Coluna

O boi estica a corda

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Rodrigo Pacheco, o mais coadjuvante de todos os chefes de poderes, tentou recuperar algum protagonismo do Senado, e propôs que o Legislativo aprove, antes das deliberações do STF, PECs sobre aborto, a descriminalização das drogas, o imposto sindical e o marco temporal - Lula Marques / Agência Brasil
É no parlamento que o agronegócio expressa seu descontentamento com a rejeição ao marco temporal

Olá!
O agronegócio faz queda de braço no Senado contra o STF, o governo tenta fechar as contas do ano, e os generais contabilizam suas perdas.

.A revolução dos bichos. Há muito mais em torno do grito de protesto do Congresso contra o STF do que o mugido da bancada ruralista. Como face pública do agronegócio, é no Parlamento que se expressa o descontentamento com a rejeição da tese do Marco Temporal e é lá que estão dois projetos que transformam a tese em lei, eliminado 63% das atuais reservas indígenas. A pauta se tornou uma oportunidade para dar coesão à direita, abatida pelas sucessivas investigações contra o bolsonarismo e dividida com a adesão do centrão ao governo. De lambuja, os ruralistas aproveitaram para abafar seu próprio fracasso na CPI contra o MST. A revolta também embalou uma PEC para que o Congresso suspenda decisões do STF.  Mas, os presidentes das Casas também aproveitaram para pegar carona. Rodrigo Pacheco, o mais coadjuvante de todos os chefes de poderes, tentou recuperar algum protagonismo do Senado, e propôs que o Legislativo aprove, antes das deliberações do STF, PECs sobre aborto, a descriminalização das drogas, o imposto sindical e o marco temporal. A proposta de um plebiscito sobre o aborto também recebeu adesão. Se protagonismo não era um problema para Arthur Lira, ele também sabe como não desperdiçar uma oportunidade e usou o movimento para pressionar o governo a entregar logo a Caixa Econômica para seu bloco. No meio da confusão, a PEC da minirreforma eleitoral ficou praticamente inviável, enquanto duas CPIs terminaram sem relatório e a das Americanas inocentou os donos, que já haviam assumido a culpa. A briga agora chega ao Planalto, porque Lula deve vetar o projeto do Marco Temporal aprovado a toque de caixa no Senado e a disputa ainda pode voltar ao STF. Mas também aumentam as preocupações de Lula com as escolhas que precisa fazer para a PGR e o STF. Escolher ou não os favoritos de Mendes e Moraes faz diferença no delicado equilíbrio de poder. E enquanto não se decide, a PGR é conduzida por uma entusiasta de Sérgio Moro e o PT se dedica ao fogo amigo contra Flávio Dino, incomodado com um possível presidenciável.

.O jogo não está ganho. A recente pesquisa PoderData aponta um empate técnico entre a aprovação e a desaprovação do governo pela primeira vez desde o início do mandato de Lula. Outro índice que merece atenção é o aumento da insatisfação do mercado. É verdade que as perspectivas para a economia não são ruins, com uma nova melhora na projeção de crescimento do PIB para 2,9% este ano e a inflação estabilizada. Mas uma escalada do preço do petróleo pode forçar um aumento dos combustíveis e prejudicar os planos do governo. Além disso, mais do que crescimento, o que o mercado quer é uma política de austeridade fiscal mais dura e acredita que o governo não está disposto a entregá-la. Foi talvez para renovar a fé do mercado que Lula se reuniu com Campos Neto pela primeira vez, sugerindo uma trégua mais duradoura com o presidente do Banco Central e abrindo espaço para priorizar outras agendas. Além das dúvidas que pairam sobre o arcabouço fiscal, a aprovação da reforma tributária no Senado deve ser adiada mais uma vez, deixando manco o tripé previsto pela equipe econômica, ao lado do fim do teto de gastos e da redução dos juros. Mas enquanto Haddad não consegue fazer a tão aguardada mágica de aumentar a arrecadação, a sombra do contingenciamento do orçamento persiste e já se fala em rombo nas contas públicas para este ano. A boa notícia é que o governo tem sua própria identidade e está conseguindo responder a algumas demandas centrais para sua base social. O Novo Bolsa Família já tirou três milhões de pessoas da miséria este ano, e as áreas mais bem avaliadas pela população são os direitos humanos e a igualdade racial, segundo a pesquisa Atlas. A ajuda federal ao Rio Grande do Sul, que vive um momento de calamidade pública com chuvas e alagamentos, também é vista como positiva pela população, e o bom grado de estados e municípios pode aumentar com o início da distribuição de recursos do PAC. Já a área de maior insatisfação é a Segurança Pública, que aliás expõe uma das maiores contradições dos governos estaduais do PT, como bem mostra a onda de violência na Bahia.

.Riocentro 2023. A delação premiada de Mauro Cid foi a última bomba que estourou no colo das forças armadas e a nova ordem do dia é o salve-se quem puder. A investigação da PF sobre a articulação que desembocou no 8 de janeiro agora tem nomes e sobrenomes. Ao que parece, o almirante da Marinha Almir Garnier teria sido o único a declarar abertamente apoio ao plano golpista de Bolsonaro numa reunião com o alto comando militar ocorrida em 24 de novembro. Mas, agora que o clima mudou, as versões começam a exibir também alguns supostos bastiões da democracia. É assim que surge um comandante do Exército, Freire Gomes, destemido e ameaçando prender Bolsonaro caso ele tentasse um golpe. Ora, como se consultar os comandantes das forças armadas sobre a adesão a um golpe já não fosse uma tentativa de golpe… E o que Freire Gomes fez contra o anunciado plano? Nada. Aliás, além de não mover uma palha para desmanchar os acampamentos em frente aos quartéis, ele e seus colegas haviam lançado anteriormente uma nota “ao povo brasileiro” defendendo a liberdade de expressão dos bolsonaristas que questionavam o resultado das eleições. Agora tentam passar a versão surrada de que a caserna é um cesto cheiroso com algumas maçãs podres. Acontece que, se o almirante Garnier pode vir a ser enquadrado por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito, os generais que participaram da mesma reunião cometeram ao menos crime de prevaricação ao guardarem segredo sobre o fato. A bomba de Mauro Cid está fazendo tantos estragos que um possível pacto de cavalheiros entre o atual governo e as forças armadas pode ter ido pro espaço. O que contou ainda com uma ajudinha do gen. Heleno, que falou demais na CPMI, deu mais repercussão ao caso e ainda pode vir a ser indiciado por mentir em seu depoimento à Comissão. Resultado: além de convocar mais generais a depor, os governistas querem tentar prorrogar a CPMI, e o TSE aproveitou o momento para enfraquecer a presença dos militares no processo eleitoral brasileiro. A verdade é que ninguém sabe onde tudo isso vai parar, mas até aqui está dando gosto de ver.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Quem controla a economia brasileira. Pesquisa de Eduardo Magalhães Rodrigues demonstra quem é o 1% (62 empresas) que controla a economia brasileira. No Outras Palavras.

.Autoritarismo e guerra ecológica. No Joio e o Trigo, como monocultivo, veneno e violência marcam a expansão da soja no Brasil.

.Como os conselhos tutelares mobilizam de religiosos a partidos. No Nexo, porque partidos e igrejas buscam eleger vagas no Conselho Tutelar.

.Reféns da vida doméstica. Infográfico da Piauí demonstra como persiste o peso das tarefas domésticas na vida das mulheres.

.Quem é Lilia Guerra, que cria literatura de primeira entre o ônibus e o trabalho no SUS. Na Folha, uma entrevista com a jovem escritora do elogiado “O Céu para os Bastardos”.

.Claudinho & Buchecha e o lado luminoso da cultura negra dos 1990. No Farofafá, como o filme “Nosso Sonho” recupera a ascensão da cultura negra carioca nos anos 90.

 

*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas