em função da privatização desses serviços públicos essenciais à vida.”

“Estamos assoladas por perdas de direitos por todos os lados que vão desde o empobrecimento e a perda de mobilização da cidadania como um todo com as privatizações, queda da qualidade de serviços, ataque às categorias de servidoras públicas que afetam educação, saúde como o atendimento dos serviços de enfrentamento à violência contra as mulheres é quase inexistente de tão sucateado e aos poucos vai ficando descredibilizado, até vir a proposta de 'encerramento por falta de demanda' em meio a uma explosão de casos de feminicídios - que é quando não há mais o que prevenir”, pontua Niara.

Tempo de esperançar

“A mobilização do 8M é importante, pois é marcador de reflexão e de organização sobre todas as lutas das mulheres no âmbito social, cultural e político. É um mês de luta que dá início a caminhada dos 365 dias de resistência”, afirma Fabiane Lara dos Santos.

“Acho que o sonho da vida de toda feminista é que um dia a gente possa falar no 8 de Março só das nossas conquistas e não mais de violência. Queremos viver sem violência, um mundo de paz, um mundo de equidade, um mundo de oportunidades iguais para todas nós. Sabemos que está longe desse dia chegar, mas seguimos na luta”, complementa Fabiane Dutra. 


“Acho que o sonho da vida de toda feminista é que um dia a gente possa falar no 8 de março só das nossas conquistas e não mais de violência" / Foto: Fabiana Reinholz

Ação Themis 

Na edição deste ano a atividade terá quatro diferentes núcleos de atendimento dentro da estação Mercado. Neles, profissionais especializados atenderão gratuitamente às usuárias que transitam pelo hall de entrada. São eles: Família e Violências - Defensoria Pública do Estado, Themis e advogadas parceiras; Direito Trabalhista - Agetra; Direito Previdenciário - advogadas parceiras; Direito Cível - advogadas parceiras.

Além disso, haverá uma sala reservada e fechada para o acolhimento em casos mais graves de violência. 

A atividade tem como objetivo ocupar os espaços públicos, como o transporte urbano, para ampliar as estruturas de acolhimento às meninas e mulheres da Capital e da região metropolitana. A atividade também mobilizará Promotoras Legais Populares (PLPs) de diversas regiões da Capital e da Grande Porto Alegre, Jovens Multiplicadoras de Cidadania (JMCs), sócias e sócios e a equipe técnica da organização. 

As ativistas comunitárias estarão disponíveis para tirar dúvidas sobre direitos das mulheres, Lei do Feminicídio, Lei Maria da Penha, ciclo da violência entre outros temas. Além disso, as usuárias poderão conhecer um pouco mais sobre os programas desenvolvidos pela organização feminista e antirracista de Porto Alegre. 

Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra

Entre os dias 6 e 8 de março, a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra 2024 também ocupará todas as grandes regiões do país, entoando as mobilizações e atos no campo e cidade, com o lema: “Lutaremos! Por nossos corpos e territórios, nenhuma a menos!”

As mobilizações acontecem em denúncia às violências estruturais do sistema capitalista que afetam diretamente a vida das mulheres, por meio da instituição do patriarcado, do racismo e LGBTQI+fobia. Além de protestar contra uma série de outras violações, como as desigualdades sociais, a fome e a pobreza, criadas a partir da mercantilização da vida, dos bens comuns e da natureza. Destacando a denúncia da violência cotidiana enfrentada, tanto nos territórios como nas esferas doméstica e política.

Em Porto Alegre, cerca de 400 mulheres iniciam as ações às 9h, com audiência com o Superintendente do Incra/RS. A partir das 15h, haverá doação de alimentos para uma ocupação urbana no centro de Porto Alegre. Às 16h, uma intervenção contra o feminicídio no Mercado Público, e às 18h participam do Ato Unificado “Em defesa da vida e dos direitos das mulheres – Sem anistia para os golpistas”.

Protesto pede mais recursos para a moradia

Em São Leopoldo, militantes do Movimento Nacional de luta por Moradia (MNLM) se mobilizam nesta quinta-feira (7), a partir das 9h, na estação Rio dos Sinos. A ação integra a Jornada de Lutas das Mulheres e tem como objetivo chamar atenção para mais recursos para moradia. 

"A ação que faz parte de uma jornada de luta do MNLM. Nossa reivindicação é menos recurso pro Centrão e mais pra habitação, por conta de vários projetos que foram encaminhados do Minha Casa Minha Vida, e até agora não saiu seleção. Estamos indo às ruas pra fazer essa reivindicação de que os projetos sejam selecionados, sejam contratados e que tenha mais recursos pra habitação. O governo municipal chamou ato pro dia 8, que é Dia Internacional das Mulheres, e a gente não vai fazer junto. Vamos fazer o nosso com a nossa pauta, nossa reivindicação, que é uma demanda nacional”, ressalta a dirigente do movimento Andreia Camilo.


Edição: Katia Marko