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Artigo | O racismo midiático como espetáculo nos realities shows

É preciso criar tensões na estrutura vigente e modificar a forma como as mulheres negras são representadas na mídia.

Fortaleza, CE |
racismo
Por diversas vezes, o aumento da audiência do BBB ocorreu quando Natália Deodato esteve presente. Por que será? - Reprodução TV Globo

Precisamos falar sobre a “Casa mais vigiada”. E a questão aqui não é se “devemos assistir ou não o Big Brother Brasil”, pois, estamos cientes dos impactos que este reality causa na sociedade. Seja na mesa de bar, no aniversário de um sobrinho, no salão de beleza ou no grupo de estudos da Universidade. Não importa onde ou com quem, o debate principal é o que se passa com os integrantes na casa. As brigas, confusões ou problemas sempre são o ponto alto, não é à toa que no último 15 de janeiro, o programa teve a maior audiência da TV brasileira. Só no Rio de Janeiro, o reality show bateu recorde de audiência e participação, com 33 pontos de audiência e 58% de participação

 E por qual razão apresento esses dados? Porque, diversas vezes, o aumento da audiência ocorreu quando a integrante Natália Deodato estava presente. Temos como exemplos: o dia que ela chorou ao ver Lucas (homem que estava paquerando) beijando outra sister, ou quando Laís, Eslovênia e Bárbara imitam macaco ao encontrar Natália, ou mesmo no dia da expulsão de Maria por agredir Natália em um dos jogos, dentre outros acontecimentos. Ou seja, são episódios onde a integrante Natália, mulher negra, é alvo central.

Uma participante tem dado o que falar diante de seus posicionamentos como a solidão da mulher negra, escravidão e o racismo. Temas dolorosos que têm sido explorados no programa. E por que isso ocorre?  Com certeza, não é porque acham importante discutir estas temáticas que tanto afetam a sociedade brasileira. Não é mesmo! Estas pautas aparecem porque Natália é a representação de tudo que a sociedade brasileira abomina.

Ela que traz no corpo os marcadores da cor e do gênero, além do vitiligo, doença caracterizada pela perda da coloração da pele, que acabam acentuando o racismo que caminha com a história do Brasil. Esta sociedade que busca estratégias para silenciar, oprimir e matar corpos negros e com total aval de suas estruturas.  Como vemos nas palavras racistas com a moça do supermercado, no tiro “por engano” no vizinho que foi confundido com bandido ou nas pauladas, até a morte, de um homem que só queria receber os atrasados.  E não parou por aí, temos um reality que gosta de cutucar esse tema da pior forma possível.

A espetacularização do racismo que atravessa seus corpos e que transforma em atração cada ato preconceituoso ou cada fala estereotipada. Uma estratégia antiga para insinuar que o problema é a Natália Deodato que “é raivosa”, “grosseira”, “explosiva” ou qualquer outro adjetivo para classificar as mulheres negras. Pois é mais interessante para a estrutura dominante a violação dos corpos negros, por meio da opressão e das adjetivações, para perpetuar o racismo frequente na programação oficial da televisão brasileira.

Por esse motivo, acredito que devemos falar, escrever e nos posicionar sobre o BBB, seja nesta edição ou tantas outras que ainda serão realizadas. É preciso denunciar qualquer prática de perpetuação do racismo, machismo ou homofobia. Observando os discursos que induzem a reprodução de preconceitos e discriminações travestidos de costume normal e corrente na sociedade brasileira.

Criar tensões que incomodem a estrutura vigente e possa assim modificar a forma como as mulheres negras são representadas na mídia. Evidenciar os problemas que este tipo prática tem ocasionado, como é o aprofundamento da violência e da intolerância, e assegurar que os atos racistas não sejam naturalizados. Caso contrário, seguiremos celebrando os estereótipos criados para as participantes do BBB e para mulheres negras que fazem parte da sociedade.

* mulher negra, jornalista e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Ceará.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Camila Garcia