Ceará

Ataque a democracia

Comunidade acadêmica denuncia censura contra a Rádio Universitária da UFC

Programa Rádio Livre sai do ar com apresentador e diretor da rádio afastado por não aceitar censura na programação

Fortaleza, CE |
FM universitária
Sede da FM Universitária que há 40 anos se dedica a difusão da democracia, cultura e cidadania em Fortaleza - Divulgação/ Universitária FM

Há 26 anos no ar, o Programa Rádio Livre acaba de deixar a programação da Rádio Universitária FM, em Fortaleza. O cancelamento aconteceu após o apresentador e diretor da rádio, o professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Nonato Lima, ser afastado do cargo. Segundo ele, o fato se deu porque não acatou as tentativas de censura à programação. De acordo com o docente, esta não foi a primeira vez que a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), ligada à UFC e mantenedora da rádio, tentou impor restrições à liberdade do veículo.

Nonato conta que o presidente da Fundação já havia tentado proibir a realização de análises políticas e a execução de músicas de matriz africana. Restrições estas que não foram admitidas pelo diretor: “No final do ano passado houve uma mudança na direção da Fundação. Assumiu o então vice, que é hoje o presidente, o professor Paulo Aragão. No primeiro encontro que nós tivemos, ainda no final do ano passado, ele fez uma série de observações sobre o meu programa Rádio Livre, que está no ar há 26 anos, e sobre a programação da Rádio. O que no meu modo de ver caracterizava censura”, pontua.

O Professor e radialista relata que a Fundação voltou a fazer recomendações mais severas as quais ele novamente se negou a cumprir: “agora, meses depois, a mais ou menos uns trinta dias, ele retomou a história, inclusive com um discurso de uma violência verbal que não merece nem ser mencionada, impondo a censura claramente. [Disse] que o programa rádio livre deveria ou se enquadrar no que ele pensa que é o jornalismo, ou sair do ar, que os programas de debate que a gente tem não poderiam ser da forma que são. Chegou ao ponto de sugerir a interferência da própria Fundação na produção direta do programa, o que eu contestei imediatamente, mais uma vez retomou as críticas e a tentativa de censura a programação musical”.

Confira VT da matéria

Nonato conta ainda que se negou prontamente a compactuar com quaisquer das imposições feitas nesse viés à programação da rádio: “eu não dirigiria a rádio a finalidade política de impor a censura. Além de ser detestável e antidemocrático é também inconstitucional. Não se faz democracia com censura. Claro ficou um mal estar e ele então ameaçou abrir um processo ainda no âmbito do Conselho Curador da Fundação, supostamente por alguma ilicitude que eu estaria cometendo ao cumprir essa linha de programação que é a linha da rádio há 40 anos. Então eu disse que ele abrisse os processos que achasse que deveria, mas ele estaria abrindo processo para denunciar ilicitudes que não ocorrem, ou ocorreram e que não iam ocorrer”.

O presidente da Fundação teria levado a questão ao reitor da Universidade: “Diante da tentativa de intimidação, ou de imposição dessa programação censurada e identificada com as práticas atuais da política brasileira que está no poder, ele partiu para me tirar da direção da emissora. Foi ao reitor da UFC e pediu a minha exoneração do posto, porque é o reitor que nomeia o diretor da rádio. Ontem [16/05] à tarde eu fui a uma reunião com o reitor para ele formalizar o que eu já sabia, que ia ser afastado da direção da rádio”, narrou Nonato Lima.

Nesta quarta-feira (18/06), após reunião com o reitor que oficializou o afastamento do Professor de suas funções na rádio, Nonato Lima recebeu a solidariedade de estudantes, docentes e servidores, como da também professora Kamila Fernandes, que reforça como tem sido difícil para toda a comunidade acadêmica acompanhar situações como esta: “Assistir algo assim, uma intervenção mais direta num equipamento tão importante como é a Rádio Universitária, esse espaço que sempre resguardou a liberdade de expressão, a defesa das minorias, a defesa dos direitos humanos, da pluralidade, tudo isso levando em conta absurdamente a ética jornalística, assistir isso agora é uma situação muito difícil. Essa tentativa de intervenção para impedir um jornalismo crítico e trazer elementos negacionistas, inclusive anti-ciência, é um absurdo pensar isso num ambiente universitário”, desabafa.

A docente ressalta ainda o importante trabalho que há anos vinha sendo desenvolvido na rádio: “O professor Nonato Lima trabalhou muitos e muitos anos na rádio. Tinha um programa super tradicional e crítico em relação à política que está sendo implementada no país e resistiu, resistiu enquanto pode. Nós estamos ao lado dele, solidários, e ficaremos alertas ainda para preservar esse patrimônio nosso que é a Rádio Universitária, que não pertence a uma gestão da Reitoria, pertence à comunidade, à sociedade”.

O Curso de Jornalismo e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Ceará (UFC), assim como, o Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) publicaram uma nota de repúdio à tentativa de censura contra a rádio universitária, como enfatiza o Presidente do Sindjorce, Rafael Mesquita: “o radialismo da Universidade Federal do Ceará foi atacado por mecanismos de censura, por um conjunto de pessoas que esqueceram qual é o papel do poder público, esqueceram qual é o papel das instituições públicas. Eles esqueceram qual é o papel da universidade pública e o compromisso que uma instituição como a UFC tem com os desígnios éticos e profissionais não só do jornalismo, como do radialismo. Então nós deixamos aqui o nosso repúdio a essa situação”.

Há outros relatos de censura e intervenção na UFC

Denúncias de perseguição e censura tem se acumulado dentro de UFC desde que o professor Cândido Albuquerque, assumiu a Reitoria em 2019.  Mesmo com apenas 5% dos votos e ficando em último lugar na consulta a comunidade acadêmica, o presidente Jair Bolsonaro (PL) o nomeou para o cargo. 

A Secretária-Geral do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), Helena Martins, contou a nossa reportagem sobre o clima de perseguição no ambiente acadêmico: “Nós da ADUFC temos recebido reiteradas vezes uma série de denúncias de professores e professoras por conta dessa situação. Professora que teve, por um motivo de uma crítica em uma rede social, um processo aberto contra ela. Também professores que são diretores de unidades da UFC e que por manifestarem críticos à condução do hoje reitor, Cândido Albuquerque, tiveram suas notas reduzidas em avaliações internas. São várias situações que vêm mostrando que essa lógica de perseguição, de não convívio com o contraditório, ter uma prática realmente de sufocar as vozes dissonantes, infelizmente marca hoje o cotidiano da instituição”.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Reitoria da UFC. Por meio da assessoria de comunicação, foi informado que não irá se pronunciar sobre o cancelamento do Programa Rádio Livre. Em relação às outras denúncias de perseguição, afirmou que precisaria saber exatamente quais seriam os casos para emitir um posicionamento oficial. Até o fechamento da matéria, não tivemos retorno da Fundação de Cultura Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), também ligada a UFC.

Leias as notas de apoio ao professor Nonato Lima

- Nota de repúdio contra tentativa de censura à Rádio Universitária

- ADUFC manifesta solidariedade ao professor Nonato Lima e reitera defesa da comunicação pública

- Em Defesa das Liberdades Democráticas na Rádio Universitária (UFC)

- Nota de apoio a Nonato Lima e contra a censura na Universidade Federal do Ceará

 

Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.

Edição: Camila Garcia