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Quando os sem-terra ocupam latifúndios, fica mais difícil ignorar a injustiça social e agrária

Ocupação de terra desmascara a lei e rompe com a resignação cultural imposta secularmente pelo sistema do grande capital

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Quando uma coletividade de camponeses sem-terra ocupa os latifúndios fica muito mais difícil a sociedade ignorar a injustiça social e agrária - Foto: Coletivo de Comunicação do MST

A nossa pesquisa de doutorado sobre a luta pela terra como pedagogia de emancipação humana nos habilita a dizer: do latifúndio foi gerado o agronegócio, sistema econômico do empresariado açambarcando também o campo, expropriando a terra do campesinato e explorando à exaustão os bens naturais – a terra, as águas, o ar –, intensificando, assim, a opressão perpetrada pela estrutura latifundiária há séculos.

Outro traço emancipatório na atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outros movimentos da luta camponesa diz respeito à busca constante para construir e manter sempre a unidade legítima do campesinato e da classe trabalhadora na luta por justiça agrária e por todos os direitos sociais. Desde a criação da CPT e do MST, permanece uma seiva emancipatória no exercício permanente da solidariedade de classe entre Sem Terra e sem-terra, dentro do possível, com todos os injustiçados pelo capital.

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Há algo de emancipatório também em uma das características da história do Brasil, que é a história de um campesinato progressivamente insubmisso, rebelde, resistente, que exige do Estado a realização de uma reforma agrária, que agora precisa ser popular.

É o que nos afirma José de Souza Martins, renomado sociólogo e pesquisador da questão agrária em nosso país: “a história do Brasil é a história de um campesinato progressivamente insubmisso – primeiramente, contra a dominação pessoal de fazendeiros e ‘coronéis’; depois, contra a expropriação territorial efetuada por grandes proprietários, grileiros e empresários; e já agora, também contra a exploração econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista. Particularmente a partir dos anos 50, camponeses de várias regiões do país começaram a manifestar uma vontade política própria, rebelando-se de vários modos contra seus opressores, quebrando velhas cadeias, levando proprietários de terras aos tribunais, organizando-se em ligas e sindicatos; exigindo do Estado uma política de reforma agrária; resistindo de vários modos a expulsões e despejos; erguendo barreiras e fechando estradas para obter melhores preços para seus produtos”.

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Luta que desencadeia processos emancipatórios

Da perspectiva pedagógica emancipatória, as ocupações de terra, como forma de luta pela terra que incomoda o Estado e os grandes proprietários de terra, é o que mais desencadeia processos emancipatórios na formação do sujeito Sem Terra, por vários motivos. Primeiro, porque rompe com a ideologia dominante, que diz que o caminho para se adquirir terra é por meio do trabalho e da compra.

Segundo, porque rompe com a resignação cultural imposta secularmente pelo sistema do grande capital. Terceiro, porque tem fôlego para, ao ser tornar massiva, subverter a estrutura latifundiária.

Nesse sentido, argumenta Rosely Caldart: “do ponto de vista pedagógico, a ocupação de terras é talvez a mais rica em significados socioculturais que formam o sujeito Sem Terra e projetam mudanças lentas e profundas no modo das pessoas se posicionarem diante da realidade, do mundo. Ao provocar uma ruptura fundamental com determinados padrões culturais hegemônicos, prepara o terreno para os aprendizados desdobrados das demais vivências. Talvez por isso seja também a forma de luta mais polêmica e a mais combatida pelos que defendem o atual estado de coisas”.

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A luta pela terra, tendo como matriz básica organizativa a ocupação de latifúndios que não cumprem a função social, pode ser pedagogia de emancipação humana, porque desencadeia diversas transformações nos seus sujeitos no sentido de ser pessoa humana, não opressora.

Entre essas mudanças, a ocupação de terra efetiva na prática uma espécie de segundo batismo para as pessoas que dela participa. Se no batismo e/ou ao fazer uma certidão de nascimento, a pessoa recebe um nome, a partir da ocupação de terra a pessoa passa a ter um segundo nome: sem-terra, que muitas vezes ganha ascendência sobre o nome próprio recebido no batismo.

Sobrenome sem-terra

Mais do que João, Maria ou ..., um ocupante de terra passa a ser reconhecido como sem-terra. Assim, cada sem-terra se torna um pouco a bandeira da luta pela terra circulando na sociedade para alegria dos oprimidos e ódio dos capitalistas.

Outra dimensão emancipatória está no fato de a luta pela terra ser feita de forma coletiva, o que rompe com o individualismo disseminado no tecido social pela ideologia dominante para reproduzir constantemente as relações do capital, pois, quanto mais individualismo houver, mais alguns – mas detentores de poder econômico e político – dominarão a maioria do povo, seja trabalhador na cidade ou camponês no campo.

Uma ocupação de terra, se feita de forma individual, imediatamente é tratada como esbulho e turbação da posse e da propriedade de outro. Entretanto, com o apoio da CPT e do MST, quando uma coletividade de camponeses sem-terra ocupa os latifúndios fica muito mais difícil a sociedade ignorar a injustiça social e agrária, que a ação coletiva de ocupar denuncia.

Nas palavras de Rosely Caldart, como se trata de uma reação coletiva, organizada, exige que a sociedade tome uma posição. Nessa mesma linha, assevera Stédile sobre ocupação de terra: “é uma forma de luta contundente, não deixa ninguém ficar em cima do muro, obriga todos os setores da sociedade a dizerem se são a favor ou contra. Ela desmascara a lei. Se não ocuparmos, não provamos que a lei está do nosso lado. É por essa razão que só houve desapropriações quando houve ocupação. É só comparar. Onde não tem o MST, não tem desapropriação. Onde o movimento é mais fraco, menor é o número de desapropriações, de famílias beneficiadas. Não há, enfim, oportunidade para escamotear o problema social”.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa