Ceará

Proposta de veneno

Parlamentar propõe lei que autoriza pulverização de agrotóxicos via drone no Ceará

Proposta vai de encontro a pioneira Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no estado.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
A proposta do parlamentar vai de encontro a Lei Estadual José Maria do Tomé, pioneira no Brasil, que desde 2019 proíbe a disseminação de agrotóxicos por aeronaves em território cearense. - Arquivo

Começou a tramitar esta semana na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, o Projeto de Lei nº 555, de autoria do deputado Felipe Mota, do União Brasil, que propõe autorizar a pulverização aérea de agrotóxicos no estado por meio de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARPS) ou Drones. 

A proposta do parlamentar vai de encontro a Lei Estadual Zé Maria do Tomé, pioneira no Brasil, que desde 2019 proíbe a disseminação de agrotóxicos por aeronaves em território cearense. A lei 16.820/2019, de autoria do deputado Renato Roseno (Psol), subscrito pelo então deputado estadual, hoje governador do estado, Elmano de Freitas (PT) e pelo deputado Joaquim Noronha (PRP) foi uma conquista dos movimentos populares do campo, ativistas e defensores da saúde pública e do meio ambiente. 

Autor da lei, Renato Roseno acredita que a técnica de usar novas tecnologias faz parte de uma nova estratégia na guerra que o agronegócio sempre moveu contra a legislação cearense. “Eles tentaram por 3 anos seguidos derrubar a nossa lei nos tribunais e não conseguiram. O pacote tecnológico do agronegócio gera dependência dos venenos. Agora, querem essa lei para tentar voltar a pulverizar venenos”, alerta o parlamentar.

Durante décadas, camponeses da Chapada do Apodi sofreram com o despejo de veneno. Foi lá que, no dia 21 de abril de 2010, uma emboscada matou José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, líder camponês que enfrentou o agronegócio para proteger a saúde da sua família e dos moradores da região. Para o geógrafo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Leandro Cavalcante, que realiza pesquisas na área, a  pulverização via drones representará mais uma ameaça à saúde do ambiente e das comunidades camponesas. “Será um grande retrocesso no âmbito das conquistas e avanços acumulados ao longo dos anos de luta em defesa de um modelo de produção mais sustentável e menos dependente de insumos químicos”.

Estudos comprovam que o agrotóxico pulverizado se espalha por quilômetros de distância. A prática é proibida em diversos países. O veneno que vem do ar não vai só para as plantações, ele se espalha pelo lençol freático, por mananciais, pelo solo e chega nas lavouras vizinhas de pequenos camponeses, indígenas e quilombolas, prejudicando a colheita agroecológica e afetando diretamente a soberania alimentar. Para Renato Roseno é preciso construir políticas que apoiem a crescente demanda por alimentos saudáveis e acessíveis. “Temos que, urgentemente, apoiar em escala a transição agroecológica. Podemos ser exemplo no mundo, mas precisamos de políticas robustas, pensando toda cadeia da semente ao prato. Pensar do patrimônio genético ao acesso facilitado às camadas populares”. 

O Brasil é um dos campeões mundiais no consumo de agrotóxicos. O país ainda é o principal destino de agrotóxicos barrados no exterior. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, o país teve um recorde de liberação. Atualmente quase 5 mil agrotóxicos são permitidos no país. Cerca de 2 mil foram liberados pelo ex-presidente, segundo a Coordenação Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA).

O BDF tentou ouvir o deputado Felipe Mota, autor do PL, mas não obteve retorno. 

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Edição: Francisco Barbosa