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O racismo joga em todas posições no futebol

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Na semana passada, Adriana, do time feminino do Corinthians, foi vítima de racismo por uma jogadora do Nacional de Montevidéu e recebeu, ainda em campo, a solidariedade das colegas - Fernando Roberto/Agencia Futpress
Os agressores eram em sua maioria torcedores, registrando 22 casos

O futebol poderia ser um espaço exemplar de combate ao racismo, presente no cotidiano de centenas de atletas e de milhares de torcedores e torcedoras. Porém, o tema continua plenamente ignorado pela direção dos clubes e impune pela justiça esportiva.

Segundo o competente trabalho do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em 2020, os casos de racismo no esporte caíram 50,6% em relação ao ano anterior.

Entretanto, os números não devem enganar e se devem muito mais ao calendário atípico do futebol, por causa da pandemia, do que por políticas efetivas de combate ao racismo pelos clubes.

Basta observar que os casos saltaram de 20 registros em 2014, quando começa o monitoramento do Observatório, para 80 em 2018 e alcançam o vergonhoso número de 136 ocorrências em 2019.

Ainda que o relatório de 2021 só será conhecido ao final das competições, a agressão sofrida pelo jogador Celsinho do Londrina (PR) é a mais ilustrativa do comportamento da Casa Grande.

Durante um jogo contra o Brusque (SC) pela série B, o atleta foi chamado de “macaco” por um dirigente do time adversário. Um mês antes, Celsinho já havia sido vítima de racismo em jogos contra o Goiás e o Remo.

O Brusque perdeu três pontos mas, na semana passada, o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) devolveu os pontos ao time catarinense, apesar das agressões terem sido registradas na súmula da partida pelo árbitro.

Cinco auditores votaram pela absolvição e um deles inclusive sugeriu que a multa fosse revertida a um hospital ao invés do Observatório Racial.

Nos clubes, também são poucas ações efetivas de combate ao racismo. E muitas delas ficam restritas ao marketing de lançamento de camisas alusivas. Mas em alguns deles, nem isso.

A Adidas propôs o lançamento de uma camisa comemorativa da semana da consciência negra aos times que patrocina. Inter e Flamengo aceitaram, mas o São Paulo F.C. recusou, alegando que a cor fazia referência aos rivais Corinthians e Santos. Curiosamente, o preto é uma das três cores do escudo do time paulista.

Mais contundente, o Internacional de Porto Alegre incluiu uma cláusula antidiscriminação nos contratos de trabalho, vedando expressamente qualquer manifestação de preconceito por jogadores e funcionários em geral.

Uma das estrelas do time, Taison retornou ao Brasil e ao seu clube de origem depois sofrer ataques racistas na Europa e tem utilizado a projeção pública para combater o preconceito.

Mas os casos, infelizmente, não se limitam às diretorias e atravessam o campo. Na semana passada, Adriana, do time feminino do Corinthians, foi vítima de racismo por uma jogadora do Nacional de Montevidéu e recebeu, ainda em campo, a solidariedade das colegas.

Das 36 ocorrências registradas pelo Observatório no ano passado, atletas foram vítimas em 28 casos. Mas, os agressores eram em sua maioria torcedores, registrando 22 casos.

Até aqui, tratamos dos casos em que o racismo é incontestável. Mas no futebol, como na sociedade brasileira, ele também está presente em outras formas sutis. Vale a lembrança de Roger Machado de que apenas ele e Marcão do Fluminense eram os únicos técnicos pretos na série A. No caso das diretorias, somando a série A e B, o único presidente preto é Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, da Ponte Preta.

O Brasil poderia ser uma referência internacional no tema dentro do futebol. Poderia combater com dureza os casos, ao contrário da impunidade incentivada pela STJD, sendo rigoroso contra manifestações racistas de clubes e torcedores.

Os clubes poderiam desenvolver campanhas reais e não puramente de marketing. Inclusive destinando recursos para estas ações e não esperando recebê-los com camisetas. E a torcida deveria incentivar o posicionamento público dos atletas. Mas a luta contra o racismo ainda tem uma longa batalha a travar no Brasil. Dentro e fora de campo.

 

*Miguel Stédile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Leandro Melito