Ceará

Violência

Entrevista | “Eles não me atacam por ser a Lola, eles me atacam por ser uma mulher feminista”

Lola Aronovich falou com o BdF sobre os ataques que vem sofrendo na internet e sobre discurso de ódio contra as mulheres

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

Ouça o áudio:

“Já são mais de doze anos de ameaças e ataques contínuos. Acho que o máximo de tempo que eu fiquei sem ser ameaçada foi umas duas ou três semanas nesses doze anos”, Lola Aronovich - Foto: Arquivo Pessoal

No último dia 6 de março, em matéria publicada pelo Brasil de Fato Ceará, foram divulgados dados levantados pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, que somente no mês de janeiro, quase duas mil mulheres cearenses foram vítimas de algum tipo de violência registrada na Lei Maria da Penha. Mas qual o motivo de tanta violência? Quais os mecanismos usados para combater essas violências? Para falar sobre o tema o Brasil de Fato conversou com Lola Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará e blogueira feminista, que também vendo sendo vítima de diversas ameaças.

Em seu Twitter você afirma que já sofre ameaças de morte há mais de 12 anos. Na sua opinião, qual a justificativa para tanta raiva direcionada a você?

Pois é, já são mais de doze anos de ameaças e ataques contínuos, acho que o máximo de tempo que eu fiquei sem ser ameaçada foi umas duas ou três semanas nesses doze anos, então realmente é bem cansativo.

Olha, a justificativa, por um lado, não é pessoal, sabe?! Eu não levo pelo lado pessoal porque afinal eles nem me conhecem. Eles não me atacam por ser a Lola, eles me atacam por ser uma mulher feminista. Esse é um lado, mas por outro lado é um pouco pessoal também, porque tem vários pontos que fazem eles me odiarem ainda mais, por exemplo, ser gorda e ter um marido. Eles não conseguem entender isso, porque no estereótipo que eles fazem de mulheres gordas, todas as mulheres gordas vão morrer sozinhas porque ninguém vai querer uma mulher gorda. Eles também tem um estereótipo de que todas as feministas são lésbicas. 

Eles me ameaçam faz tanto tempo, já devia ser tempo o suficiente para eles repararem que eu não vou me calar por causa deles, e eu não tenho medo. Então eles deveriam parar, mas infelizmente, eles não param porque eles não têm muito o que fazer da vida, sinceramente.


"É fundamental que quando a gente é ameaçada, assim publicamente, atacada publicamente é muito importante que o apoio também seja público", diz Lola / Reprodução

Nos últimos casos de ameaça sofridos por você, você recebeu diversos apoios na internet. O que representam esses apoios?

Esse apoio é fundamental. Se eu só recebesse ódio, ataques, ameaças na internet eu acho que eu não continuaria por muito tempo, só se eu fosse muito masoquista. Mas o carinho, o apoio, as palavras de incentivo, homens mulheres que realmente dizem que o meu blog foi fundamental para mudar a vida deles, que eles aprendem muito com meu blog, que eles eram pessoas preconceituosas antes de me ler, tudo isso é superimportante para mim. Então eu realmente dependo muito desse apoio. 

É importante também frisar que é fundamental que quando a gente é ameaçada, assim publicamente, atacada publicamente é muito importante que o apoio também seja público, então eu agradeço as mensagens que vem por DM, por exemplo, que vem para o meu e-mail, e são mensagens carinhosas, mas é muito importante que o apoio seja público, que as pessoas saibam que você está sendo apoiada, e não só por pessoas individuais, mas também por entidades, por organizações, várias associações diferentes, isso realmente é fundamental para quem está sendo atacada.

Outra coisa também é que essa visibilidade que a gente tem é uma estratégia de defesa. Então para nós, ativista, essa visibilidade que a gente encontra dando entrevistas, falando sobre os casos é realmente importante para a gente viver, para a gente sobreviver.

A Lei 13.642/18, apelidada de "Lei Lola", atribui à Polícia Federal o dever de investigar crimes de ódio contra mulheres feitas virtualmente. A Lei já está em vigor? Você acredita que já esteja trazendo algum resultado no combate desse tipo de violência?

Para quem não sabe, essa Lei foi um Projeto de Lei da ex-prefeita de Fortaleza e deputada federal, agora no seu segundo mandato, Luizianne Lins, muito querida por todos nós, do PT do Ceará. Eu nem a conhecia na época.

