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Educação

Artigo | Bolsonaro e a falta de compromisso com a educação e com a democratização do ensino

A gestão de Milton Ribeiro no Ministério da Educação é marcada pelo menor número de inscritos no ENEM.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Os tsunamis da educação de 2019 mobilizaram os estudantes para lutarem contra os ataques do governo Bolsonaro.
Os tsunamis da educação de 2019 mobilizaram os estudantes para lutarem contra os ataques do governo Bolsonaro. - Foto: ADUFC

No ano do centenário de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, figura que representa a concepção da educação libertadora, crítica e conscientizadora, nos deparamos com declarações do atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro, defendendo a tecnicidade do ensino e uma universidade, em suas palavras: “para poucos”.

Há quem defenda que a sentença em questão foi apenas uma frase mal colocada do ministro, mas a prática da condução das questões que dizem respeito à educação na gestão do governo Bolsonaro nos aponta que não se trata de uma frase mal colocada, mas sim, de mais um ministro mal colocado, tendo em vista atender ao projeto do governo de desmonte da educação.

Em um cenário de cortes orçamentários para a educação, sucateamento das universidades, tentativas de privatização das universidades públicas e intervenções nas reitorias, ações protagonizadas pelo ainda ministro Weintraub somadas às últimas afirmações do atual ministro Milton Ribeiro, a verdadeira face da concepção de educação de um governo autoritário de extrema-direita se apresenta: formar sujeitos com capacidade técnica para servir ao mercado e não sujeitos conscientes que produzam conhecimento a serviço da coletividade.

A falsa dicotomia entre o ensino técnico e a carreira universitária, apresentada nas entrelinhas pelo ministro Milton Ribeiro, é uma tentativa de jogar os estudantes para lados opostos da luta em defesa da educação. Mas a educação não pode servir como uma moeda de barganha e os estudantes não podem ser coagidos a terem que escolher para onde devem ir os investimentos federais em educação. O destino dos investimentos deve servir à totalidade das instituições de ensino. A única escolha à qual os estudantes devem ser submetidos é ter o direito de decidir em qual instituição de ensino irão ingressar.

A gestão de Milton Ribeiro no Ministério da Educação, no entanto, é marcada pela lamentável marca de menor número de inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) dos últimos 15 anos, contando com apenas 3,1 milhões de inscritos para prestar a prova de acesso ao Ensino Superior, de acordo com pesquisa do Inep.

O baixo número de inscritos para a edição de 2021 do ENEM é um dado multifatorial, não sendo nenhum deles a falta de interesse dos estudantes, como o Governo Federal tenta justificar, mas, sobretudo, o descaso com as pautas da educação.

A queda está diretamente relacionada às regras para obtenção da isenção da taxa de inscrição – que previam que, se um aluno que pede a isenção da taxa não comparece ao exame, ele não tem direito a recebê-la no ano seguinte. Devido a pandemia, entretanto, mais da metade dos participantes se abstiveram de comparecer ao exame em 2020. Para conceder novamente o benefício da isenção aos alunos que faltaram no ano passado, o MEC não aceitou o medo de contágio pela covid-19 como motivo justificável. Ou seja: quem deixou de fazer a prova porque não queria se expor ao risco de se contaminar perdeu o direito à isenção nesta edição.

Em um cenário de crise econômica, onde os estudantes mais pobres já se encontram prejudicados financeiramente, e em função do ensino remoto, que foi menos efetivo para essa parcela dos estudantes, o governo Bolsonaro demonstra a sua falta de compromisso com a educação e com a democratização do ensino. A postura do Ministério da Educação deveria ter sido no mínimo a de rever essa regra da isenção de taxa, mas essa inação somada às declarações de que o espaço universitário deve ser para poucos escancara a verdadeira face do projeto de educação do governo Bolsonaro: um projeto de educação excludente, que não tem em seu horizonte programático a acessibilidade e a popularização do ensino superior.

Em visita recente ao Ceará, para a inauguração do novo campus da UFC em Itapajé, o ministro Milton Ribeiro foi recepcionado com um protesto organizado pelas forças políticas que constroem o movimento estudantil, membros do Diretório Central dos Estudantes da UFC e estudantes de diversos cursos que foram prestar o seu descontentamento para com o projeto de educação que tem sido tecido pela gestão do atual ministro.

Os estudantes, que estavam exercendo o seu democrático direito de protestar, foram recebidos com uma reação desproporcional de truculência por parte dos guardas (patrimoniais) da Universidade Federal do Ceará que, em teoria, deveriam desempenhar o papel de prezar pela estrutura material da universidade, mas a gestão da reitoria da UFC, alinhada ao bolsonarismo, aliada a gestão do MEC do governo Bolsonaro, usa de todas as armas para atacar os estudantes, contrariando até mesmo o papel definido da segurança da instituição e instrumentalizando em prol dos seus interesses individuais.

O escracho realizado pelo conjunto dos estudantes ao ministro da educação é a expressão da indignação ao projeto de desmonte da educação, bem como da disposição da classe estudantil de defender a educação. Os tsunamis da educação de 2019 mobilizaram os estudantes para lutarem contra os ataques do governo Bolsonaro, e essa mobilização tem adquirido um caráter permanente de conscientização e apropriação dos estudantes da pauta da defesa da educação e da necessidade de uma concepção inclusiva, democrática e popular do ensino.

É tempo de exercitar na prática o legado de Paulo Freire e construir os caminhos para a concepção de uma educação crítica, conscientizadora e libertadora, engajada socialmente e que esteja a serviço do progresso social, educação essa que será edificada pela mobilização dos estudantes que historicamente no Brasil desempenham um importante papel de vanguarda da defesa da nação e do povo brasileiro, e no momento conjuntural atual têm a tarefa histórica de derrotar essa concepção autoritária e anti-popular de educação representada pelo governo Bolsonaro.

*Membro da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude e Diretora da UNE

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa