Rio Grande do Sul

Coluna

Feminismo negro: símbolo de resistência

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Geneci Flores é moradora e liderança do Quilombo dos Flores em Porto Alegre - Foto: Luíza Dorneles
Por nossa força e pela força que vem de nossas ancestrais, nos tornamos lideranças

25 de Julho marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Essa data surgiu em 1992, em Santo Domingo/República Dominicana, durante um encontro em que mulheres negras colocaram em pauta diversas formas de exploração e racismo. A partir dali criaram uma Rede de Mulheres que pressionou a ONU a se inserir na luta contra todas as formas de opressão contra as mulheres negras.

No Brasil sob a lei n° 12987/2014, este dia também foi instituído como Dia Nacional da Mulher Negra e tornado uma data em homenagem a Tereza de Benguela, líder Quilombola, símbola de resistência, que assumiu o Quilombo do Quariterê, após a morte de seu marido José Piolho.

Um olhar para a desigualdade

Esta data nos faz refletir sobre nossas vidas de mulheres negras, em todos os seus aspectos: social, político, familiar, econômico. Ser mulher não é fácil, mas ser mulher negra latino-americana e caribenha é muito mais difícil. Porque mesmo que a gente saiba da nossa importância para a existência de cada um dos países desta região, ainda enfrentamos muitas formas de violência.

Para Geneci Flores, liderança do Quilombo dos Flores, “ser vista só pela cor de pele dói e dói muito. Ser mulher negra e ter filhos negros exige cuidado em dobro, porque nós sabemos o que eles podem passar: as dificuldades, as ofensas, os olhares maldosos, etc.”

“Temos pouca representação política e nossa voz quase não é ouvida. O simples ato de escrever se torna um grande desafio. Tanto porque é uma tarefa a mais, além de todas as que assumimos cotidianamente, quanto porque não fomos educadas para acreditar que podemos fazer isto: escrever sobre nós. Algo que para uma pessoa branca letrada seria bem mais fácil.”


Hannah Rodrigues é moradora da zona rural de Viamão, permacultora / Foto: Katiucia Gonçalves

Um exemplo disto é Hannah Rodrigues, moradora da zona rural de Viamão, que cria sozinha seu filho Isaque de 6 anos, enquanto trabalha na terra. Além do que consegue colher, ela gera renda com a produção de pães caseiros, mas, mesmo contando com recurso do Bolsa Família, a renda mensal não chega a R$ 500,00. “Decidi que ia escrever no meio de tantas tarefas, porque quero contar a minha história e ser lembrada, assim como tantas outras mulheres que como eu estão lutando pra mudar este mundo tão desigual, que nos faz pensar que não somos capazes nem de escrever sobre nós”, diz ela.


Helena Fagundes é moradora da Vila Pinto, Bom Jesus, em Porto Alegre / Foto: Cris Medeiros

Helena Fagundes, moradora do Jardim Carvalho em Porto Alegre, lembra que “as desigualdades ficaram mais acentuadas nessa pandemia, com o aumento da violência, a perda de renda e o isolamento social, gerando mais fatores de desigualdade”.


Jocelaine Santos da Silva é moradora da zona Sul de Porto Alegre / Foto: Lisiane Barbosa

Sobre isso, Jocelaine Santos da Silva, moradora da zona Sul de Porto Alegre, mãe de 3 filhos aos quais criou sozinha, comenta “nessa pandemia, em que muitas mulheres passaram e passam por dificuldades tanto financeira como psicológica, me veio a pergunta como foi chegar até aqui. Muitas mulheres morreram por nossos direitos e muitas ainda morrem e lutam para manter e termos outros direitos. Muitas de nós ainda saem nas ruas e gritam por liberdade de poder ir e vir”.

Protagonismo Negro – organizar para resistir

Dia 25 de Julho também é uma data para dar visibilidade às mobilizações e ao resultado das construções coletivas, como as eleições de 2020 onde tivemos o maior número de negras, negros e LGBTs, candidatos eleitos. Mesmo na pandemia mulheres se juntaram para desenvolver iniciativas para ajudar outras mulheres nesses enfrentamentos, sendo em encontros presenciais, respeitando todos os protocolos da Saúde, ou através de grupos de estudos, fortalecendo vínculos e criando redes.

Isto mostra a força das mulheres negras que, com nossas mãos fortes, ajudamos umas às outras. Por nossa força e pela força que vem de nossas ancestrais, nos tornamos lideranças, estamos na política e em todas as áreas profissionais.

Hoje em dia nós servimos a nós mesmas. Estamos inspirando um futuro melhor para que nada que nossas avós e mães tenham passado a gente e nossos filhos e filhas venha a passar também.

Geneci Flores - moradora e liderança do Quilombo dos Flores/Porto Alegre

Hannah Rodrigues – moradora da zona rural de Viamão, Permacultora, integrante das redes do bem viver

Helena Fagundes – moradora da Vila Pinto/Bom Jesus/Porto Alegre, integrante do grupo COPEARTE

Jocelaine Santos da Silva – moradora da Cascata/Porto Alegre, integrante da Coletiva Feminista Outras Amélias - Mulheres de Resistência e Luta

* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko