Coluna

Cajamar e a face oculta da modernidade digital

Cidade de Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, ganhou, recentemente, destaque na mídia como um importante hub logístico da região sudeste do país - Divulgação
As dezenas de galpões implantados já geraram enormes impactos socioambientais

Alexandre Yassu*

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A cidade de Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, ganhou, recentemente, destaque na mídia como um importante hub logístico da região sudeste do país. O motivo deste destaque seria a profusão de galpões logísticos que se instalaram na cidade na última década.

Estes novos galpões são operados, principalmente, por grandes varejistas digitais, o e-commerce. Um sinal de “modernidade”, símbolo do novo mundo digital, a “Faria Lima dos Galpões”. Entretanto, em nosso entendimento Cajamar expressaria o contrário.

A cidade é a face oculta do mundo digital, suas bases materiais de funcionamento que explicitam seus impactos socioambientais, indo na contramão de um discurso de uma economia de carbono zero e suposta fluidez digital, imaterial.

Ao lado da financeirização, da neoliberalização e do neo-extrativismo, a logística tem sido apontada como uma das grandes expressões do capitalismo contemporâneo. Com a explosão da fábrica ao longo de cadeias produtivas globais proporcionada pelas finanças, pelas tecnologias da informação e pelo avanço nos transportes, a logística seria uma forma de poder para reestabelecer o controle e a unidade da produção e circulação de mercadorias com objetivo de acelerar os ciclos de acumulação e ampliar as formas extração de valor.

O galpão logístico é a manifestação deste poder, que se expressa como infraestrutura, como ativo imobiliário e como forma de controle do trabalho do varejo e do próprio setor logístico.

Pelo nível de concentração de capital no setor de e-commerce, estes galpões têm dimensões faraônicas com cerca de 100 mil metros quadrados construídos, fora suas áreas de apoio externas. Portanto, é uma enorme demanda por terra, que acabam por estabelecer territórios logísticos.

Cajamar como hub logístico é sacrificada como cidade. As dezenas de galpões implantados já geraram enormes impactos socioambientais, ao avançar sobre córregos, sobre áreas de proteção, remover famílias de suas casas, criar intransponíveis barreias urbanas, fazendo da pequena cidade de Cajamar um arquipélago de fragmentos de urbanização precária, empreendimentos imobiliários residenciais e logísticos e a antiga cidade.

A escolha de um desenvolvimento urbano focado em investimentos no setor imobiliário logístico, consolida um anti-direito à cidade, pois bloqueia o uso e o acesso a cidade e aos bens comuns, impede o encontro, cria guetos e promove novas formas de espoliação urbana, pela valorização da terra, pela remoção e pela apropriação dos recursos e bens públicos em nome da “Faria Lima dos galpões”, a moderna cidade logística.

 

*Alexandre Yassu é arquiteto e urbanista, doutorando em Gestão Territorial pela Universidade Federal do ABC (PGT-UFABC) e pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro do Observatório das Metrópoles.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

***Há mais de 20 anos o INCT Observatório das Metrópoles vem trabalhando sobre os desafios metropolitanos colocados ao desenvolvimento nacional através da sua rede de pesquisa, organizada em 16 núcleos regionais. No contexto da atual crise econômica, social e sanitária, suas respectivas consequências presentes e futuras podem ser elementos mobilizadores para a construção de uma contra narrativa progressista e redistributiva para o país. Esta coluna se relaciona com os esforços atuais da nossa rede de reflexão e incidência sobre o tema, a partir do projeto "Reforma Urbana e Direito à Cidade nas Metrópoles". Leia outros artigos aqui

 

Edição: Vivian Virissimo