Ceará

Eleições 2022

Artigo | As eleições se entranham no imaginário da classe trabalhadora desde pequenininho

As eleições eram tão forte em nosso imaginário de criança que a gente se divertia fazendo campanha de brincadeirinha

Brasil de Fato | Crato (CE) |
Temos a tarefa de nas ruas e nas urnas derrotar Bolsonaro e seus comparsas, além de derrotar o bolsonarismo fascista no parlamento federal e nos parlamentos estaduais - Divulgação

Esses dias vendo algum debate sobre eleições fui tomado de assalto por uma memória de menino. Não lembro ao certo quantos anos eu tinha, creio que estava ente 8 e 10 anos. Eu e minha família íamos com uma certa frequência para Cajazeiras do Simião, zona rural do distrito de Assaré, passávamos férias, finais de semanas e feriados prologados. Era diversão certa tomando banho de açude, andando de canoa, fazendo rally de bicicleta, indo pegar gado na serra enquanto servia de alimento para as mutucas que se esbaldavam com meu sangue.

Lá onde tomei minhas primeiras cachaças tirando gosto com mortadela, onde jogava sinuca apostando quem perde paga, jogava dominó e relancinho, foi que tive meus primeiros contatos com a tal das eleições que de dois em dois anos ocupam uma parte da vida em sociedade pelos debates levantados e pelas campanhas e suas marcas na cidade.

Lembro eu moleque ajudando meu pai e minha mãe a distribuir brinquedos nos dias das crianças, algo que ele fazia todo ano, lembro de meu pai sendo um dos responsáveis pela construção de um novo açude mais próximo da parte central da comunidade, e lembro de meu pai em cima dos palanques improvisados nas carrocerias de caminhões discursando para o povo da comunidade pedindo voto. Eu ajudando a distribuir santinhos, acompanhando meu pai de porta em porta conversando com as pessoas, acenando, apertando mãos e ouvindo o que elas esperavam do resultado das urnas. Meu pai, que no início sempre se candidatava pelo PT, nunca conseguiu se eleger, chegou a mudar para partidos de aluguel e tradicionais, mas mesmo assim nunca se elegeu.

A presença das eleições era tão forte em nosso imaginário de criança que lembro que nesse período eleitoral eu e meus amigos, que amávamos brincar de carrinho nos terreiros, trazíamos os signos que víamos nas ruas para a brincadeira. 

Há que ser dito, nossa brincadeira de carrinho envolvia uma requintada ação imaginativa, pois cada um era um personagem (o dono do posto de gasolina, o dono da bodega, o que alugava o carro de som, o candidato…), sem falar em todo processo de engenharia, pois antes de começar a brincadeira de fato a gente definia onde ia ser a casa de cada um e seu local de trabalho, definia onde ia ser o açude, depois a gente definia por onde ia passar as estradas e começava a construir a cidade, só depois disso iniciávamos a brincadeira que durava dias.

Pois bem, lembro que pegávamos desses carrinhos de boi de plástico, que se acha em qualquer loja de importados e cortávamos pedaços de ripa ou linha de madeira no tamanho da carroceria do carrinho e com caneta esferográfica mesmo a gente desenhava os alto-falantes de nossos carros de som e trios elétricos, usávamos santinhos para demarcar a quem servia aquele veículo que circulava pela cidade com as paródias da vez, até comícios e showmícios (que na época era permitido) a gente fazia. E assim a gente passava horas se divertindo e fazendo campanha de brincadeirinha.

Aí você deve tá se perguntando porquê eu estou falando tudo isso. Nos últimos anos, desde que me envolvi com o movimento político da esquerda, uma questão que sempre é tema de debates acalorados é o papel das eleições na organização da luta popular para a construção da Revolução Brasileira. No debate se acha de tudo – prós, contras, depende, os que nem sim nem não muito pelo contrário… Pois bem, com esse pequeno passear em memória de menino quero chamar atenção para uma coisa essencial, as eleições estão encrustadas no imaginário da classe trabalhadora, seja do campo e da cidade, e começa a se entranhar desde pequenininho. Meu caso, que era o mesmo de minhas irmãs e irmão, de meus colegas de brincadeira e das crianças que cresceram quando eu cresci são prova disso.

“Ah Lívio, mas teve um período de ditadura”. Então, mesmo nesse período as pessoas se envolviam em eleições de sindicatos, de entidades estudantis, de comunidades eclesiais de base, na escola. Tendo a acreditar que esse período de ditadura só reforçou no imaginário que as eleições é algo importante, pois como se diz no meio popular – se não fosse importante eles não teriam proibido.

Dito isso tudo, esse ano será um ano decisivo. Temos a tarefa de nas ruas e nas urnas derrotar Bolsonaro e seus comparsas, além de derrotar o bolsonarismo fascista no parlamento federal e nos parlamentos estaduais. Isso é essencial para que a gente possa voltar a ter condições mínimas de vida. Sem comida, casa, trabalho e sem acesso à educação e saúde não teremos como fazer o Brasil avançar e colocar para rodar todo seu potencial. Por isso assumamos essa tarefa das eleições como a tarefa das nossas vidas, mas lembrando que nossas vidas não acabam nas eleições, elas são apenas um dos passos a serem dados. Nós queremos e merecemos o mundo.

*Trabalhador da cultura e militante social.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa