Ceará

Precarização

Estudantes de jornalismo investigam os desafios do trabalho informal pós reforma e pandemia

O Brasil de Fato abre espaço para podcast 'Retratos Informais' sobre a realidade de 38 milhões de pessoas no país

Juazeiro do Norte, CE |

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trabalho informal
Maria de Jesus Timóteo é agricultora, mas com a seca de 2015, para sobreviver, passou a vender almoço e caldo no mercado popular de Cedro, em Pernambuco. - Foto: Divulgação/ Jornalismo UFCA

“Quando eu saí da Iporã, ficou difícil arranjar um emprego. Eu já tinha 40 anos. Tentei na Grendene, não consegui. Fui trabalhar numa fábrica de vassoura, pedi para assinar minha carteira, mas não assinaram”, relata Vicente de Menezes Siebra, 63. Hoje, ele trabalha consertando sapatos na cidade do Crato-CE, pois teve dificuldade de conseguir um emprego formal.

Vicente faz parte dos 38 milhões de brasileiros sem vínculo formal de trabalho. De acordo com o IBGE, 44% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade. A precarização do mercado de trabalho piorou muito depois da última reforma trabalhista realizada em 2017, quando da gestão do então presidente Michel Temer (MDB). Decorridos cinco anos da sua realização, a supressão dos direitos, não aumentou o número de empregos formais, como prometia seus defensores. Pelo contrário, infelizmente o número de pessoas no trabalho informal só cresceu de lá para cá. 

Com a pandemia do Coronavírus, a situação das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros que não andava boa, se agravou. Isso porque houve um aumento generalizado do desemprego e, consequentemente, de pessoas inseridas na informalidade. Segundo o IBGE, em 2022, 5,5% da população brasileira está desempregada ou procurando trabalho. Isso representa mais ou menos 11 milhões de habitantes.


Vicente de Menezes Siebra, 63 anos, trabalha consertando sapatos na cidade do Crato-CE. / Foto: Divulgação/ Jornalismo UFCA

No caso de Vicente, a idade é um fator que dificulta sua inserção no trabalho formal. Para muitos idosos, além da idade, há também a exclusão digital. Maria de Jesus Timóteo, por exemplo, tem 72 anos e não sabe usar pix. Ela é agricultora, mas com a seca de 2015, para sobreviver, passou a vender almoço e caldo no mercado popular de Cedro, em Pernambuco.

Para os mais jovens, as tecnologias sociais não parecem ser uma dificuldade. No entanto, aqueles que transformaram suas redes sociais em trabalho, muitas vezes parecem ter uma rotina exaustiva. Rebeca Abreu, 18, trabalha como auxiliar administrativa durante o dia em Fortaleza. Ela ainda mantém, informalmente, uma loja virtual de mandalas. Como não tem condições de ter uma loja física, as redes sociais foram a solução para divulgar seus produtos. Rebeca faz tudo sozinha: elabora os produtos, divulga na internet, atende o cliente e faz a entrega. À noite, ela faz faculdade de direito, onde vende lanches para professores e colegas. Aos finais de semana, não tem descanso! Ainda canta em bares ou eventos.

Retratos Informais

Histórias como a de Vicente, Rebeca, Maria de Jesus e outros trabalhadores informais foram contadas no podcast “Retratos Informais”. O produto, coordenado pelo professor Tiago Coutinho, foi o resultado final da turma de Introdução às práticas em Jornalismo, do segundo semestre do curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Cariri (UFCA).

O material reúne realidades diversas, desde idosos que não dominam as tecnologias a jovens superexplorados. O podcast ainda ressalta a desvalorização do salário mínimo, que obriga muitos trabalhadores a buscarem, na informalidade, uma renda complementar.

A partir desta problemática, os estudantes foram responsáveis pelo processo criativo, fizeram apuração e produção do material, acompanhados pelo professor. “Por ter sido meu primeiro contato com radiojornalismo, confesso que fiquei um pouco insegura, só depois que eu fui falando, fui me soltando. Foi uma experiência muito boa que quero repetir mais vezes”, afirma, Gyselle Soares, uma das estudantes participantes.

Da mesma forma, Ana Clara Lobo diz que sentiu muita pressão, porque queria fazer bem feito. “Foi uma oportunidade incrível”, afirma. Diferente de suas colegas, Ana Carolina Brandão tinha confiança. “Como eu já estudei produção de áudio e vídeo e já gravei uma rádio novela, estava familiarizada com essa linguagem da comunicação”, comenta.

O material foi editado por Paulo Vitor Silva, técnico de rádio da Universidade Federal do Cariri. Apaixonado por edição, ele relatou se identificar com as personagens do programa. Hoje, por vivenciar a precarização do serviço público, ele concilia seu trabalho com apresentações musicais e serviços de marketing. “Achei legal a curiosidade do grupo sobre o processo de captação e edição de áudio. Também foi a primeira vez deles com locução e em ouvir a própria voz gravada”, comenta. 

A turma possuí 25 estudantes matriculados. Todos contribuíram para o resultado final. “Isso foi muito rico. Um trabalho coletivo, com tantas pessoas, e conseguir um produto legal no resultado final”, comemora Tiago Coutinho, docente do curso há 12 anos. “Foi uma ótima experiência. Experimentar o rádio com a turma foi profissionalmente enriquecedor (...)”, comenta. Ele revela já ter planos de transformar o “Retratos Informais” num projeto de extensão. 


Estudantes de Jornalismo da UFCA praticando o olhar popular sobre o Brasil e o Mundo. / Foto: Divulgação/ Jornalismo UFCA

Participaram do podcast: Mariana Neri, Angélica Andrade, Nathalie Fernandes, Laury Pereira, Victor Rodrigues, Amanda Braga, Jamille Pinheiro, David Braga, Gabriel Silva, Gyselle Soares, Vanessa Cosmo, Lívia Leandro, Luana Juca, Nara Lícia, Kaylane Xavier, Clara Freitas, Kaylane Oliveira, Carol Brandão, Cibele Morais, Wellington Vieira, Ana Clara Lobo, Anna Crystina, Beatriz Silva, Gabriele Batista e Jesiane Santos. Técnica e Edição: Paulo Victor Silva.

*Estudantes do Curso de Jornalismo da UFCA

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Edição: Camila Garcia