Ceará

O rio adoçou

Enchentes matam mariscos e peixes do Rio Jaguaribe e deixam comunidades pesqueiras sem renda

Famílias inteiras sofrem com insegurança alimentar desde 2019, com o derramamento de petróleo e a pandemia da Covid-19

Fortaleza, Ceará |
Peixes aparecem mortos no Rio Jaguaribe. Várias espécies estão comprometidas depois das enchentes que atingiram o rio - Ronaldo Gonzaga

Historicamente invisibilizados pelo poder público e pela sociedade civil, pescadores e marisqueiras dos municípios de Fortim e Aracati sofrem com mais uma dificuldade às margens do Rio Jaguaribe. As fortes chuvas que atingiram o estado no mês de março, mais de 300 mm, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), e no início de abril paralisaram a pesca na região.

Ao voltar para a atividade em busca de subsistência própria e de boa parte da sociedade, visto que os pescadores e marisqueiras abastecem as cidades, encontraram muita lama e morte de diversas espécies em virtude do excesso de água, enxurradas e deslizamentos causados pela intensa quadra chuvosa. "A água adoçou o rio e isso é um grande problema para a pesca de mariscos, como ostras, sururu e búzios. Morrem todos”, alerta o historiador e liderança quilombola, João do Cumbe.

A presidenta da Associação Quilombola do Cumbe, Cleomar Ribeiro, também pescadora e marisqueira da região, conta que antes das chuvas,  as comunidades em volta do Rio Jaguaribe estavam trabalhando com tranquilidade, extraindo muito sururu, mas eles desapareceram. “O rio adoçou total. Há muitos anos não vemos essa quantidade de água, desde as enchentes da década de 80. O rio adoçou total, as águas estão barrentas e tá todo mundo parado. Não dá pra catar caranguejo, pescar, nada”, lamenta.

Cleomar também alerta para a falta de políticas públicas voltadas para as comunidades pesqueiras, que desde 2019 sofrem com a insegurança financeira e alimentar, após uma sequência de crimes e desastres, como o derramamento de petróleo e a pandemia da Covid-19. “Nós estamos diariamente cuidando do nosso território, do nosso mangue, dos nossos mares, mas ninguém olha para nós. Cada agressão ao rio nos afeta diretamente”.

  • O Rio Jaguaribe é a principal fonte de renda de centenas de comunidades pesqueiras no Ceará. Sem a pesca, vem a insegurança alimentar. / Ronaldo Gonzaga

A cheia do Rio estava sendo acompanhada pelo pescador artesanal e quilombola Ronaldo Gonzaga, o Ronaldo do Cumbe. De acordo com ele, todas as espécies de mariscos estão comprometidas e parte dos peixes também. A preocupação é com a sobrevivência de comunidades inteiras que vivem, quase exclusivamente, da pesca. “O rio é muito produtivo e nossa maior fonte de renda, mas no momento muita gente tá sem saber de onde vai tirar fonte de renda. Mariscos, a água doce matou tudo e peixe, os que não morreram, fugiram para o mar.”

O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) está articulando as comunidades pesqueiras para que elas participem da audiência pública com a Defensoria Pública do Ceará,  que acontece na próxima quinta-feira (13),  no IFCE de Aracati, para dar visibilidade e pedir apoio às comunidades que vivem da pesca artesanal na região. 

O CPP atua no acompanhamento sistemático das famílias pesqueiras do Quilombo do Cumbe, Canavieiras, Vila da Volta (Aracati) e Jardim (Fortim) e desde o derramamento do petróleo em 2019, denunciam vulnerabilidades socioambientais e socioeconômicas, além das situações que afetem a saúde dessas pessoas. A secretária executiva da Pastoral na região do Ceará e Piauí, Camila Batista, informou que o Conselho também tenta uma audiência pública na Assembleia Legislativa para tratar dos impactos da quadra chuvosa na vida dos pescadores e marisqueiras do Rio Jaguaribe.  Para ela, é urgente que se tomem medidas em favor das comunidades.

“Pescadores e as Pescadoras Artesanais são uma das maiores categorias de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil e são responsáveis por grande parte da produção de pescados que vai à mesa do povo brasileiro. Não podem ficar na invisibilidade frente a esses agravos socioambientais que afetam a qualidade de vida dessa população”, ressalta.

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Edição: Camila Garcia