Essa Lei, agora em maio vai fazer cinco anos, já. Ela [Luizianne] acompanhou vários ataques que eu sofri, várias entrevistas e declarações que eu dei antes, eu acho que entre 2016 e 2017, por aí, e ela viu a dificuldade que eu tive em saber onde denunciar os ataques e ameaças que eu sofro. Eu tenho um e-mail bem específico da Polícia Federal dizendo que não ia investigar essas ameaças e ataques contra mim. E aí eu ia na Delegacia da Mulher, por exemplo, e a primeira pergunta que faziam para mim era: “o que que o agressor é seu?”, e eu dizia “não é nada meu. Eu nem conheço pessoalmente”. Então eu ia na Polícia Civil também. Tinham vários outros crimes. O meu primeiro B.O foi em janeiro de 2012, foram dúzias de Boletins de Ocorrência, a Polícia Civil também não sabia o que fazer muito bem. Na época mal sabia o que era um blog. 

Eu realmente não tinha para onde correr, ficava bem difícil denunciar e Luizianne Linz acompanhou isso e decidiu fazer um Projeto de Lei que atribuísse à Polícia Federal a obrigação, digamos, de investigar crimes contra mulheres na internet. Então essa lei foi aprovada em tempo recorde, foram só dois anos, ela foi sancionada em 2018, eu fiquei muito honrada que levou o meu nome Lei Lola, mas assim, vamos voltar e relembrar o que estava acontecendo em 2018, era o Temer, em seguida veio um cara pior ainda, que é o Bolsonaro, então não teve nenhuma vontade política, a meu ver, de realmente implementar essa Lei.

A Lei existe, mas a gente não está vendo grandes efeitos. Agora que a gente voltou a ter um governo de esquerda eu estou muito confiante que a gente consiga realmente fazer a Lei ir para a frente. 

Lola, você integra o grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do governo Lula. Queria que você falasse um pouco da importância desse GT e sobre a sua contribuição para o grupo.

O GT foi uma iniciativa, eu acho, do ministro Silvio Almeida. Eu conheci o ministro pessoalmente faz muito tempo, acho que faz dez anos. Eu tenho grande admiração por ele, desde essa época, desde que eu o conheci. Então quando ele me convidou para esse GT eu fiquei super honrada e aceitei, vamos ver se eu posso colaborar.

A gente tem reunião toda semana, durante seis meses e a intenção é formar um relatório com sugestões e definições também para a gente realmente poder combater o ódio e extremismo no Brasil, que realmente a gente sabe que tem crescido. Então tem vários tópicos que eu acho que posso colaborar, que infelizmente me tornei meio que uma especialista no assunto, não porque eu queira, mas porque as circunstâncias realmente me levaram a isso, que são tópicos como: misoginia na internet, discurso de ódio, extremismo e terrorismo.

Então é um grande desafio, eu acho que não só para mim, mas para todo mundo que participa desse GT, para que a gente possa oferecer soluções concretas, que a gente realmente possa implementar para melhorar o clima que está no Brasil, para impedir que aconteçam novos massacres em escolas e universidades, para que a gente consiga um pouco, impedir essas Fake News que são uma ameaça à democracia.


Dados levantados pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, informam que somente no mês de janeiro, quase duas mil mulheres cearenses foram vítimas de algum tipo de violência registrada na Lei Maria da Penha / Thamy Frisselli

Ultimamente estamos vendo na internet o uso do termo Red Pill. O que são esses Red Pills e quais os riscos que eles trazem para as mulheres?

Esses red pills não são nada de novo, não é um movimento novo. É um movimento internacional, organizado, de misoginia, de grupos que atacam mulheres, grupos que odeiam mulheres. Esse red pill é um termo que a gente chama em inglês de um termo umbrella, um termo guarda-chuva que engloba vários subgrupos. 

A frustração é o que guia esses pobres homens, mas o importante mesmo é que eles são grupos organizados. Não é assim um ou outro, não é um machista genérico, um indivíduo. São grupos organizados que se unem para atacar mulheres, e isso realmente tem um potencial para afetar muito a vida de meninas e mulheres, porque não são mulheres adultas, muito pelo contrário, são principalmente meninas mesmo, menores de idade.

Realmente são grupos que têm potencial de destruir a vida de muita gente, e fora todo o discurso de ódio que eles espalham. Eles odeiam e inventam um monte de mentiras contra feministas, ativistas em geral, mas também contra mães solo, mãe solteira, mulheres gordas, mulheres negras também, ou seja, grupos que já são bem criminalizados na sociedade, eles tentam criminalizar ainda mais.

Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.

Edição: Camila Garcia