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Arte segue sendo objeto de ódio dos bolsonaristas, mas não nos calarão

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ARTE. Expressão da humanidade que habita naquele artista e que dialoga com várias outras pessoas, inclusive, com quem se viu incomodado com o corpo nu, de um homem mais velho, gordo, gay e fora dos padrões sociais.
ARTE. Expressão da humanidade que habita naquele artista e que dialoga com várias outras pessoas, inclusive, com quem se viu incomodado com o corpo nu, de um homem mais velho, gordo, gay e fora dos padrões sociais. - Evaristo Sá / AFP
Arte é escolha! De quem faz e de quem consome, sobretudo de quem consome.

O golpe jurídico parlamentar, que retirou Dilma Rousseff da presidência da república lá em 2016, segue reverberando e a arte segue sendo vilipendiada. O Temer, que era muito ruim, mas consegue parecer bem perto da desgraça atual, não nos enganemos, foi quem começou o desmonte da cultura e quem abriu caminho para a ode a ignorância. Afinal, foi ele quem fechou o Ministério da Cultura primeiro, quem fez grandes cortes na educação e em áreas de desenvolvimento sociocultural.

Eles não querem um povo que pense por si, que reflita sobre que Brasil queremos, que se posicione, que se movimente para cobrar por melhorias em suas vidas. Eles querem que sigamos com a cabeça enfiada na terra, sem ver nada.

Foi esse contexto aberto pelo Temer, já alimentado pelo conservadorismo brasileiro e extrapolado ao infinito e além pelo desgoverno atual, que a cancela do ódio foi aberta e que muita gente começou a se sentir no direito de atacar outras pessoas em suas liberdades individuais, a atacar grupos sociais alegando liberdade de expressão e tantos outros absurdos.

Na leva de ataques contra a arte e seus trabalhadores, o Cariri cearense mais uma vez foi palco de ataques bolsonaristas. Um artista de Juazeiro do Norte, estudante do mestrado em Arte na Universidade Regional do Cariri – URCA e professor da educação básica foi alvo do ódio.

Como parte de uma disciplina do seu mestrado, o artista, apresentou uma performance, na qual ele se despia e entregava para o público pequenos cartões com textos que refletiam sobre as violências sofridas por pessoas LGBTs em seu cotidiano. A ação foi realizada dentro dos muros da Universidade, para um público especializado, ou que foi para lá assistir por livre e espontânea vontade. Quem permaneceu no espaço após iniciada a ação, o fez porque quis permanecer, todos maiores de idade e mesmo assim assistindo uma ação, que sim, continha nudez, mas não tinha nada de obsceno, ou inadequado para nenhum público, afinal o corpo só tem um problema, seguir sendo um tabu. Mas lembremos, o corpo é algo natural, que todas e todos temos, cada um com suas diferenças e características.

Até aí tudo bem, a ação ocorreu sem problemas, até que um fragmento gravado num vídeo sem autorização ou orientação do artista, totalmente fora de contexto, foi veiculado nas redes sociais e em uma página de um cara conservador na cidade. O tal que tem algum engajamento, começou a publicizar o vídeo e questionar seus seguidores se aquilo era uma manifestação política ou libertinagem, causando furor nas redes e tencionando o ódio e a violência contra o artista.

É importante que se afirme, a performance em questão não era nem manifestação política nem libertinagem, era e é ARTE. Expressão da humanidade que habita naquele artista e que dialoga com várias outras pessoas, inclusive, com quem se viu incomodado com o corpo nu, de um homem mais velho, gordo, gay e fora dos padrões sociais. Afinal, arte não é apenas para agradar, ou ser bonita, ou fofa. Vale ainda ressaltar que tudo é também política, fruto das ideologias, seja a arte, a religião, as relações sociais, a lei…

A proporção da perseguição contra o artista e seu trabalho, contra o debate que ele ali fazia, a violência com que as pessoas comentavam nas postagens desse influencer conservador, e em outras postagens conservadoras da região, foi tão grande que esse trecho do vídeo foi parar num dos piores e mais cruéis e inúteis programas policialescos da TV brasileira, o Alerta Nacional. O Programa, não só, seguiu fortalecendo a cadeia de violência contra o artista e expondo sua privacidade, mas distorceu ainda mais a performance, aproveitando a deixa para bater na Universidade, que achou por bem não se posicionar no Programa.

Gente, eu entendo que a missão de alguns é arrumar assunto para destilar ódio, entendo que existem algumas almas pequenas que vivem disso, que vão atrás do que supostamente não gostam (Freud explica!) para poder falar mal e divulgar para outras pessoas, que também supostamente não gostam daquilo para também virem falar mal. E se liguem, eu entender não quer dizer que isso é correto, que concorde ou algo do tipo. Na verdade, compreendo que se não forem essas atitudes mesquinhas na vida de alguns, não sobra nada além de vazio e quase ninguém sabe lidar com seus vazios. Basta ver os números a cerca das doenças psicológicas, consumo de remédios na área e afins.

Mas gente, precisamos chegar num entendimento comum. Arte é escolha! De quem faz e de quem consome, sobretudo de quem consome. Se eu lanço um espetáculo, mas ninguém vai ao teatro assistir ele sai de cartaz. Se eu lanço uma música e ninguém coloca ela pra tocar, ela se perde no nada. Mesmo a Monalisa, talvez a pintura mais conhecida no mundo, quando o Louvre fecha, perde total a função de existir, pois arte gente, só existe na relação entre artista e público, mediada pela obra. Se ninguém consome a obra, ela simplesmente passa a não existir. Parem de ficar consumindo o que vocês não gostam para destilar o ódio de vocês, para declarar ao mundo que lhes falta amor ou alguma outra coisa. Se for para ver algo novo, que seja para tirar vocês do lugar que ocupam no mundo hoje e repensar suas atitudes nesse mundo. Se não for para isso gente, se poupem e nos poupem.
 

Edição: Camila Garcia