Rio Grande do Sul

Coluna

Por uma sociedade sem Neymares

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Neymar, do alto de seus 27 anos, é tratado como garoto não apenas por familiares e amigos, mas também por uma parte da sociedade que julga conveniente não cobrar responsabilidades de certa casta
Neymar, do alto de seus 27 anos, é tratado como garoto não apenas por familiares e amigos, mas também por uma parte da sociedade que julga conveniente não cobrar responsabilidades de certa casta - Mauro Pimentel/AFP
Mudanças irão acontecer com denúncias das mulheres nas delegacias, nas redes sociais e no cotidiano

A denúncia de abuso sexual feita por uma funcionária da Nike chega ao ponto de interromper o contrato, provavelmente milionário, que Neymar tinha com a empresa desde seus 13 anos de idade.

E nós felizonas!

Já pensaram se a partir de agora, os jogadores (e outros tantos privilegiados) passassem a perder dinheiro pelo que fazem às mulheres? Será que a gente pode brincar de sonhar que este fato vai repercutir sobre nossas vidas e que não teremos mais gerações como Bruno esquartejando mulheres e, ainda, sendo beneficiado com regime semiaberto? Ou como Robinho, que, apesar de seu jeitinho de menino brincalhão, participou do estupro coletivo de uma jovem albanesa, por quem demonstrou “particular desprezo em relação à vítima, que foi brutalmente humilhada”? Ou como Jean, que deu oito socos no rosto da esposa e foi perdoado pelo seu clube? E vai tudo muito bem com sua carreira.

Assim vão (ou iam?) os meninos brincalhões do futebol, dizendo “elas que provocaram”, ou “as mulheres estavam querendo aparecer, ou ganhar dinheiro…”.

Atenção: Neymar foi denunciado pela segunda vez por estupro. (E será que há outros abusos que nem chegaram a ser denunciados?) Será que os bons alunos do sistema patriarcal pretendem naturalizar a violência como quem vê uma planta crescer? Na primeira, foi defendido pelo argumento de que era apenas um menino brincando… “o distúrbio mais latente desse escândalo midiático é a síndrome do homem adulto infantilizado. Mesmo acusado de um crime grave, Neymar, do alto de seus 27 anos, é tratado como garoto não apenas por familiares e amigos, mas também por uma parte da sociedade que julga conveniente não cobrar responsabilidades de certa casta (...), seja por status social, econômico ou de gênero” (El País, BR, 2019/06/07).

Será que também podemos imaginar que nas telas do cinema não existirão mais Woody Allen, denunciado pela filha, pelos abusos sexuais sofridos, e ninguém “ouvindo”, por medo de perder o trabalho com o estuprador bem-sucedido? Nem violências terríveis, como a que ocorreu no Último Tango em Paris, contra Maria Schneider. Vocês lembrarão que Marlon Brando enfiava manteiga no cu da moça, da Maria, não só da personagem, ela com 19 anos e ainda virgem. Mas se não fosse virgem, seria igualmente grave, porque ela não foi escutada, nem antes, nem durante, nem depois. A fraternidade entre ator e diretor deixou deprimida a atriz pelo resto da sua vida.

Em entrevista, o diretor Bernardo Bertolucci reconhece que não atuaram bem, porém que voltaria a fazê-lo (El País, BR, 2016/12/05).

Felizmente o Oscar deste ano trouxe algumas esperanças. O filme ganhador de roteiro original é, justamente, Bela Vingança, sobre abusos sexuais e estupros coletivos. Algo está mudando graças à pressão das oprimidas. Não é à toa que Hollywood teve diretoras mulheres e não brancas concorrendo ao Oscar de direção. E ganhando!

Será que, se as financiadoras de Último Tango em Paris tivessem sabido do ocorrido, teriam mantido seu apoio? Na época, com certeza, hoje, 2021, não sabemos.

Voltamos ao início, a ruptura de um contrato será suficiente para mudar esse quadro? Ajuda. Com certeza, mas mudanças irão acontecer com as denúncias das mulheres nas delegacias, nas redes sociais e no cotidiano. E isso só pode ter sustentação com a nossa organização dentro de grupos feministas e de apoio. Apenas com uma ação consciente e coordenada poderemos forçar a mudança de comportamento dos homens e a percepção da sociedade sobre esse tema.

Para fechar com chave de ouro, temos a aventura de outro brincalhão, médico, dr. Sorrentino, que agrediu e humilhou publicamente a jovem vendedora egípcia.

Temos muito trabalho pela frente, mas não vamos nos desanimar, pelo contrário, vamos nos animar porque uma mulher, uma funcionária, conseguiu expor o abusador, e retirá-lo de sua condição de privilegiado, revertendo um contrato milionário.

Está na hora da gente anular os contratos com os Neymares. Ou, quem sabe, de anular os Neymares?

Clarisse Chiappini Castilhos, economista

mariam pessah, escritora

* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko