cultura alimentar

Em comunidade quilombola do Ceará, alimentação é parte da luta pelo território

Coleta tradicional de ostras, mariscos e caranguejos gera renda e garante diversidade alimentar dos moradores do Cumbe

Ouça o áudio:

Pescadora artesanal Cleomar Ribeiro da Rocha, moradora do quilombo do Cume, que retira seu sustento e seu alimento do território onde vive - Galba Nogueira
Falar de alimento é falar do fortalecimento da gente e do nosso território

Em Aracati, no litoral cearense, ao lado da movimentada praia de Canoa Quebrada, vive a Comunidade Quilombola do Cumbe, que mantém vivos hábitos alimentares centenários a partir de produtos retirados no mar, do mangue e das dunas da região.

Além de garantir o sustento das 105 famílias da comunidade, a coleta de mariscos, caranguejos, ostras e frutos nativos ajuda a manter o elo entre moradores e é um elemento na luta pelo reconhecimento do território.

"A cultura alimentar é importante para nos conectar com o território que nós estamos reivindicando junto ao Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]”, conta o educador e líder comunitário João do Cumbe.

Apesar de riqueza alimentar ancestral, o Cumbe aguarda, desde 2015, pela conclusão de um estudo de delimitação da área feito pelo Incra. Há anos eles está parado. As famílias sofrem intensa pressão da rede hoteleira e tem resistido na disputa pelo território.

A principal fonte de renda é a pega de mariscos e caranguejos no mangue. Mas, para além do trabalho, é hábito os moradores do Cumbe saírem juntos para compartilhar alimentos em piqueniques próximos a vegetação nativa ou nas margens dos rios da região. Um dos pratos favoritos é ostra assada.

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Elas fazem tanto sucesso que foram selecionadas para participarem do 3º Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia Social do Ceará, promovido pela Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco em junho deste ano.

Um menu, composto por tratos típicos de comunidades tradicionais do estado, foi servido para autoridades e divulgado entre chefes de cozinha.

"É uma delicia a ostra assada. É uma tradição muito forte na nossa alimentação. Constantemente vamos para o rio e a primeira coisa que fazemos é pegar ostras, assar e comer na beira do rio”, diz a marisqueira Luciana Santos, nativa da comunidade. Somos uma associação buscando fortalecer esse território com as nossas histórias e com as nossas vivências. Falar de alimento é falar do fortalecimento da gente e do nosso território.”

Do território tradicional também vem o coco, a partir do qual é produzido o leite de coco, um ingrediente típico dos pratos da comunidade.

Não há muqueca de sururu ou caranguejada que não leve um molho feito a base do ingrediente, utilizado por gerações no Cumbe, assim como a farinha de mandioca, muitas vezes produzida pelas próprias famílias, da plantação ao preparo do ingrediente.

Dos quintais também vem o feijão, o milho, o maxixe, a acerola, a goiaba e a banana. Já das dunas de areia, as famílias colhem frutos nativas da região, como o massaranduba, o guajuru e o murici, que virou até tema de música tradicional, ajudando valorizar e fortalecer a fartura alimentar da região.

Edição: Douglas Matos