Rio Grande do Sul

Coluna

As baratas sobreviverão

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"Diante do fato de que a guerra começou com a invasão da Ucrânia, todos os esforços, todas as falas, todas as opiniões devem se dirigir ao objetivo comum, de acabar com ela" - Reprodução
O tapa foi desferido, o que se desenha não é o brilho da faca. É a luz das armas nucleares

A guerra começou. Não há dúvidas em relação a isso.

A grande questão é para onde isso vai, agora, e como, e quando e de que forma isso poderá acabar.

Pela importância do fato, vou me atrever a comentar um assunto que está longe da minha compreensão. Não entendo o que está acontecendo na fronteira da Rússia com a Ucrânia. Mas sei que isso está ocorrendo com a maioria das pessoas deste planeta, e que é por esta alienação que a guerra começou.

Assim, vejo aqui mais uma situação daquelas típicas, onde o desconhecimento alimenta as tragédias.

E sabemos que isso vale para a Lava a Jato, para os agrotóxicos, para as privatizações de estatais, e outras desgraças que se instalam entre nós a partir da deturpação e da ocultação de informações relevantes. Aquelas que de fato não nos chegam, ou chegam metamorfoseadas, maquiadas no cipoal de bobagens com que as grandes mídias nos anestesiam.

No entanto, a terceira guerra mundial começou. E conforme escreveu o Verissimo, se é que foi ele mesmo, isso é tão grave que se vier a ocorrer uma quarta guerra, ela será disputada com paus e pedras.

Se desenha, portanto, um capítulo do fim do mundo, neste momento em que um país grandão invadiu um país pequeno. Mas será isso mesmo? Ou começou antes, quando outro país mais grandão ainda, reconheceu como inevitável o fim de seu domínio imperial?

Não importa. As justificativas sempre existirão e isso nos ensina a sabedoria popular. Um ditado gaúcho bastante válido, que deve ter similares em outras partes do país, alerta sobre o desembestar das loucuras. Sucinto, ele trata daquela progressão que evolui num “grito, um tapa, e uma facada”. E em um momento, famílias se dividem por gerações.

O motivo do xingamento? O motivo do tapa, o motivo da facada?

Nada disso importa para as gerações seguintes, que viverão em guerra.

As motivações são desculpas.

Vejam a fábula do lobo e do cordeiro, onde o lobo diz “você sujou a água que eu queria beber. E vai morrer por isso. E se não foi você, foi seu irmão, seu primo, ou qualquer um, muito parecido com você”.

Vejam o bloqueio americano a Cuba. Vejam os quatros tiros que aquele sargento disparou sobre o vizinho, que por ser negro lhe parecia ser um “bandido”.

Assim, diante do fato de que a guerra começou com a invasão da Ucrânia, todos os esforços, todas as falas, todas as opiniões devem se dirigir ao objetivo comum, de acabar com ela.

A neutralidade passa a ser uma posição em favor do imperialismo americano, que levou a Rússia a fazer o que está fazendo, ou em favor da Rússia, que está retomando para si, à força, um território autônomo que pretendia ser um país independente.  

Tanto faz. Nossas atitudes devem ser contra a guerra.

E não basta sabermos que todos são contra a guerra, porque ela avança a partir de motivações nem sempre percebidas em suas verdadeiras causas. Afinal, a guerra híbrida, os milhões de famintos, o genocídio dos povos indígenas e o aumento da belicosidade fascista estão entre nós, para quem quiser ver. E ninguém é a favor disso, mas alguns se beneficiam e todos sabem a que interesses imperialistas atendem esta degradação de potenciais humanos contidos na ideia de um Brasil soberano apoiando os Brics.

E isto tudo se liga. Aquele momento da facada, o desfile de tanques e a cena dos caminhoneiros em Brasília justificam o medo que todos sentimos naquele 7 de setembro. Pois ele agora se globaliza com a invasão da Ucrânia.

Mas não temos dúvidas de que os desafios reais, que se impõem ao espírito humano, e que agora se fazem ofuscados pela guerra, são a fome, o medo dos irmãos, a covid e o aquecimento global. 

E assim sendo, o fato de que na Ucrânia existem muitos grupos neonazistas, de que a Rússia se sente objetivamente ameaçada, de que nossa casa fica a milhares de km daquelas bombas, suas motivações e desculpas, nada disso importa.

O tapa foi desferido, e na sequência das forças envolvidas no limite o que se desenha não é o brilho da faca. É a luz das armas nucleares.

Portanto, se até aqui a luta ambientalista se dava em defesa do ecossistema global, contra a estupidez do capitalismo, para retardar nossa queda rumo ao fim de mundo acossado pela intoxicação e aquecimento globais, agora o que se revela é o anúncio do paraíso das baratas. Em milhares de anos de inverno radioativo.

Se "parar a guerra" parecer um desafio gigante, veja que nossa retração diante de algo que se desenha como sonho irrealizável bloqueia a mente e impede saltos humanitários. O exemplo de Alex Cardoso deve ser interpretado como lição. Ele reescreve em vida o poema de Carlos Nejar. O que vemos como muro, é ponte.

Uma música em inglês, mas com legendas, porque não encontrei nada apropriado em português.

Mike Oldfield – sobre a guerra nuclear

 

Confira a coluna em áudio.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko