Paraná

Fome

“Deixei de comprar comida que faz falta para meus filhos”, diz mãe solo

Mais de 120 milhões de brasileiros estão com algum grau de insegurança alimentar, segundo pesquisa

Curitiba (PR) |
No país, mas de 33 milões de pessoas vivem com fome - Foto: Fabiana Reinholz

Mais da metade da população brasileira está em algum nível de insegurança alimentar. Além disso, de 10 famílias brasileiras, apenas quatro possuem acesso total à alimentação. Esses e outros dados foram revelados pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Segundo a pesquisa, 125,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar, algo que corresponde a 58,7% da população brasileira. Comparando com 2020, houve aumento de 7,2%. Na comparação com 2018, o avanço é de 60%.

Jaqueline Poliane Ferreira, moradora de uma ocupação em Curitiba e mãe solo de quatro filhos, viu a comida ir diminuindo nas refeições da família, além de precisar trocar alimentos por produtos menos saudáveis.

“Fui para a ocupação há dois anos porque antes pagava aluguel e, como mãe solo, fui ficando sem condições. Era o aluguel ou comer. Mas com as dificuldades do país eu fui vendo a comida ir diminuindo em casa. Os preços aumentam sem parar e aí deixei de comprar leite, arroz, azeite, carne e outros alimentos. Tive que trocar comida saudável por coisas mais baratas, substitutos. Deixei de comprar comida que faz falta para as crianças”, conta. 

Jaqueline, que atualmente trabalha como catadora de recicláveis para sustentar a família, espera que os novos governos olhem para o tema da alimentação.

“Acho que se os preços fossem mais acessíveis às famílias de baixa renda, as que ficaram desempregadas, tudo ficaria um pouco melhor. Mas é importante também que pensem em alimentos de qualidade, para que pelo menos as crianças possam ter mais vitaminas e nutrientes. Hoje, aqui em casa, não tem alimento de qualidade mais”, diz.


"Hoje, aqui em casa, não tem alimento de qualidade mais", conta Jaqueline / Arquivo pessoal

Pior cenário já registrado

Pesquisadores e especialistas afirmam que, em relação à fome, vivemos o pior cenário já registrado nas últimas décadas no Brasil. De 2002 a 2013, segundo a ONU, caiu em 82% a população de brasileiros em situação de subalimentação, fazendo com que, em 2014, o Brasil fosse o único país do mundo a sair do mapa da fome.

A ausência ou o desmonte das políticas públicas voltadas para o combate à fome são as principais causas para os atuais números alarmantes. Para a Coordenadora do Programa Iguaçu da Terra de Direitos e doutoranda em direitos humanos, Nayara Bittencourt, no atual governo houve a redução de direitos sociais, entre eles o da alimentação.

“A exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos, que foi extinto, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que não teve reajuste de verbas, mesmo com a inflação altíssima”, destaca. “Obviamente, a pandemia elevou as desigualdades. Mas só isso não explica, pois se tivéssemos políticas estatais de indução econômica e de garantia de direitos sociais, a situação não seria tão grave”, analisa Nayara.

Corte de recursos

Para a assistente social e ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Governo Lula (2010), Márcia Lopes, o Brasil tem capacidade para alimentar toda a população.

“Tem terras produtivas e capacidade de produção de alimentos para todos. Mas o ciclo de produção, o plantar, colher e abastecer precisa de incentivo, apoio governamental e orçamento. E isso não tem acontecido no atual governo, que só cortou recursos”, afirma.

Márcia relembra que nos governos Lula e Dilma, os programas de combate à fome tinham apoio de todos os ministérios. “Criamos uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, estruturamos programas. Eu coordenei o Programa Fome Zero junto a 13 Ministérios que tinham, cada um em sua área, responsabilidades. Por exemplo, garantir boa saúde para as gestantes, auxiliar na agricultura, implementar programas nas escolas etc. Isso fez como que chegássemos a indicadores incríveis”, diz.

O que é preciso fazer

Para Nayara Bittencourt, o combate à fome é emergencial. “É necessário que haja aquisição de alimentos, especialmente de agricultores familiares, que têm que escoar sua produção e garantir renda, com distribuição a instituições sociais e às famílias mais pobres, entre outras medidas”, aponta.

Já para Márcia Lopes, diante do atual cenário eleitoral, é preciso eleger pessoas comprometidas com o combate à fome. “Precisamos eleger bancada nos legislativos de pessoas comprometidas com a vida das pessoas, além de não eleger quem retrocedeu nos programas voltados ao combate à fome”, pontua. 

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini