Rio Grande do Sul

Educação

No Dia Internacional dos Direitos Humanos docentes lançam livro em defesa da Filosofia

Obra coletiva apresenta entrevistas, depoimentos e manifestações de apoio à permanência da Filosofia na rede da Capital

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A Filosofia sofreu ameaça de ser retirada da grade curricular do ensino municipal. Isso fez com que os professores se mobilizassem fortemente - Foto: Imprensa Simpa

“É a Filosofia que ensina a gente a entender a si, o outro e ter alteridade. Portanto, não há democracia sem Filosofia”, defende a filósofa Márcia Tiburi, no livro Fica Filosofia!: Pela permanência da disciplina nas escolas públicas de Porto Alegre. Lançado na última sexta-feira (10), Dia Internacional da Declaração de Direitos Humanos, em uma live, o livro reúne uma série de materiais que tem como objetivo a defesa da permanência da disciplina no currículo da rede municipal de ensino de Porto Alegre.  

“Estão tentando tirar o nosso direito ao voto, e tão falando que tais matérias são mais importantes que outras, e que é para aceitar isso. A democracia está regredindo?, indaga o aluno Matheus Collyn Silveira, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Nossa Senhora do Carmo, logo na abertura do Fica Filosofia. 

Também foi feito um resgate da Filosofia nas escolas municipais da capital gaúcha, que começa em meados da década de 1990, onde criou-se a possibilidade de implantar um projeto de educação pública que se denominou Escola Cidadã. “Foi nesse processo que a Filosofia passou a ser implantada como componente curricular na Rede de Ensino, em pé de igualdade e respeito em relação às demais.” 

No governo de Sebastião Melo, através da Secretaria de Educação, a filosofia sofreu ameaça de ser retirada da grade curricular do ensino municipal. Isso fez com que os professores se mobilizassem fortemente. O Brasil de Fato RS acompanhou o processo, trazendo artigos e manifestações da comunidade escolar. Em novembro deste ano, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou acordo para manter a Filosofia dentro das aulas de religião na rede municipal. Contudo, conforme salientam os organizadores do livro, ainda não foi feito nenhum anuncio oficial às escolas para organização do próximo ano letivo. "A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED) não enviou orientações oficiais sobre a presença da Filosofia na grade e nas escolas, e há temor de que de fato ela seja cortada. Definição deve se dar esta semana, sobre permanência mitigada (período por semana) ou cortada simplesmente, que era o desejo inicial da secretária", enfatizam.

Segundo os organizadores, o livro é resultado da campanha contra a proposta pedagógica da atual gestão da SMED que exclui as aulas de Filosofia da escola pública e retira carga horária de História e Geografia. O livro foi organizado por Marco Mello, professor de Filosofia e de História da RME e mestre em Educação, e André Pares, professor de Filosofia da RME, jornalista e mestre em Comunicação.

“A gente produz como uma resposta de que não vai ser fácil assim fazer com que nós sumamos, não vai ser tão fácil quanto o esperado, quanto parece tais demonstrações de quem está na atual gestão de Porto Alegre, da maneira de operar a gestão pública que desconsidera absolutamente tudo, que nem o diálogo é possível”, apontou André, complementando que o livro é uma resposta aos ataques instantâneos que vem acontecendo através da Secretaria de Educação. 

A campanha Fica Filosofia! é impulsionada pelo Coletivo de professoras e professoras de Filosofia da RME, com apoio da ATEMPA (Associação dos Trabalhadores em Educação da RME/POA) e do ANDES-UFRGS (Seção Sindical do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior junto à UFRGS). 

“A Filosofia não é um ser, é ato encarnado em gente que tem fome e sede de existir com dignidade. Recuperar as ruas, envolver diferentes sujeitos, escrever artigos, cartas, manifestos, publicar vídeos, lives, enfim, gritar! Foram estes os canais para se fazer ouvir a defesa do exercício do pensar como um direito. Buscou-se assim, sensibilizar a cidade para refletir que tipo de educação se quer”, escreveu a professora de Filosofia da Faculdade de Educação/UFRGS e presidenta da Seção Sindical ANDES-UFRGS, Magali Mendes de Menezes, ao final do livro. 

A defesa da Filosofia é também uma defesa contra o obscurantismo 

Na live, Magali Menezes destaca que falar da educação pública no Dia dos Direitos Humanos é ratificar e afirmar o quanto a luta pela educação pública é uma luta de direitos humanos. “A educação pública é um espaço para a maior parte da população, aquela população mais carente, aquela população que necessita do serviço público, que necessita da presença do Estado. Que precisa de políticas públicas para garantir a assistência, qualidade de vida e garantir que o espaço público seja ocupado por todos nós.” Ela destacou a luta travada pelos professores e professoras da rede municipal de Porto Alegre.

Assim como Magali, Rose Colombo, organizadora do POA Ancestral, ressalta a luta dos docentes. “É uma luta em defesa de um direito humano básico, o direito ao livre pensamento, o direito à uma educação pública de qualidade para as comunidades trabalhadoras. E é uma luta contra o obscurantismo que sabemos que faz parte de uma estratégia maior, uma estratégia de recolonização e pilhagem que está em curso no nosso país. Há todo um projeto de destruição no nosso país”, afirmou Rose. Ela informou que a ideia do projeto POA Ancestral é construir uma plataforma de socialização das diferentes experiências pedagógicas, na contracorrente do discurso colonialista e hegemônico que está por atrás dos 250 anos de Porto Alegre. 

A live contou com a participação do professor e escritor Jeferson Tenório, que falou da presença da Filosofia, a discussão do existencialismo (corrente filosófica) em suas obras, destacando o romance Estela sem Deus. O livro trata da menina Estela, de 13 anos, uma menina negra, pobre, da periferia, com pouco acesso aos livros e que sonha em se tornar uma filósofa.  

“O que eu quis propor aqui é uma outra filosofia, uma filosofia mais voltada para a cultura de matriz africana. E olhar para essa filosofia ocidental de maneira critica. E ai eu crio uma personagem que vai, digamos fundar o seu olhar sobre o que é filosofar. E nesse sentido ela vai começar a prestar atenção na importância das mais velhas, das avós, bisavós, tias e que essas histórias que ela vai ouvindo podem ter justamente essa visão filosófica da vida.” 

Durante a live os organizadores lembraram dos acontecimentos racistas como a morte do americano George Floyd, o caso do Beto e os ataques à Bancada Negra de Porto Alegre. 

Sobre o livro 

Em suas 133 páginas a publicação registra as produções de docentes, estudantes e comunidade escolar da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME) no ano de 2021 em torno da Campanha Fica Filosofia!

Também traz contribuições de Raul Fornet Betancourt, um dos maiores filósofos latino-americanos vivos e Petherson Tadeu, estudante de nono ano de escola pública na Restinga; Márcia Tiburi, Nataly Latorre, estudante de sétimo ano, do Partenon; Luís Augusto Fisher, e Allanis Moraes, do nono ano na Lomba do Pinheiro.

Participam também do livro nomes como o filósofo e prof. da UFBA, Eduardo Oliveira, amplamente reconhecido por seu trabalho com Filosofia afro-brasileira que faz o posfácio. Traz uma entrevista inédita com Sílvio Rocha, um dos responsáveis pela implantação da Filosofia na RME, e depoimentos de Walter Kohan, filósofo argentino que é um dos ícones em Filosofia com Crianças, a filósofa Neusa Vaz, reconhecida doutora em Filosofia Latino-Americana, o expoente filósofo Sérgio Sardi, criador das Olimpíadas de Filosofia no Brasil, as filósofas Lara Sayão (RJ), Magali Menezes (UFRGS), Andreia Meinerz (Inst. Fed. Educação/IFRS), e o professor Luciano Bedin (UFRGS), entre outras e outros. 

Também apresenta cartas de apoio, notas de repúdio, abaixo assinados de universidades, associações, coletivos, conselhos escolares, e reportagens, lives, depoimentos, trabalhos de estudantes e imagens de todo o movimento e uma carta à Secretária de Educação, Janaina Audino. 

 O livro pode ser acessado aqui.


A publicação incialmente sai no formato de e-book, e o acesso é gratuito para download / Divulgação


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Edição: Katia Marko