O que você diria ao ser interpelado no meio da rua com essa pergunta? Você já se fez essa pergunta?
Pouco antes das festas de fim de ano de 2022 e pouco depois das eleições mais polarizadas desde o golpe civil militar de 1964, três artistas saíram às ruas de três cidades do Ceará para saber do povo: “A que horas começa a revolução?”, desde então tenho refletido sobre essa pergunta feita pelo Núcleo de Estudos da Performance (NUEP), que me chegou pelas redes sociais, uma das múltiplas plataformas por onde agiu a ação com os seus vestígios.
O que você diria ao ser interpelado no meio da rua com essa pergunta? Você já se fez essa pergunta, que é igualmente simples e complexa? São tantas as camadas possíveis de discussão e tantos os pontos de partida dela, a depender do capital cultural de quem se faz a pergunta, que podemos tratar de assuntos diversos só ao enunciá-la. A mim me chega a tão desejada transformação social do Brasil e do mundo por meio de uma revolução da classe trabalhadora. Para uma pessoa cristã deve chegar algo como um retorno de Jesus, para um cético como ironia. Taí, nessa multiplicidade de leituras, o que tem de mais interessante nesse trabalho, que talvez em outro contexto fosse banal.
A ação consiste basicamente nesses três artistas – Eduardo Bruno, Sarah Escudeiro e Waldírio Castro – vestidos com camisas de mesma cor e placas humanas, caminhando por ruas do centro da cidade entregando panfletos. Nos panfletos e nas placas sobre seus corpos está escrita de forma chamativa a pergunta que não quer calar: “A que horas começa a revolução?”.
Um programa performativo objetivo, que dispara uma ação que se confunde com agentes do cotidiano, afinal, poderiam ser panfleteiros profissionais executando esse programa, assim como Cildo Meireles fez em seu trabalho “Elemento desaparecendo, elemento desaparecido”, onde parte da obra foi a criação da fábrica que ia produzir e distribuir os picolés de água filtrada pelas ruas de Kassel, na Alemanha, em 2002, que no caso contratou trabalhadores fora do universo da arte para executar a obra.
No entanto, para artistas da performance em geral, uma dimensão estética essencial na realização da ação é ter o seu próprio corpo implicado, o que permite uma perspectiva única. A ação é tão importante quanto o próprio conceito do trabalho. Não sei como Cildo apreendeu a recepção do público sobre sua obra, mas tenho certeza que se ele fosse um dos vendedores de picolé com seu carrinho pela cidade ele teria tido uma percepção diferente.
Mas voltemos a ação executada no Ceará, nas cidades de Crato, Sobral e Eusébio. Três cidades bastante diferentes e localizadas em regiões distintas do estado. Me pergunto como o clima, o relevo, a cultura e a política desses locais afetaram a ação. É possível ter uma ideia a partir de como os artistas apreenderam a recepção da obra, que está relatada no fotolivro com o mesmo nome da performance publicado pela plataforma Imaginários. Podemos também acessar um pouco da atmosfera da ação e recepção pelos registros fotográficos que são uma criação a parte, visto que para cada cidade o NUEP convidou um artista do lugar para registrar a ação.
Esse trabalho, que podemos traçar aproximações com obras de artistas como Paulo Bruscky, Flávio de Carvalho, Claudia Paim, Eliana Amorim e Williana Silva, artistas de ontem e de hoje, vale ser visto com olhos despretensiosos e coração flamejante.
*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa