Rio Grande do Sul

Veneno na mesa

Artigo | Carta aos deputados e deputadas gaúchas sobre a aprovação do PL 260

"Se o agro do tabaco e da soja transgênicos resolvesse a fome, não estaríamos vivendo sem pão, sem gás de cozinha"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Por 37 a 15, deputados gaúchos liberam o uso no território gaúcho de agrotóxicos proibidos nos países em que são fabricados - Leandro Molina

Estimada Deputada e Estimado Deputado

Escrevo-lhes, Excelências, para agradecer.

Agradecer a quem bravamente defende o Rio Grande do Sul para que este território não seja um lixo de agrotóxicos banidos na Europa. 

Ontem, 37 parlamentares votaram o PL 260/2020 para retirar a cláusula de proteção contra duplos padrões regulatórios sobre agrotóxicos. Isto é, aprovaram a retirada da exigência estadual que apenas agrotóxicos autorizados nos países de origem pudessem ser habilitados para registro no RS.

Agradecer, apesar de que algumas Excelências tenham excretado um voto por mais mortandade de abelhas, por mais câncer em agricultores gaúchos, por mais lucro de corporações transnacionais e não do agricultor endividado.

Votaram por mais abortos silenciados e causados por agrotóxicos na população rural, por mais perdas econômicas a parreirais degradados irreversivelmente pela deriva, por água potável cada vez mais contaminada.

Se o agro do tabaco e da soja transgênicos resolvesse a fome, não estaríamos vivendo sem pão, sem gás de cozinha, sem geladeira em alguns casos. Às corporações de agrotóxicos, a isenção fiscal na venda; já à gauchada, o lixo químico no prato, no rio, na água do chimarrão que nos aquece em meio ao frio.

E por que agradecer em meio a isso?

Agradecer por que não passará em definitivo esta traição a quem mais sofre os efeitos devastadores do pacote corporativo agrotóxicos-transgênicos. 

Nossa soberania alimentar é nosso direito de escolha sobre qual sistema de produção serve às nossas necessidades atuais e futuras. Esse sistema é o MST, é a agroecologia, é a produção orgânica de Nova Santa Rita, é o sistema que nossas avós e avôs cultivavam em hortas para autoconsumo, é o sistema que alimenta com feijão e arroz no prato mesmo em tempos de pandemia e crise, é o sistema que doou mais de 3.400 toneladas de alimentos nos 24 estados do país: Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

Somos 241 entidades que assinaram a Carta Mais Vida, menos veneno. Apesar desses 37 votos, o direito de escolha dos nossos sistemas alimentares passa por utopias reais, como essas que nos servem de horizonte. Ditas utopias reais daquelas que esperançamos possam servir a tantas pessoas mais. E horizontes, relembrando Galeano a Vossas Excelências, nos permitem continuar a caminhar. 

*Conselheiro do CONSEA-RS (2019-2021), advogado e mestre em Direito da Sustentabilidade e Sociobiodiversidade (UFSM), membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares/RS

*** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira