Ceará

Entrevista

Prisão DJ Ivis: “Movimento feminista grita por justiça para as mulheres”

DJ Ivis teve sua prisão preventiva concretizada. A professora Zuleide Queiroz falou com o Brasil de Fato sobre o caso.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Ato “Mulheres Cearenses Denunciam Agressor DJ Ivis”, realizado ontem (14), na Praça da Imprensa, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza. - Foto: Francisco Barbosa

Nessa quarta-feira (14), o governado do Ceará, Camilo Santana (PT) anunciou em suas redes sociais a prisão preventiva do DJ Ivis. “Acabo de ser informado pelo nosso secretário de Segurança da prisão do DJ Ivis, no caso das agressões a Pamella Holanda. A prisão preventiva havia sido solicitada ontem [13] pela nossa Polícia Civil e decretada há pouco pela Justiça. Que responda pelo crime cometido”. A prisão aconteceu três dias após a divulgação das imagens de agressão na internet. Ele foi levado à Delegacia Metropolitana do Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza, chegando à unidade aproximadamente às 18h, saindo por volta das 19 horas.

Ainda na manhã de ontem, foi realizado o ato “Mulheres Cearenses Denunciam Agressor DJ Ivis”, na Praça da Imprensa, no bairro Dionísio Torres. A ação foi um movimento auto-organizado por coletivos partidários e movimentos populares e feministas que pediam o fim da violência contra a mulher e a prisão do DJ Ivis. Thalita Vaz, do Levante Popular da Juventude esteve presente no ato e afirma que a ação não foi só por Pamella, mas por todas as mulheres. “O estado do Ceará é um dos piores na cena de violência contra a mulher. E a resposta que a gente precisa dar, hoje foi muito pontual, mas também tem que ser maior a cada dia que passa. Não podemos deixar esse caso passar despercebido por ninguém e precisamos denunciar cada vez mais todas as violências que essas mulheres sofrem sejam elas psicológicas ou físicas também”.

Para falar mais sobre o caso, o Brasil de Fato Ceará ouviu Zuleide Queiroz, professora, mulher negra, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e do Movimento Negro Unificado (MNU). Ela explica que nesse caso, além da prisão do agressor, espera que Pamella tenha todos os direitos para seguir em frente: atendimento psicológico, apoio financeiro, que permaneça na sua moradia, pois, de acordo com ela, são sempre as mulheres que precisam sair do convívio social neste contexto da impunidade. Além disso, que a sociedade cearense acolha a Pamella e, através dela, todas as mulheres agredidas que ela representa. “Quero dizer que nosso feminismo é para todos e todas e todes que lutam pela vida, pela liberdade de expressão, pois liberdade é nunca ter medo!”.


A ação foi um movimento auto-organizado por coletivos partidários e movimentos populares e feministas que pediam o fim da violência contra a mulher e a prisão do DJ Ivis. / Foto: Francisco Barbosa

Confira a entrevista completa

Brasil de Fato – Mais uma vez vemos um caso de agressão contra mulher. Na sua opinião, por que isso ainda acontece?

Zuleide Queiroz – Acontece principalmente pela impunidade, ou seja, pela falta de justiça e de políticas públicas efetivas. E junto a falta de acolhimento às denúncias e situações vividas por mulheres, em especial nas suas casas. Este tipo de violência acontece em todos os lugares. Cada pessoa que ler esta entrevista vai ter um caso que presenciou, que escutou relato da própria mulher ou de alguém da família.

Os agressores são a concretude de um modelo de sociedade que se estrutura na violência ao poder do homem, cis, branco, com posses. Por isso mesmo a violência é moral, patrimonial, psicológica e física. Como estão no controle da política, da comunicação, da economia, constroem a sociedade para si, e quem questionar este lugar, será punido pelas suas leis. E quem resistir morre. Foi isso que assistimos historicamente. A impunidade permite o homem ser violento e não ser julgado, por exemplo. E se ele é rico e famoso, ele não será atingido pela força da Lei.

Brasil de Fato – Como você avalia esse caso específico do DJ Ivis e Pamella Holanda?

Zuleide Queiroz – Nós, que somos do movimento de mulheres, recebemos todos os dias denúncias deste tipo. Quero lembrar que a violência sofrida pela Pamella, registrada pelos vídeos é anterior e aconteceu já de muitas formas. Vejamos o que nos fala a Lei Maria da Penha: com certeza junto com a violência física já acontecia a violência moral, patrimonial e psicológica. Testemunhas vão dizer o que ele já fazia com ela e dizia com ela.

Lamentavelmente muitas pessoas não conseguem compreender a importância da denúncia. Ou o poder dele de homem, famoso, provedor. Seu lugar intimidou por muito tempo pessoas e a própria Pamella de formalizar a denúncia. A filmagem é a prova do que muita gente já sabia. O que o agressor faz com ela nos vídeos é atitude de quem tem “posse” do corpo do outro. Assim é que o patriarcado funciona: dono de tudo, da vida, do corpo, da fala.…

Se não tivesse a filmagem me pergunto quantos estariam se pronunciando a favor da Pamella em uma denúncia na delegacia? Ou acolhendo a sua dor?
Por isso o movimento de mulheres não pode dar trégua, como afirmamos: “não temos tempo de chorar nossas mortes”, pois a cada minuto 25 mulheres sofrem violência. 

O estado do Ceará está na lista dos estados que mais são registradas agressões contra mulheres. Um dos mais perigosos para as mulheres e nossas LGBTQIA+.

Brasil de Fato – Qual o sentimento que fica com a divulgação das imagens?

Zuleide Queiroz – Sou mulher negra. Quero dizer que como feministas afirmamos mais do que nunca: “machistas não passarão”. Como professora e mãe não poderei ficar calada, além de ter que abraçar e acolher Pamella – esta é uma das ações dos movimentos feministas.

Neste caso específico, iremos acompanhar e exigir justiça. Ela não estará sozinha, nem que precisemos ir pras ruas! Por ela e por nós! 
Vamos acompanhar as ações jurídicas e exigir efetivas políticas públicas para nós.

Dizer para a Ministra Damares que não basta denunciar para o 180. Queremos recursos para as políticas para as mulheres. Queremos acabar com todas as formas de violência e isso inclui o fascismo.

Somos aquelas que derrubaremos o Bolsonaro e junto com ele os machistas, que se apoiam em pronunciamos e práticas deste governante. 

Brasil de Fato – O DJ Ivis ganhou mais seguidores depois da divulgação das agressões. O que isso representa?

Zuleide Queiroz – A política do governo federal tem dado espaço para o aumento da violência. Isto é fato: aumento do número de violência domestica, deixando cada vez mais precária a condição das nossas mulheres pobres. Vamos lembrar das nossas mães solo e das empregadas domésticas, do caso emblemático do pequeno Miguel, criança que morreu no apto da patroa da sua mãe.

Mesmo antes da pandemia é importante lembrar que fascistas e machistas já estavam nas redes sócias nos atacando. Lembrando a ameaça de morte à Lola, professora e escritora.

O feminismo tem incomodado machistas do lar e eles se vêem representados por famosos e políticos machistas. Eles não tem seguidores, eles seguem alguém. Vamos lembrar e ver isso. Estes seguidores se reconhecem e imitam o que aprenderam no contexto de uma sociedade que é racista, machista e agora com presidente fascista.

Se acham no direito de mandar e decidir nossas vidas. Mas nosso levante feminista começou a um tempo e só cresce. Não seremos mais interrompidas.

Isso incomoda. Como não vão conseguir no debate político com a sociedade, nos ameaçam e nos matam. Mas, como disse Marielle Franco, “já somos sementes e brotaremos até mesmo do asfalto”.

Brasil de Fato – Quais as redes de apoio que as mulheres têm, ou teriam que ter, nesses casos de violência?

Zuleide Queiroz – É importante salientar que as redes de acolhimento e atendimento às mulheres foram resultados de luta e conquista das mulheres. Se hoje temos Delegacias Especializadas de atendimento às mulheres, juizado especial, casa da mulher brasileira, casas abrigo, tudo foi arrancado por nós na luta por políticas públicas.

Ao longo destes anos avançamos na política, mas no financiamento foi sempre um desastre. Ainda não temos atendimento suficiente e instituição para acolher tantas mulheres violentadas. Muitas vezes nosso trabalho voluntário é o que tem sustentado e acolhido as mulheres, e ainda não temos estes serviços abertos 24 horas, pois as mais graves violências acontecem a noite e nos finais de semana.

Brasil de Fato – O que a prisão do DJ Ivis representa e por que ela demorou três dias para ser realizada?

Zuleide Queiroz – Sobre a prisão do DJ Ivis. O exemplo concreto de como funciona essa sociedade patriarcal e machista, a demora das coisas acontecerem e a justiça acontecer também. Você viu que essa prisão ela vai se dar em função de todo o movimento que foi feito nas redes sociais e no próprio movimento de mulheres que ontem precisou ir para as ruas para protestar. Então se a gente não faz esse movimento, se não faz notas, se não os companheiros, e o legislativo e o executivo a gente não consegue que a legislação saia do papel, então nós lutamos por políticas públicas e nós lutamos por uma legislação como a gente lutou pela Lei Maria da Penha a Lei do Feminicídio, a mudança do Código Penal Brasileiro, instalando a importunação sexual, tudo isso é fruto de muita luta e queremos dizer que nós estamos, hoje o movimento de mulheres se sente muito representado por tudo que aconteceu, por toda a luta que fez nesses três dias e que resultou, sim, na prisão do agressor e ele vai agora para justiça, nós não tiramos o direito à justiça dele, agora, que ele seja, nesse momento, julgado pelos crimes que ele cometeu, porque não foi só violência física, tem a violência moral e patrimonial. E como eu volto a dizer, normalmente as mulheres é que saem do seu lugar, ela que se expõe, seus filhos são quem ficam marcados, então assim, essa prisão ela é muito importante. A nossa maior preocupação do movimento de mulheres hoje é como vai ficar a vida dessa mulher e dos seus filhos.

Brasil de Fato – O que se espera da justiça sobre esse caso?

Zuleide Queiroz – O movimento de mulheres grita por justiça para as mulheres. Não à impunidade. No caso da Pamella, a prisão ao agressor e que ela tenha todos os direitos para seguir em frente: atendimento psicológico, apoio financeiro, permaneça na sua moradia, pois são sempre as mulheres que precisam sair do convívio social neste contexto da impunidade. Que a sociedade cearense acolha a Pamella e através dela todas as mulheres agredidas, que ela hoje representa. Que as pessoas compartilhem mensagem de apoio à Pamella e repudiem mensagens machistas. E que não aceitem no seu espaço de convivência com agressores e machistas. Quero dizer que nosso feminismo é para todos e todas e todes que lutam pela vida, pela liberdade de expressão, pois liberdade é nunca ter medo.

Edição: Monyse Ravena