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Outubro das Crianças: para além das festas e presentes, é preciso garantir direitos

Investimento em segurança pública é maior do que o em proteção da vida afirmam especialistas

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado modelo de lei para a garantia de direitos na infância e juventude mundialmente
Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado modelo de lei para a garantia de direitos na infância e juventude mundialmente - Marcelo Casall/Agência Brasil

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma das legislações mais sólidas e importantes do país, determina que os direitos de todas as meninas e meninos devem ser garantidos com absoluta prioridade. No entanto, segundo o estudo "Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil", feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com dados 2016 a 2022, no Ceará 56,41% de meninos e meninas vivem com renda familiar abaixo da linha da pobreza, atualmente definida por uma renda familiar mínima mensal de R$ 541.

Especialistas apontam a importância do investimento em assistência e políticas públicas para superar essa realidade. Mas de acordo com levantamento e análise do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará), o investimento em segurança pública no Ceará é maior do que o em proteção da vida de crianças e adolescentes. Violências como falta de assistência adequada em saúde mental, homicídios, educação excludente e mortes por intervenção policial estão entre as mais graves e letais.

Jamyle Gonzaga, assessora técnica do CEDECA Ceará, informa que a Organização analisou o Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência do Estado do Ceará (PReVio), uma política intersetorial para públicos específicos como crianças, jovens, adolescentes gestantes, egressos do sistema socioeducativo, população LGBT e mulheres em situação de violência. “A partir desse orçamento de prevenção de homicídios foi constatado um maior investimento orçamentário para as áreas de policiamento, informação e inteligência, deixando em segundo plano o investimento em ações de prevenção social para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes”.

Jamyle reflete sobre essa realidade acrescentado alguns dados de homicídio, saúde mental e educação no estado. Em relação aos homicídios, ela informa que a cada 48 horas uma criança ou adolescente é vítima de homicídio no Ceará, sendo os negras e moradoras de periferia as principais vítimas, algumas dessas mortes ocorreram em intervenção policial. Já no que se refere à saúde mental, a assessora explica que Fortaleza apresenta o déficit de 13 CAPSi, acarretando uma grande quantidade de atendimento, assim como fila de espera. “O tempo médio de espera para o primeiro atendimento é de 6 meses. Considerando o público atendido pelo CAPSi, crianças e adolescentes em sofrimentos psíquicos e/ou transtornos mentais severos e persistentes, a falta de atendimento em tempo hábil pode trazer prejuízo em suas vidas”. 

Acerca da educação, Jamyle aponta que esse direito é efetivado não somente a partir do acesso à matrícula, mas também da permanência e garantia do padrão de qualidade. “No Ceará, existiam mais de 370 mil crianças e adolescentes, entre 0 a 17 anos, fora da escola, no ano de 2022. É necessário considerar a raça quando falamos do não acesso ao direito à educação, uma vez que o IBGE aponta que 30% da juventude preta e parda, entre 15 e 17 anos não frequentou ou não concluiu no tempo correto o ensino médio entre 2012 e 2022. Em relação as crianças de 0 a 3 anos de idade, em 2022, 142 mil estavam fora da escola. É importante evidenciar gênero de raça que atravessam a não garantia do direito à educação infantil, uma vez que historicamente as mulheres negras são as principais responsáveis pelos cuidados integrais das crianças. Essa questão afeta as famílias e, sobretudo, as mulheres negras e periféricas – que infelizmente ainda acumulam as responsabilidades de cuidados integrais com as crianças. Portanto, o direito à creche tem um papel social fundamental de garantir condições para o acesso ao trabalho para as mulheres, e de enfrentar o racismo e desigualdades de gênero”.

 

Desafios também na esfera municipal

Lúcia Maria Pereira da Silva e Ana Maria Alves e Ruth de Sousa Sena participam do grupo de mães que são alunas do curso de corte e costura do Núcleo de Base da Pastoral do Menor. Elas falam um pouco sobre o que vivenciam e observam quando o assunto é a atenção do poder público em relação às crianças.

De acordo com elas, falta mais transporte, mais escolas, mais creches e mais professores em sala para acompanhar as crianças, sobretudo as crianças que têm alguma necessidade especial. Falta atendimento psicológico e um olhar mais voltado para as crianças do interior.  "Ao mesmo tempo que se tem direitos quando se leva as crianças no posto de saúde, o atendimento não é bom, não tem maca, o dentista desmarca toda semana. No que se refere à segurança pública também é uma preucupação, porque às vezes a criança está brincando na rua e de repente pode acontecer alguma coisa, ou acontecer uma abordagem policial e a criança pode ser atingida", destaca Lúcia Maria.

ECA


No mês das Crianças é importante destacar o ECA como uma grande conquista. / Foto: Prefeitura Municipal de Itapiúna

Em relação ao acesso à educação, à saúde, lazer, moradia e segurança, Marlene Marta de Albuquerque, psicanalista, agente da Pastoral do Menor e diretora presidente da Casa de Irmãos explica que o ECA garante a essas crianças o direito à saúde, educação, moradia, lazer, mas que na prática as coisas são um pouco diferentes.

“As crianças até têm acesso à escola. Elas até estão na escola, mas a qualidade do aprendizado dessa criança fica muito deficitária por uma série de fatores, a gente tem uma fragilidade nas políticas públicas que não asseguram a essas crianças alimentação, uma moradia digna, que não asseguram saúde de qualidade. O acesso a um tratamento é muito complicado, por mais que a gente tenha percebido e visto melhorias, mas não é 100%. A gente tem muitas crianças que vão aos postos de saúde, são até atendidas, mas a continuidade desses atendimentos às vezes fica fragilizada, são filas muito grandes e as nossas crianças são prejudicadas muito em relação à continuidade desses acessos”, afirma Marlene.

E ela continua. “Em relação à segurança é muito preocupante, sobretudo nas comunidades. A nossas crianças têm um nível de fragilidade muito grande. Eu não diria que por ausência, que eu acho que até tem, mas é por ineficiência dessas políticas públicas”.

Para esse Dia das Crianças, ela fala sobre a importância de lembrar do ECA. “A gente tem que lembrar do ECA como uma grande conquista. A gente não tem como deixar passar esse documento, essa lei tão importante que garante esses direitos às crianças e adolescentes. Nos projetos que a Pastoral do Menor acompanha, nos grupos, sempre traz presente a importância desse cuidado, de trazer sempre o Estatuto da Criança e do Adolescente como um parceiro, um parceiro para as famílias, sobretudo, para famílias tão sofridas por tantas negligências”. 

Mais Infância Ceará


O Mais Infância virou lei e tornou-se política de Estado, na busca pela redução das desigualdades, com foco nas famílias mais vulneráveis, através de uma série de ações. / Foto: Governo do Estado do Ceará

O Governo do Estado do Ceará vem realizando programas com foco nas crianças, como é o caso do programa Mais Infância Ceará, criado em agosto de 2015 pelo Governo do Estado. A iniciativa é executada pela Secretaria da Proteção Social (SPS), de forma conjunta com diversas secretarias, entendendo a intersetorialidade da pauta. De acordo com a SPS, as ações do Mais Infância Ceará perpassam apoio à educação infantil, construção de espaços para brincadeira e socialização das crianças, transferência de renda, aproveitamento de alimentos para combate à insegurança alimentar e espaços integrados e intergeracionais onde também é trabalhado o afeto. A iniciativa virou lei e tornou-se política de Estado, na busca pela redução das desigualdades, com foco nas famílias mais vulneráveis, através de uma série de ações.

Entre seus principais resultados, o Mais Infância Ceará contabiliza mais de oito milhões (8.472.755) de visitas domiciliares realizadas; 150 mil famílias atendidas pelo Cartão Mais Infância Ceará, uma transferência de renda mensal de R$ 100; a distribuição de mais de 600 mil tíquetes anuais, que equivalem a uma recarga de gás de cozinha, com o Vale Gás Social; mais de 3,2 milhões de quilos de alimentos doados, dentro do Mais Nutrição, a entidades que trabalham com crianças e adolescentes, reforçando a segurança alimentar de 30 mil pessoas mensalmente; o fortalecimento do brincar através de várias iniciativas, como o Espaço Mais Infância e a Cidade Mais Infância; a criação dos agentes sociais, que visitam as famílias beneficiadas (108.589) pelo cartão e alimentam o Big Data Social, um importante sistema de monitoramento dos dados; e 572 equipamentos construídos, entre Centros de Educação Infantil, brinquedopraças e brinquedocreches, núcleos de estimulação precoce e complexos mais infância.

Onélia Santana, secretária da Proteção Social, aponta as maiores conquistas desse governo na garantia dos direitos das crianças. "O Estado do Ceará saiu na frente mais uma vez e implementou e interiorizou o Plano Municipal para Primeira Infância nos seus 184 municípios ainda no mês de abril. Cuidar, educar, proteger e promover a cidadania de crianças, de 0 a 6 anos, é o principal objetivo do Plano Municipal para Primeira Infância, que vem sendo construído por muitas mãos no Ceará. Os planos serão um guia para as políticas públicas voltadas para este segmento nos próximos dez anos. Os planos permitem planejar ações de pequeno, médio e longo prazo para os diferentes tipos de infâncias que temos no Ceará, que são indígena, quilombola rural, urbana e tantas outras que têm o direito de serem vistas e cuidadas pelo Estado”.

Já sobre os desafios, Onélia aponta que “um grande desafio é ainda alcançar a pluralidade de infâncias que temos nos territórios cearenses, como as comunidades tradicionais. Temos trabalhado com muita seriedade e compromisso para que as políticas cheguem nestes espaços e contemplem também crianças e adolescentes de toda esta diversidade de territórios".

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Edição: Camila Garcia