Pernambuco

Coluna

A centralidade no Nordeste na história do MST

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"Gritando palavras de ordens e cantando com muita energia a canção que, na época, era uma espécie de hino da luta pela terra" - Manuela Martinoya
Talvez pela primeira vez na história desta data, o povo desce das arquibancadas

No Extremo Sul da Bahia, município de Alcobaça, era dia 6 de setembro de 1987, quando trabalhadores, de diversos municípios da região, em especial de Teixeira de Freitas , Itamaraju, Guaratinga,  Itanhém, Jucuruçu ( na época ainda um povoado de Itamaraju, hoje já emancipado) e Itabela, (também já emancipado) ocuparam a Fazenda Projeto 4045. 

Esta era pertencente à Flonibra (Floresta Rio Doce), uma das maiores empresas produtoras de Eucalipto da região. A silvicultura de Eucalipto estava em plena expansão nesta região da Bahia, devastando florestas nativas e substituindo por eucalipto. Uma espécie de planta exótica, que degrada o meio ambiente, a fauna, a flora, secando rios e nascentes, além de escravizar o trabalho. 

Em nome da expansão econômica, expulsaram das terras compradas pela empresa os  antigos moradores das fazendas, que passaram a morar em povoados ou em pontas de ruas nas periferias das cidades, trabalhando de bóias frias, em sua maioria nas fazendas de café e de eucaliptos.

Neste Sete de Setembro, dia da pátria, em que se comemora o dia da independência do Brasil, os excluídos brasileiros se mobilizaram para denunciar a tentativa de golpe deste governo genocida, lutar pelo “Fora Bolsonaro” e em defesa do estado democrático de direito. No mesmo dia, os aliados do governo fascista, milicianos, militares e evangélicos fundamentalistas, financiados pelo agronegócio, tentavam construir as condições para decretar, no Brasil, Estado de Sítio, com intervenção do Executivo nos outros poderes do Estado republicano, em especial no STF. Por outro lado, as famílias assentadas no  hoje  Assentamento 4045, relembravam e comemoravam a data da ocupação, consolidada no dia 7 de setembro de 1987, há 34 anos.  Um marco histórico na luta pela terra e na construção do Movimento Sem Terra (MST) na Bahia e no Nordeste.

O MST nasce em janeiro de 1984, no encontro de fundação do MST em Cascavel, no estado do Paraná, com a vocação de ser um movimento nacional, não apenas no nome, mas que, efetivamente, pudesse organizar e impulsionar a luta pela Reforma Agrária em todas as regiões do Brasil.  O Nordeste era prioridade maior já que aqui estava concentrada a maioria absoluta de pequenos agricultores e camponeses que viviam na condição de sem terras.

 Para nos ajudar a entender e identificar quem eram os sem terras e onde viviam, Clodomir de Morais, militante remanescente das Ligas Camponesas, no seu livro Teoria da Organização, estratifica os camponeses sem terras em: pequenos agricultores, com terras insuficiente para se desenvolver; filhos e filhas destes pequenos agricultores, em que as terras das famílias não teriam como ser divididas como herança; moradores de engenhos e fazendas; camponeses que viviam de “colocar roçado”, como meeiros, foreiros e outras formas; bóias frias e  posseiros, ou assalariados. 

Já os camponeses assalariados, Clodomir de Morais subdivide em duas categorias: os assalariados permanentes, em Usinas e Agroindústrias; e os assalariados temporários que trabalham como assalariados apenas em época de colheitas de cana, café e algodão. Ele ainda identifica o agricultor sazonal, que se desloca de uma região para outra em períodos de safra, como é o caso de camponeses do sertão e agreste do Nordeste, que se deslocavam para regiões das matas para a colheita da cana de açúcar nos engenhos e voltam para suas regiões de origem ao término da safra. Da mesma forma pode-se identificar os camponeses do Nordeste que se deslocavam para o sudeste, para ganhar algum dinheiro nas colheitas de cana e café. Esta estratificação aponta o Nordeste como a região do país com maior quantidade de camponeses sem terras e, ao mesmo tempo, com mais probabilidades de massificação da luta pela Reforma Agrária.

O primeiro congresso do MST, realizado em Curitiba, no Paraná, em Janeiro de 1985, contou com representação de todos os estados do nordeste, mas, em sua maioria, representantes de ONGs, sindicalistas que, em função de suas atividades, dificilmente teriam condições de organizar o MST em suas regiões e estados e massificar a luta pela terra realizando ocupações massivas. No Nordeste, já havia ares de conflitos, normalmente acompanhados pela CPT, como no caso da Paraíba e de Sergipe. Em Alagoas, já havia pequenos assentamentos como os assentamentos Peba e Lameirão em Delmiro Gouveia. No Maranhão, havia muitos conflitos por terras entre posseiros e pistoleiros das empresas. Muitas lutas e resistências no povoado de Buriticupu, em especial depois do deslocamento pelo Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), do companheiro Manoel da Conceição. Aqui, rendo nossa homenagem a um dos mais importantes líderes camponeses do Nordeste. 

Na Bahia, também havia muitos conflitos de terras, em várias regiões do estado, na maioria acompanhados pela Pastoral Rural e outras organizações. Mas, para o MST era necessário massificar a luta pela terra no Nordeste.

Com o objetivo de contribuir com estratégia de expansão do MST para o Nordeste, o movimento deslocou alguns militantes do sul do Brasil, com experiência no trabalho de base, para ajudar na organização, com meta de massificar a luta pela terra na região. Foram deslocados militantes para o Piauí, Sergipe e para o extremo sul da Bahia.  Nesta região foi criada, em conjunto com uma articulação sindical do campo, a Escola Sindical Elói Ferreira, com sede em Teixeira de Freitas. Esta articulava a formação desta região da Bahia, incluindo os estados do Espirito Santo e Minas Gerais. Num primeiro momento, a tarefa era fortalecer a escola sindical de formação, com objetivo de fortalecer a luta pela terra e o MST na Bahia.

Nesta região, já havia uma coordenação do movimento, mas formada basicamente por lideranças dos sindicatos de trabalhadores rurais que participavam da escola de formação. Porém, para consolidar a implantação do MST na Bahia e no Nordeste, não bastava ter coordenações e representantes, tínhamos a tarefa de construir um método de trabalho de base, que rompesse com o formato tradicional dos sindicatos, através das delegacias sindicais. Um trabalho que ampliasse a base, para além dos camponeses sindicalizados. O método tinha como objetivo imediato convencer as famílias de trabalhadores rurais a participarem da ocupação.

Em maio de 1987 o trabalho de base voltado para a realização da primeira ocupação de terra foi reforçado. No primeiro momento, foi um processo de capacitação e treinamento em relação ao método de trabalho de base e de planejamento, com a definição de metas como o número de municípios a serem organizados, o trabalho de base, metas de grupos de base a serem organizados, famílias preparadas para a ocupação e tempo previsto. 

Lembrando que nesta jornada de trabalho de base, contamos não só com militantes dos sindicatos, mas também, e em especial, militantes das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) de Teixeira de Freitas, Itanhém e Itamaraju.  Em Itamaraju, os frades capuchinhos, principais apoiadores do MST na região, coordenavam o seminário de formação de sacerdotes, com muitos jovens inseridos nas comunidades da paróquia, que foram determinantes para a realização do trabalho de base.

Enfim, depois de 3 meses intensivos de trabalho de base, o MST ocupa a fazenda denominada como Gleba 4545, da empresa de produção de Eucalipto. A ocupação foi realizada por mais 350 famílias. Esta ocupação marcou a construção do MST no Nordeste. Apesar de algumas resistências por parte de alguns movimentos sociais da região, que, com cautela, justificavam que o método que o MST usava para mobilizar famílias sem terra poderia não dar certo no Nordeste. Para algumas ONGs, o povo não tinha cultura de massificação, de luta etc. Certamente desconheciam o que foi a luta de Canudos, Caldeirão Grande e, mais recentemente, as lutas por Reforma Agrária das ligas Camponesas. 

A Ocupação na Bahia inspirou, do ponto de vista político e metodológico, uma rápida expansão e massificação da luta pela terra no Nordeste, a consolidação de um movimento de massas forte na região. De 1987 a 1990, todos os estados do Nordeste consolidaram a implantação do MST. Os dois últimos estados foram Pernambuco, em 1989 e, por fim, o Rio Grande do Norte. No RN, iniciamos o primeiro contato em Jucurutu, no Sertão, e realizamos a primeira ocupação no Município de João Câmara.

Por fim, no dia 7 de setembro de 1987, a primeira ocupação massiva do Nordeste foi consolidada. Apenas recordando que o critério era participar da ocupação eram famílias inteiras, com mulheres, crianças, lonas para construir o barraco, utensílios de cozinha, ferramentas de trabalho e muito mais. No sete de setembro, que normalmente as famílias iam para cidades verem os filhos marcharem nos desfiles do dia da pátria, o novo acampamento, que ganhava formato com as barracas, foi sendo erguido. Foi convocado o chamado Desfile dos Sem Terras, ou “Grito dos excluídos da Terra”. Este desfile consolida a primeira ocupação massiva.  Por isso, na Bahia, se comemora, no dia 7 de setembro, o dia da primeira ocupação massiva do Nordeste. 

 No desfile, talvez pela primeira vez na história desta data, o povo desce das arquibancadas e vai de espectador a protagonista. Foram organizadas por ordem: primeiro as crianças, jovens e, por fim, mulheres e homens, com as ferramentas de trabalho. Gritando palavras de ordens e cantando com muita energia a canção que, na época, era uma espécie de hino da luta pela terra. “A Grande Esperança” ou simplesmente,  “A Classe Roceira”:

"A Classe Roceira e a classe operária

ansiosa esperam a Reforma Agrária

sabendo que ela dará solução

para a situação que está precária

Saindo o projeto do Chão brasileiro, 

de cada roceiro, plantar sua área; 

sei que miséria ninguém viveria

e a produção já aumentaria 

quinhentos por cento até na pecuária"

(Zilo e Zalo)

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga