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Defeso eleitoral, arte e cultura do pão e circo

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"CPI do Sertanejo" foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais; cantor Gusttavo Lima recebe cachê milionário de cidades pequenas - Reprodução/Redes sociais
O que faz um prefeito gastar 200 mil do orçamento de uma cidade que não tem nem 30 mil pessoas?

Quando eu era adolescente em meados dos anos 2000 era comum nessa época do ano a gente estar se organizando para ir aos showmícios que rolavam de candidatura x ou y. Era uma prática comum e permitida na Lei.

Em um dado momento essa forma de fazer campanha, onde um candidato a governador, por exemplo, pedia seu voto e depois chamava Aviões do Forró para cima do palco, foi proibida e já fazem alguns anos. Não importa muito o quando, mas o que levou à proibição.

Essa prática que era generalizada nas campanhas usava de um mecanismo de convencimento a partir de mensagens indiretas. Explico, o candidato H sobe no palco fala por 15 minutos, ou meia hora sobre seu programa de governo e pede o voto do público que na prática foi ali para ver o Volume 5 do Aviões, que estava no auge. Durante a fala, as pessoas podiam até não prestar tanta atenção no que H dizia, mas associaram positivamente a imagem dele com a da banda. Ou seja, se o cara é candidato e já trouxe a banda tal ou qual, avalie quando for o governador; é um pouco a lógica que se instalava na época. 

Isso me lembra duas coisas, a expressão pão e circo, mas também a recém "descoberta" dos shows de artistas de massa superfaturados e/ou milionários realizados, inclusive, por pequenas prefeituras.
Pão e circo é uma expressão antiga, que remete a uma leitura de que o Estado dá a comida e a diversão para docilizar os corpos, ao invés colaborar para a autonomia do indivíduo num contexto social de colaboração. Se criticava os programas do Chacrinha e do Silvio Santos como produtos televisivos rivais que colaboravam para o mesmo fim, alimentar o ufanismo brasileiro e ser o circo da ditadura, para que as pessoas não pensassem em derrubá-la.

Recentemente vimos outra situação que também pode ser reconhecida dentro desse universo. Circulou na mídia comercial que em muitas prefeituras nos interiores do Brasil foram realizados shows de artistas de massa a valores estratosféricos. O que faz um prefeito gastar 150 mil, 200 mil do orçamento de uma prefeitura que não tem nem 30 mil habitantes? Algumas das que circularam na imprensa eram bem menores que isso. 

Me parece que o objetivo dessas prefeituras é menos o de fornecer acesso democrático à cultura e mais associar sua imagem positivamente ao desse, ou daquele artista. Essa lógica é mais próxima do pão e circo, que agora é basicamente só circo.

Vale dizer que não tenho problema com sertanejo, ou qualquer outro estilo musical, ou que eu tenha problema com artistas de massa. Mas fico meio pasmo com a gente achar normal uma banda, que agora são empresas, digam-se de passagem, ganhar 200, 500 ou 800 mil num único show, enquanto artista até famosos, mas não massivos, ganham abaixo dos 100 mil. Pior ainda os cantores e bandas desconhecidas, os ninguéns de nossas cidades que ganham cachês de 3 mil reais para dividir entre 5 ou 6 pessoas. O que justifica essa lógica tão cruel e hierárquica?

Então, fica a missão para nós trabalhadores da cultura e população em geral, ficar de olho e exigir melhores condições para quem vive da arte. Além de desmentir as calúnias desses artistas do capital que embolsam fortunas do dinheiro público de pequenas cidades enquanto criticam a Lei Rouanet, acessada por esses outros artistas que não são massivos, como se nós estivéssemos sugando o dinheiro público. Lembrem, que a Rouanet é isenção fiscal, mas de um percentual bem pequeno do que é devido da empresa, além de que essa política foi criada para estimular a arrecadação, pois a empresa garante seu marketing com dinheiro que iria apenas para imposto e dessa forma o Estado fortalece a economia criativa.

Mas e o defeso eleitoral? Então, quem não sabe, nessa época de eleição os meios de comunicação do poder público que estão em disputa ficam proibidos de fazer divulgação, para entre outras coisas evitar propaganda indevida, e nisso entram também as redes da Secult e dos seus equipamentos, o que dificulta sobremaneira a divulgação das ações que seguem ocorrendo normalmente.

*Trabalhador da cultura e militante social.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Camila Garcia