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Dias de infâmia

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"A tentativa da maioria, de extrema direita, na Câmara Municipal de Porto Alegre, de instituir o dia 8 de janeiro como o dia do patriota – desconstituído posteriormente em nome da vergonha – teria essa capacidade sintético simbólica" - Joedson Alves/Agência Brasil
Dia 8 de janeiro não deve ser esquecido. Não como o dia do patriota, mas como mais um dia da infâmia

Infâmia, segundo o dicionário Caldas Aulete, significa ato ou dito infame, vil, vergonhoso. Implica em perda do crédito, da honra, da boa reputação. Diz respeito ao descrédito; desonra; ignomínia. Uma característica ou qualidade de quem ou do que perde a dignidade, fere a honra de alguém ou de uma instituição.

Na política, o termo infâmia tomou dimensão histórica no pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, quando se dirigiu ao Congresso estadunidense para solicitar que este declarasse o estado de guerra contra o Império do Japão. Segundo Roosevelt, o ataque premeditado, mas não anunciado, da Marinha japonesa às bases das Forças Armadas dos EUA no arquipélago havaiano, no dia 7 de dezembro de 1941, “viverá na infâmia”.

A infâmia, tomada em seu sentido literal, não é, portanto, uma condição inusual, incomum à luta política e à relação entre os indivíduos e Estados. A infâmia, quando tomada como atributo da disputa pelo poder, está vinculada à capacidade material e cultural de construir segredos, versões, informações e contrainformações. De produzir e conservar a ocultação da verdade.

A infâmia, portanto, não é um evento singular, de valor histórico singular. Ao contrário, compõe a história a partir de sua constância factual na luta das ideias e do poder. A infâmia é tanto mais constante quanto possa atingir o predicado de naturalidade. Quanto mais se lhe conferir a capacidade de se disfarçar ou mascarar no rol das coisas aceitáveis. Não há, portanto, um único dia da infâmia ou um único episódio infame. Mas uma história da infâmia que naturaliza e banaliza a perda da dignidade.

Mas há, evidentemente, dias que a sintetizam. A tentativa da maioria, de extrema direita, na Câmara Municipal de Porto Alegre, de instituir o dia 8 de janeiro como o dia do patriota – desconstituído posteriormente em nome da vergonha – teria essa capacidade sintético simbólica.

É, no fundamental, um esforço não isolado de conferir aceitabilidade e legitimidade ao conjunto de infâmias que a extrema direita e seu governo construíram. Tratou-se de mascarar a desonra dos atos criminosos da depredação dos prédios da República e da tentativa de golpe de Estado.

A frequência e intensidade das ações racistas e misóginas, a intolerância étnica, o ódio e as violências, o neoliberalismo radical, compõem uma disputa pela imposição da interpretação, de hegemonia cultural e política, portanto, sobre a realidade. Significa o esforço de transformar a ignomínia em padrão societário. No caso do dia 8, a tentativa de transformar, pelo uso da política e também pela da cultura, um episódio vergonhoso em um episódio virtuoso. Uma transformação que serve a um propósito.

Não considero aceitável ou prudente reduzir o episódio do “dia do patriota”, assim como as inúmeras manifestações reacionárias que borbulham no Brasil e no mundo, em shows culturais, na mídia, nos parlamentos ou nos círculos privados, como bizarrice ou algo meramente desprezível. A infâmia é, na luta política, um método de guerra de conquista de consciências e de maiorias na opinião pública. Assim deve ser combatida.

Sempre será preciso demonstrar onde está a intenção e o valor oculto, secreto. Sempre será preciso iluminar a mentira, descortinar a desfaçatez. Demonstrar que a igualdade e não a exploração levarão ao sonho da sociedade justa e pacífica. Precisamos fazer da disciplina da história uma ciência da revelação e dos descobrimentos, não da dissimulação. Uma história da decifração, da detecção do segredo, na perspectiva de Michel Foucault.

Dia 8 de janeiro de 2023 não deve ser esquecido jamais. Não como o dia do patriota, mas como mais um dia da infâmia.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko