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Artigo | André Valadão, seu discurso LGBTfóbico e o silêncio dos evangélicos conservadores

"Incitação à violência nunca foi parte do evangelho de Jesus! Jesus nunca impôs nada a ninguém"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Precisamos evidenciar que o que André Valadão e outros pastores vociferam em seus púlpitos não é evangelho, é um projeto de imposição dos valores de seus impérios sobre a sociedade." - REPRODUÇÃO TVT

Esses dias encontrei por acaso uma senhora que conheci há uns 15 anos em uma igreja que era membro. Conversamos por cerca de 40 minutos e obviamente o assunto sobre bolsonarismo, André Valadão e pessoas LGBTI+ vieram à tona. Ela demonstrou tristeza porque cristãos estavam sendo perseguidos e pessoas inocentes sendo presas. Disse que ela mesma nunca foi violenta nem preconceituosa com ninguém. Confrontei ela sobre as falas de André Valadão e ela concordou comigo que aquilo não é o que Jesus pregou e o que Ele faria.

É sobre essa senhora que eu quero falar.

O mês de junho foi escolhido intencionalmente para acolher uma série de mensagens dominicais intituladas "Deus odeia o orgulho" em uma igreja brasileira em Orlando, na Flórida. As mensagens viralizaram na internet, provocando reações de todos os tipos e acirrando uma das guerras narrativas mais complexas da atualidade. A complexidade envolve as noções de liberdade religiosa, liberdade de expressão, preconceito e LGBTfobia, política e democracia e vários outros fatores que são caros à nossa sociedade.

Eu não quero entrar no mérito se um líder religioso deve ou não se manifestar sobre sua perspectiva bíblica sobre diversidade sexual. Eu quero falar sobre a escalada da incitação à violência sob o pretexto de liberdade de expressão e liberdade religiosa. Observe esse trecho, após se referir a supostas cenas de pessoas nuas dançando na frente de crianças em paradas do orgulho LGBT:

“Essa porta foi aberta quando nós tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena. Então, agora é hora de tomar as cordas de volta, dizendo não, não, não. Pode parar, reseta. E Deus fala: Não posso mais. Já meti esse arco-íris aí. Se eu pudesse, eu matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi para mim mesmo que não posso, então, está com vocês. Você não entendeu o que eu disse: está com você! Eu vou falar de novo: está com você! Vamos pra cima. Eu e minha casa serviremos ao Senhor." Depois disso foi interrompido por aplausos da audiência.

O líder postou vídeo em suas redes sociais posteriormente, afirmando que não queria dizer que os fiéis deveriam matar os LGBTs.

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Mas qual seria outra forma de resetar essas pessoas? É preocupante pensar que esse tipo de incitação ao extermínio de um conjunto de pessoas seja confundido com liberdade religiosa, e mais preocupante ainda é pensar que uma grande parte de todo um espectro de pessoas evangélicas, que vai de evangélicos progressistas (sim, eles existem) a esses extremistas fundamentalistas, fique calada.

Para não ser leviano com a complexidade do assunto, e considerando que boa parte dos não evangélicos não entendem muito sobre nossas crenças, vou separar os evangélicos aqui em três grupos: evangélicos progressistas, evangélicos conservadores e fundamentalistas. A minha preocupação está no silêncio dos conservadores. Porque os progressistas estão se posicionando o tempo todo contra o discurso de ódio do fundamentalismo, embora a mídia não dê espaço para essas vozes.

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Existem muitas igrejas e muitos grupos evangélicos progressistas produzindo teologia e prática cristã que confrontam o fundamentalismo, mas esses grupos minoritários não têm megaigrejas e emissoras de TV para serem ouvidos.

Existe, entretanto, uma maioria de evangélicos conservadores, assim como essa senhora que reencontrei, minha mãe e minha avó, que tem fé genuína e digna, não violenta, amorosa, acolhedora e humilde. Mas eles estão calados diante das atrocidades proferidas por esses falsos profetas de impérios de poder e riqueza, e por isso são confundidos com eles.

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Essa guerra narrativa da censura tem feito com que milhões se calem, acreditando que a intenção da esquerda, das pessoas LGBTI+ e da mídia é impedi-los de proferir sua fé. Existe um grande abismo e isso precisa ser evidenciado: incitação à violência nunca foi parte do evangelho de Jesus! Jesus nunca impôs nada a ninguém, seus convites sempre foram gentis e respeitosos, sempre acolheu a todos que se dirigiam a ele, inclusive aqueles considerados pecadores de pior fama.

Então precisamos evidenciar que o que André Valadão e outros pastores vociferam em seus púlpitos não é evangelho, é um projeto de imposição dos valores de seus impérios sobre a sociedade.

A guerra narrativa é tão macabra que ele usou a imagem de Hitler para sugerir que a esquerda e LGBTs praticam censura, assim como Hitler fazia. Uma espécie de revisionismo histórico que tenta colar no opositor o que eles próprios representam.

Qual lado defende uma superioridade racial (ou de orientação sexual), culpa grupos específicos pelas mazelas da sociedade, é autoritário, imperialista e faz culto à violência e ao militarismo?

Novamente os nossos problemas de educação básica e a falta de boas aulas de História fazem com que esse tipo de discurso seja abraçado por muitos.

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Acredito que só conseguiremos enfrentar essa guerra narrativa se entendermos que precisamos ganhar os conservadores, e não empurrá-los para o colo dos fundamentalistas.

E o preconceito que não permite enxergar a diferença entre esses dois grupos é o que está dando vitória aos fundamentalistas.

A grande massa dos evangélicos está em disputa, e não vamos ganhá-los enquanto não entendermos a situação de precariedade da mulher evangélica periférica e como sua fé genuína foi a única coisa que a salvou tantas vezes na vida, já que o Estado não estava lá na maior parte de suas lutas. Essa mulher nunca foi violenta com os LGBTs ou com qualquer outra pessoa, mas dificilmente vai se tornar progressista e militante.

Nosso objetivo é fazer com que ela entenda que André Valadão e esses líderes não estão pregando o evangelho e que foi exatamente contra esses líderes fariseus, e somente contra eles que Jesus se irou e se opôs.

*Guilherme Sousa é Mestre em Administração e Professor do Instituto Federal de Brasília, Advocacy do Evangélicxs pela Diversidade e Porta-voz da Rede Sustentabilidade DF.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino