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Coluna

“El diablo sabe por diablo, Pero más sabe por viejo”

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"Respeito e coerência. Condições básicas para uma vida justificada em sua trajetória e nas memórias que possa deixar. Este é o teste de vida a que todos estamos sujeitos" - Imagem: Carlos De La Torre
Mudaram os conceitos e o que vale para o centro de governo não se aplica ao resto do país

A experiência. Aquela ideia que nos passou Jose Hernandez na saga de Martin Fierro, talvez se resuma na frase “El diablo sabe por diablo / Pero más sabe por viejo”.

Este não é apenas um dos conceitos fortes que sustentam o imaginário cultural dos gaúchos e de boa parte dos povos da América Latina. Ele condensa a noção de que uma vida se justifica, ao final, sempre que o vivente se percebe orgulhoso pela coerência com que contribuiu, em erros e acertos, para o mundo a sua volta.

O fato é que, talvez por isso, senão por amor, ao menos por tradição, respeitamos os idosos. Gostamos de escutar suas histórias e damos valor àquelas pessoas que deixam rastros de sua passagem por aqui. E nos agrada repetir, para os jovens, como mantras, suas frases. Ditados populares que refletem ações concretas ou imaginárias daqueles que já se foram, ou nem existiram, mas orientam nossas vidas.

Por isso nos incomoda a convivência com pessoas que se destacam como exemplos do oposto. Nos incomoda estar com gente que não se constrange em abocanhar qualquer oportunidade de levar vantagem, doa a quem doer. 

Me refiro aqui àqueles que seguem no caminho oposto à ideia de honra, que justifica uma vida por sua conexão com a vida dos demais. Me refiro àqueles que batiam no peito e gritando Mito, Sartonaro, Bolsoleite, viva a cloroquina e coisas do gênero.

Me refiro aos maus exemplos. Aquele tipo de gente que se multiplicou entre nós porque abandonamos as lições e as referências do passado. Os entreguistas, os vendilhões da pátria, os que não estão nem aí para seus irmãos.

Aqueles que não respeitam sequer a lei primeira.

“que los hermanos sean unidos porque ésa es la ley primera,

tengan unión verdadera, en cualquier tiempo que sea,

porque si entre ellos se pelean los devoran los de ajuera". 

Respeito. Algo que não se vende e não se compra, e só se dá a quem merece, como a cuia de mate cevado das rodas de chimarrão.

Respeito, condição básica para a estruturação generosa das famílias ampliadas em que se formam nossos filhos e netos.

Respeito e coerência. Condições básicas para uma vida justificada em sua trajetória e nas memórias que possa deixar. Este é o teste de vida a que todos estamos sujeitos.

Pois é nesta perspectiva, e considerando o que se vê no Brasil pós golpe de 2016, que cabe perguntar: O que está acontecendo conosco?

Onde estão os exemplos de sabedoria, ética, honra e solidariedade a serem minimamente respeitados e seguidos, nas ações daqueles que nos representam por escolha e voto democrático?

O que percebemos, olhando ainda que de leve para ações daqueles golpistas tão bem-sucedidos desde as eleições de 2018?

Eles ocuparam, com discursos e promessas de seriedade, não apenas a Presidência da República como vários governos estaduais e municipais, cadeiras no Senado, na Câmara federal e nas assembleias. Muito bem. Mas e então? O que fizeram? O que têm para mostrar, como justificativa para suas trajetórias de vida?

Algum estado, alguma cidade? Algum clube? Algum condomínio? Onde estarão escondidos seus exemplos de proficiência, honestidade, sabedoria e respeito aos mais básicos direitos humanos? Onde estão suas amostras a respeito do que deva ser feito, em termos de cuidados para com velhos, crianças, desvalidos, florestas, rios, animais, arte, música, ciência e tecnologias?

O que têm a apresentar em termos de ações em favor da alimentação, da educação, da saúde, da segurança, das ocupações produtivas, da cultura e da autoestima dos povos que habitam este vasto território?

Nada? Como assim, nada? Nada mesmo? Em nenhum ministério?

Não. Nos ministérios abundam tão somente exemplos de canalhice, incompetência e discursos hipócritas tratando de transferir os resultados de sua irresponsabilidade para a Rússia, o vírus, o mosquito, e o escasso interesse do povo em comprar armas.

Cortinas de fumaça e ameaças de golpe para ocultar os escândalos na saúde, na educação, no turismo, na agricultura, no Desenvolvimento Regional, no meio ambiente e até mesmo nas Forças Armadas.

Aliás, convenhamos, até eles devem ficar envergonhados quando a ministra Tereza Cristina afirma que o presidente trabalha demais, e graças a isso acabou a corrupção neste país.

Tudo bem. Mudaram os conceitos e o que vale para o centro de governo não se aplica ao resto do país. Ok. É hora de desistirmos de buscar algo positivo nos indicadores que de lá emanam. Basta de expectativas para elementos de realidade nos anúncios oficiais de combate a corrupção e outros discursos federais.

Mas e nos outros espaços ocupados por bolsonaristas? Nos municípios, clubes, condomínios, câmaras de vereadores, clubes de tiro? Não haveria sequer um exemplo de ações de mérito, a ser revelada para a nação? Algo que resista a um mínimo de avaliação? Nada a ser mostrado?

Nadica de nada?

O que devemos entender deste fato? Significa que para eles a regra de conduta avança no rumo oposto ao da honra?

Aquela ideia de vidas que se justificam ao olhar para trás, com orgulho, pode agora depender, ao menos para eles, de saber usar a mão grande, a vista grossa e os orçamentos paralelos?  

E sendo assim, seus milhões de eleitores e apoiadores concordam com isso?

Com certeza, estão sendo enganados. E assim, por coerência, por respeito a si mesmos, não vão mais bancar os bobos em favor de quem ofende e prejudica seus filhos e netos. Acredito que até outubro a maior parte deles estará conosco, votando 13, dando de mão no cipó de aroeira e agindo de acordo com o que isso significa.

 

:: Ouça esta coluna em áudio no site do Coletivo Catarse ::

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko