Coluna

O palhaço do circo sem futuro

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Só o bolsonarista raiz não ficou constrangido, convicto de que a viagem foi o reconhecimento de que Bolsonaro é o último guerreiro trumpista - Eduardo Munoz / AFP
Sem coragem ou sem força para embarcar no impeachment, a turma da “terceira via” bolou um novo plano

Olá! O plano de Bolsonaro de se tornar o novo Trump terminou em quarentena. E enquanto a popularidade do capitão e a economia derretem, o Congresso aproveita para governar e a terceira via luta para existir.

 

.Gangues em Nova York. No maior palco da diplomacia global, um microscópico Bolsonaro não surpreendeu ninguém ao repetir o mesmo discurso surrado de sempre, falando apenas para o cercadinho. Até em Nova York, Bolsonaro só trabalhou para a sua reeleição, como se viu na promessa de engajamento de Steve Bannon e da Internacional Fascista, incluindo uma turnê pela Hungria e Polônia e articulações para uma estrutura internacional de disparo de mensagens. Só o bolsonarista raiz não ficou constrangido, convicto de que a viagem foi o reconhecimento de que Bolsonaro é o último guerreiro trumpista. Para Esther Solano, a base bolsonarista está passando por uma hiper-radicalização, convicta tanto da genialidade de seu líder quanto da perseguição que ele sofreria. É uma auto-projeção do homem branco, machista, conservador que nunca se sentiu visibilizado pela grande política. Porém, internamente a vida de Bolsonaro está longe de ser um passeio na Broadway. O filho favorito está sendo acusado de ser o líder de uma organização criminosa e, principalmente, a tal recuperação econômica em “V” só existiu mesmo na cabeça de Paulo Guedes: mais da metade dos brasileiros considera que a sua situação piorou nos últimos meses. A ladainha de que a culpa é dos governadores e prefeitos não colou, pois cerca de 70% da população considera que o governo federal é responsável pela inflação e pelo desemprego, com fissuras até entre os apoiadores fiéis. Com tudo isso, a radicalização parece não estar ajudando no projeto de poder de Bolsonaro. Ainda mais se considerarmos que tradicionalmente o mau desempenho econômico é o principal fator de derrota de presidentes que tentam a reeleição, como alerta Thomas Traumann.

 

.O médico de Hitler. Enquanto a dupla Bolsonaro & Queiroga espalhava Covid em Nova York, nós tentávamos entender até onde a conduta criminosa do governo e de grupos empresariais foi capaz de chegar. O escândalo que envolve o plano de saúde Prevent Senior fez os esquemas ilegais de compra de vacinas parecerem coisa de criança. Os documentos e o depoimento de Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo do grupo, confirmam que os médicos alteraram prontuários de pacientes para ocultar óbitos por Covid-19. A motivação da fraude era provar que o tal tratamento precoce era eficaz, fazendo uma pesquisa sem método adequado, sem autorização e muitas vezes sem o conhecimento dos pacientes. A mãe do empresário Luciano Hang foi uma das vítimas que teve o prontuário alterado, mas o velho da Havan acobertou a causa real da morte da própria mãe e continuou fazendo propaganda do “kit Covid”. A CPI acredita que a conduta criminosa não foi um caso isolado. Tanto o Prevent quanto o Hapvida compraram 5 milhões de caixas de cloroquina e ivermectina e pressionaram os médicos a receitarem esses medicamentos. Mais do que isso, há indícios de que o Prevent tinha vínculos estreitos com o gabinete paralelo da Saúde através da médica negacionista Nise Yamaguchi. Ela chegou a participar de reuniões com integrantes do governo e o Ministério da Saúde incorporou o “estudo” do Prevent em seus protocolos. O escândalo do Prevent, a ameaça de Jair Renan à CPI, a prepotência do ministro da CGU Wagner Rosário que está sendo investigado por prevaricação e os vínculos de Flávio Bolsonaro com a Precisa Medicamentos recolocaram a CPI na ordem do dia e deram resultados: o MP-SP criou uma força-tarefa para investigar o Prevent, Ricardo Barros teve o pedido de bens bloqueados pelo MPF e o Tribunal de Justiça-SP já bloqueou R$ 142,2 mil da Precisa Medicamentos. Com tudo isso, o relatório final de Renan Calheiros foi adiado para o dia 10 de outubro e promete levar Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional.

 

.Piloto automático. Se depender do Congresso, Bolsonaro pode passar todo o ano viajando e comendo pizza na rua. Sem os surtos golpistas do capitão, as pautas andaram. O Senado, que era a primeira trincheira de enfrentamento ao governo, aprovou a PEC que desobriga estados e municípios de cumprirem os gastos com educação com absoluta maioria, enquanto o projeto que altera as regras de cabotagem e renúncia de impostos em portos e ferrovias avançou na Comissão de Assuntos Econômicos. Depois de uma semana de embates, a reforma administrativa também foi aprovada na Comissão Especial e segue para o plenário da Câmara. A reforma do Código Eleitoral, aprovado às pressas na Câmara, não vai tramitar há tempo de ser implementado em 2022, mas ainda assim os senadores aprovaram uma PEC que dá maior peso à eleição de candidatos negros e mulheres na distribuição do fundo partidário, barrou a volta das coligações, impediu amarras sobre o TSE e o STF. E até a ideia de usar os recursos dos precatórios para financiar o Auxílio Brasil avançou com a reunião entre os presidentes da Câmara e do Senado, o líder do governo e o ministro Paulo Guedes. Sem Bolsonaro para atrapalhar, é possível que a Câmara dê um jeito no indigesto Projeto de Lei das fake news, apresentado pelo capitão para impedir a retirada de material das redes sociais. É bastante provável que a medida possa ser costurada por Arthur Lira com deputados e senadores, como foi feito na “Lei do Mandante” sobre jogos de futebol. E até o STF trabalhou para resolver um problema de Bolsonaro: os ministros Luiz Fux, Luís Barroso e Ricardo Lewandowski pressionaram Davi Alcolumbre para marcar logo a sabatina de André Mendonça. Cabo eleitoral de Augusto Aras, Alcolumbre não se incomodou nem com a pressão dos ministros, nem com a pressão dos evangélicos.

 

.A terceira via é a primeira. Sem coragem ou sem força para embarcar no impeachment, a turma da “terceira via” bolou um novo plano genial para ir ao segundo turno sem quebrar nenhum ovo: contar que Bolsonaro desista de disputar a eleição. A hipótese foi veiculada pela Folha e pela Veja e é embalada pela contínua perda de popularidade do governo, como indica a pesquisa Ipec. Segundo a Veja, um cenário sem Bolsonaro “aterroriza” o PT e, pela voz de Michel Temer, a revista lembra que a primeira e a terceira via devem se unir, porque Lula é o inimigo a ser batido. Como a própria Folha reconhece, esta hipótese só seria viável se implicasse num acordo em que Bolsonaro desistisse de concorrer em troca da sua liberdade e dos filhos. Um argumento plausível, mas muito difícil da opinião pública engolir, principalmente quando novas denúncias de rachadinhas familiares não param de surgir. A argumentação de Temer, por sua vez, confirma a hipótese de Celso Rocha de Barros. Para o jornalista, Bolsonaro é a via zero, a primeira via era a direita que estava no poder até 2002 e a segunda via é o lulismo. A primeira via tenta voltar ao poder, mas o seu problema é que “a base social da direita —os empresários, os pastores, a classe média tradicional— ainda não desistiu completamente da via 0,5. A turma acha o golpismo de Bolsonarismo meio desnecessário. Mas todo mundo ali gostou da ideia de que dá para ganhar voto de pobre só com igreja, sem essas coisas de Bolsa Família, negros na universidade etc”. Enquanto isso, a via da direita sem Bolsonaro continua lutando para existir: o Podemos fará uma última e desesperada tentativa por Sérgio Moro, com um olho em Eduardo Leite e no resultado da prévia do PSDB.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.México: ultradireita inicia cruzada contra López Obrador. Outro ramo do conservadorismo, o espanhol Vox inicia pelo México sua ofensiva contra a América Latina.

.A financeirização espúria da economia verde. No GGN, Luis Nassif mostra como o capitalismo transformou o aquecimento global em uma oportunidade de negócios sem nenhuma preocupação ambiental.

.Motoristas protestam contra bloqueio massivo de contas pela Uber no RS. Em Porto Alegre, a Uber começa a excluir motoristas que se recusam a fazer corridas mal pagas e abaixo dos seus custos. 

.Ratinho Jr. converte escolas em mini quartéis no Paraná. Entusiasta do bolsonarismo, o governador do PR impõe as escolas cívico-militares a qualquer custo.

.A escola é para todes. A Agência Pública demonstra as dificuldades dos 1.737 estudantes que usam o nome social nos ensinos fundamental e médio.

.Dialética e liberdade em Paulo Freire. No centenário do educador, o professor José Luís Fiori presta sua homenagem recuperando o pensamento dialético e as reflexões de Freire para a formação da consciência.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo