Ceará

Degradação ambiental

Comunidades camponesas denunciam violações de direitos humanos na Chapada do Apodi

Agronegócio de soja e algodão transgênicos deixam comunidades ilhadas e com veneno na porta de casa

Fortaleza, CE |
Só na Chapada do Apodi, especula-se que a Santana Textiles já controla cerca de 24 mil hectares voltados para o plantio de algodão transgênico. - Foto: Tatiana Fortes / SEDET

“Aqui, na porta da minha cozinha, eu recebi foi a catinga do veneno. Eu estava aqui e falei assim: ô catinga. E o meu filho falou assim: mãe é o veneno, o vento traz”. Dona Eliete Alves Pereira da Silva não é a única, que diariamente tem que conviver com o cheiro do agrotóxico na porta de casa. 
O veneno vem sendo utilizado nas plantações de algodão e soja, produzido em larga escala na Chapada do Apodi, desde que grandes empresas do segmento começaram a expandir suas áreas de cultivo na região. 

Um crescimento que se intensificou a partir de 2020 e segue avançando, trazendo grandes impactos socioambientais para as famílias camponesas que residem há mais de cinco décadas na Chapada. É o que explica Anjerliana de Souza, Coordenadora Colegiada da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte: “essas comunidades estão literalmente ameaçadas pelo avanço do agronegócio nessa região da Chapada do Apodi, do município de Tabuleiro do Norte. O avanço do agronegócio com um novo vetor - algodão e soja - aqui nessa região é novo, nesse tamanho de escala, na perspectiva aí como aparece nas notícias, com mais de 24 mil hectares adquiridos pela firma aqui nessa região”. 

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O Ceará já foi um dos maiores produtores de algodão do país, mas na década de 1980, a praga do bicudo arrasou as plantações. Agora, a ideia é retomar essa atividade. O problema na Chapada do Apodi é que além dos impactos ambientais, esse avanço do agronegócio tem deixado as comunidades ilhadas. “A gente vê a produção do milho, a produção da soja, a cerca. Então as casas, estão praticamente coladas na produção, a produção da família está colada na produção das firmas”, explica Anjerliana, que aponta também diversos outros impactos: “a poeira, que é algo que não existia naquele território. Hoje não existe mais silêncio na nossa comunidade, a gente vai dormir com barulho de máquina, acorda com barulho de máquina”, afirma. 

Mas não é de hoje, que essas famílias enfrentam esse tipo de problema. A região há anos vive em conflito por terra e água. Se antes o problema se concentrava na fruticultura, agora o cultivo de algodão e soja transgênica se soma ao embate. O Geógrafo e professor da UFRN, Leandro Cavalcante, também enfatiza os impactos negativos que o cercamento dessas comunidades trazem para a região e seus moradores: “uma problemática séria é o cercamento das comunidades, que ficam impedidas de fazer sua produção orgânica sem uso de agrotóxico, que tem muitas dificuldades nas produções de caprinos, dificuldade na atividade apícola, em função da proximidade dessa firma do agronegócio, que é uma firma que ameaça a vida, sobretudo, ameaça o direito ao território, o direito de ir e vir, ao ar puro, a produção orgânica”.  

O agricultor João Vandi fala da preocupação diante da situação: “o que preocupa nós é esse veneno que está sendo usado e o desmatamento que está prejudicando o criar, abelha, os animais, e vem preocupando muito a gente dessas comunidades aqui”. Sensação dividida também pelo apicultor Thiago Alyson Maia: “isso aí pra apicultura, pra nós, tá sendo muito prejudicado por que eles fazem o desmatamento deles, aplicam o veneno deles, na quantidade que eles querem, não ligam para o vizinho deles, não ligam para a abelha”. 

Resultado: depois de mais de cinco décadas vivendo na região, famílias inteiras estão se vendo obrigadas a deixar seus lares, e a compra de terra para expansão do agronegócio segue avançando na chapada. “a perspectiva que a gente percebe é de cercamento desse território, é de expulsão desse território, por que as comunidades não querem conviver com o veneno, então são comunidades que lutam para permanecer no seu território com suas terras, com suas vidas resguardadas, com direito à saude, à água, à produção, ao trabalho e ao meio-ambiente, essa tem sido a grande luta das comunidades”, finaliza Anjerliana.

Edição: Camila Garcia