Ceará

2022

Artigo | 2022 não será menos difícil que 2021, pelo contrário

Então, quem vai pagar reparações na minha alma?

Brasil de Fato | Crato (CE) |
Estava eu, passeando pelo Centro Dragão do Mar quando me deparo com uma frase em caixa alta no corredor em frente a varanda dos museus – QUEM VAI PAGAR REPARAÇÕES NA MINHA ALMA? - Foto: Lívio Pereira

Nessa muda de ano, entre dores e delícias, seguimos… Mas tem uma experiência que vivi ainda no ano passado, em novembro, mês que celebramos finados, que vez em quando torna a aparecer em minha consciência. 

Estava eu, passeando pelo Centro Dragão do Mar, vendo as intervenções em suas paredes que ainda não conhecia, quando me deparo com uma frase em caixa alta no corredor em frente a varanda dos museus – QUEM VAI PAGAR REPARAÇÕES NA MINHA ALMA? Uma frase tão direta que me fez olhar tão longe, tão fundo em mim e no meu contexto. 

Pensar que o Brasil vinha, a duras penas e com muita luta social, superando algumas mazelas históricas de nossa sociedade, mas passou com o golpe de 2016 e seus desdobramentos até a eleição de um fascista para governar o país, a dar longos passos para trás. Tal situação provocou um retrocesso violento e cruel nas poucas melhorias de vida que nós trabalhadoras e trabalhadores havíamos conseguido conquistar.

Um desses retrocessos que tem me preocupado, diz respeito a política de assistência psicossocial. Afinal, o que mais se falou entre diversos profissionais da saúde mental foi o quanto aumentou o número de pessoas procurando algum serviço de atendimento psicológico, fosse porque alguma questão prévia se agravou na pandemia, fosse porque não foi fácil suportar-enfrentar a pandemia. Nesse sentido, como ficamos com o sucateamento dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), com o reconhecimento de grupos religiosos como gestores de espaços terapêuticos para tratamento de pessoas que enfrentam dependência química e com o risco de volta dos manicômios? 

Esses dois últimos anos, marcados por uma pandemia assustadora, deixaram claros que o modelo de sociedade em que vivemos, o neoliberal, é altamente adoecedor. Ele nos suga a energia de viver, força nosso desejo para a produção de riquezas dos patrões e gerentes do sistema. Faz tudo isso para que acreditemos que é a única forma de vencer e ser alguém na vida. O sistema faz tudo isso e ainda mais, pois nos adoece e ainda corta todas as políticas públicas de cuidado e manutenção da vida, não nos garante um teto, nem mesmo trabalho, ou comida.

Por isso, a solidariedade de classe, na qual o povo se organiza para cuidar dos seus, tem sido tão essencial nesses dois últimos anos. Ela ajudou a salvar e proteger a vida, nosso bem mais valioso. Em 2022, a solidariedade seguirá sendo uma importante ferramenta de organização e mobilização social, a situação das chuvas na Bahia já mostra isso. Assim como cada vez mais se faz importante inserir práticas de autocuidado no nosso dia a dia, sejam exercícios físicos, seja tentando se alimentar de maneira saudável (na medida que a realidade permite), seja indo atrás de atendimento psicológico. Cuidem-se, pois só assim podemos colaborar com a solidariedade para o cuidado coletivo tão necessário.

E para terminar, queria agradecer imensamente ao Haroldo Saboia, que em colaboração com Marcelo Deusdete e Erivan Fiuza, lançou essa frase nos muros do Dragão do Mar. Que ela siga reverberando em muitas outras pessoas, que ela siga nos fazendo olhar para nosso microuniverso interior e para nosso macrouniverso – a Terra, aproveita e olha pro céu de onde estiver.

*Trabalhador da cultura e militante social.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Camila Garcia