Coluna

A luta das mulheres indígenas é legítima e devemos reconhecer sua importância

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É necessário ecoar as vozes das mulheres indígenas, elas lutam pela terra, mas lutam principalmente pelo futuro, pelo direito a ter um futuro para os seus, para nós - Foto: Matheus Alves
Esse protagonismo das mulheres indígenas precisa também ser refletido nas esferas de poder

O Brasil inteiro viu a luta, resistência e protagonismo das mulheres indígenas que realizaram entre os dias 7 a 11 de setembro, uma das maiores mobilizações indígenas que este país já viu, a II Marcha das Mulheres Indígenas - “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”. Estar ao lado de minhas parentas nesta segunda Marcha foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Me reconheço como uma mulher indígena, do Povo Manaós do Amazonas e lutar ao lado delas me deixa ainda mais próxima das minhas origens e da minha ancestralidade.

A Marcha foi um momento de muita força dessas mulheres que deixaram seus territórios para denunciar esse Governo genocida que tenta retirar os direitos dos povos indígenas. Foi um momento de muito protagonismo de muita força e unidade, resultado de um processo de auto-organização muito forte. Essa é a segunda vez que participo da Marcha, estive na primeira em 2019 e igualmente foi um momento de muita emoção e reafirmar certezas: a de que é impossível estarmos em um país que não respeita os direitos dos povos originários.

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Ao mesmo tempo em que as mulheres indígenas pulsavam em Brasília a sua força, vivíamos momentos de avanço do golpismo bolsonarista, que convocou as manifestações antidemocráticas para o 7 de setembro e incitou seus apoiadores a invadirem a Esplanada e assim intimidar a realização da Marcha, que pretendia no dia seguinte realizar um grande ato de luta contra o marco temporal.

Essa tese ruralista que ganha força no governo de Bolsonaro e que pretende impor a promulgação da Constituição como definidora para a demarcação de terras indígenas. Na prática é dizer que os povos originários deste país que estão aqui desde antes de 1500, só tem direito àquelas terras em que estejam ocupadas no dia 5 de outubro de 1988.

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E as centenas de anos sob violência promovida por aqueles que usurparam suas terras, que violentaram mulheres e que dizimaram povos indígenas inteiros? Onde faz essa conta? Quem paga por ela?! Quantas áreas indígenas foram roubadas em todos esses anos? Quem paga essa conta?

A ameaça de não demarcação das Terras Indígenas (TI), legalização de mineração em TIs, aliado ao sucateamento de políticas públicas para povos originários é uma das formas de institucionalizar a violência contra indígenas no país, governado por Bolsonaro. A votação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) por exemplo com o voto favorável a essa tese pelo ministro indicado por Bolsonaro, é um exemplo de como se institucionalizam violências.


Povos indígenas acompanham julgamento do marco temporal que volta para a pauta do STF / Carl de Souza / AFP

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São centenas de anos que os povos originários deste país vivem sob essa égide de preconceito, racismo, extermínio, invisibilidade e violência, muita violência. E nesses cinco dias de Marcha as mulheres indígenas elas puderam denunciar mais uma vez as violências, os descasos e lutar pelo direito aos seus territórios, suas terras, que representam elas próprias, como anunciaram no Manifesto da Marcha: “Nós, Mulheres Indígenas, também somos a Terra, pois a Terra se faz em nós. Pela força do canto, nos conectamos por todos os cantos, onde se fazem presente os encantos, que são nossas ancestrais. A Terra é irmã, é filha, é tia, é mãe, é avó, é útero, é alimento, é a cura do mundo”.

É necessário ecoar as vozes das mulheres indígenas, elas lutam pela terra, mas lutam principalmente pelo futuro, pelo direito a ter um futuro para os seus, para nós. Lutam pelo direito de viver dentro das suas comunidades, de viver dentro de uma aldeia, de desfrutar da caça, do rio, de suas culturas, de suas linguagens, de suas medicinas tradicionais, lutam para existir.


Indígena da etnia Xikrin acompanhou votação do STF sobre marco temporal em Brasília / Carl de Souza / AFP

A luta das mulheres indígenas é legítima, é latente e é vigorosa. Mais de cinco mil mulheres indígenas de 172 povos originários deram o recado em Brasília, de que é impossível olhar para o futuro sem considerar a existência delas como sujeitas de direitos. É impossível olhar para um país que continue a menosprezar sua essência e sua origem. É impossível olhar para a política e vê-la sem a representação dos povos indígenas, das mulheres indígenas. Embora tenhamos na Câmara Federal a deputada Joênia Wapichana (Rede/RR) não é suficiente que diante da população dos povos indígenas no país, não estejam representados no Congresso Nacional.

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Esse protagonismo das mulheres indígenas precisa também ser refletido nas esferas de poder. Elas precisam ocupar a política. A luta das mulheres indígenas é central, é a defesa do território, da ancestralidade, não à toa o tema do encontro foi "reflorestarmentes", porque precisamos reflorestar mentes para poder curar o mundo, se não mudarmos as práticas e valorizar os nossos povos originários e valorizar as mulheres indígenas é tarefa urgente desta nação.

 

*Anne Moura é feminista, indígena, manauara e petista. Secretária Nacional de Mulheres do PT.  Criadora do Projeto Elas Por Elas. Participa do grupo de mulheres do Foro de São Paulo e da Copppal (Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina). Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo