Cidadania

Na pandemia, UFABC promove curso a distância para egressas do sistema prisional

Serão oferecidas aulas com temáticas de raça, gênero e classe social e oficinas sobre práticas jurídicas e jornalísticas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A proposta é reunir em um único espaço teorias e vivências, além de oficinas com informações jurídicas e práticas de escrita como instrumentos de reinserção dessas mulheres e de emancipação
A proposta é reunir em um único espaço teorias e vivências, além de oficinas com informações jurídicas e práticas de escrita como instrumentos de reinserção dessas mulheres e de emancipação - Agência Brasil

A Universidade Federal do ABC (UFABC) lança o curso de extensão “Educação transforma, liberta e emancipa vidas”, voltado a egressas do sistema prisional, a mulheres com familiares presos e a jovens que estejam cumprindo medidas no sistema socioeducativo. A iniciativa é de professores e estudantes da instituição.

O curso é gratuito, ocorrerá no formato virtual entre os dias 17 de julho e 13 de novembro, aos sábados, e conta com o apoio de grupos de pesquisa e organizações como "Libertas, Amparar, Recomeçar", "Responsa", "Nós Por Nós" e "Nova Rota Inclusão Pela Educação". As inscrições irão até o próximo domingo, dia 23 de maio, e as pessoas interessadas devem informar se têm acesso a equipamentos e à internet.

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Nesta primeira edição, serão ofertadas 40 vagas. A proposta é reunir em um único espaço teorias e vivências, além de oficinas com informações jurídicas e práticas de escrita como instrumentos de reinserção dessas mulheres e de emancipação. Serão oferecidas aulas sobre punição, sistema prisional, desigualdades, classe social, gênero, raça.

Uma das palestrantes, que também participará com aluna do curso, é a estudante de Serviço Social Camila Felizardo, que esteve no cárcere dos 18 aos 22 anos.

Hoje, aos 30 anos, a pesquisadora, que compõe os grupos de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça (Seviju), da UFABC, e de Estudos e Pesquisas em Educação em Regimes de Privação da Liberdade, da USP, fala sobre a abertura das portas da universidade pública para mulheres egressas da prisão.

“Um curso como esse certamente terá impacto na vida de qualquer sobrevivente do cárcere porque representa a oportunidade de termos acesso à informação, um dos direitos que nos é negado, mesmo que esteja previsto na Constituição Federal. Estamos falando de uma classe excluída, majoritariamente de pessoas negras, com baixa escolaridade e desempregadas. Pessoas que, desde sua base, são marginalizadas, discriminadas e estigmatizadas”, afirma.

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Frente ao que define como uma cultura punitivista e de encarceramento em massa, Camila defende a educação como ferramenta de transformação: “O conhecimento permite de fato a emancipação e a oportunidade de as pessoas escolherem novos caminhos. A educação é uma forma de resistência para existirmos”.

Coordenadora do curso, a socióloga e professora Camila Nunes Dias, também fala sobre o papel da educação.

“Na base de tudo isso, temos a educação notadamente através da função primordial da universidade pública e efetivamente através do tripé que a sustenta: a produção de conhecimentos científicos, a transmissão desse conhecimento através da formação e a relação com a sociedade, por meio da contribuição com o desenvolvimento social, e a defesa dos direitos de todas e todos por meio da busca por igualdade e democracia”, explica Camila Dias, que coordena o Seviju e é pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.

Formação na pandemia

O Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo, segundo a International Centre for Prison Studies. Ao todo, 755.274 pessoas estão encarceradas no país, como apontam os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do primeiro semestre de 2019.   

As últimas décadas evidenciam não apenas um cenário do aumento do encarceramento como também a presença feminina cada vez maior no sistema prisional. Dados da 2º edição do Infopen Mulheres, do Ministério da Justiça, de 2018, mostram que a taxa de aprisionamento de mulheres cresceu 455% em um período de 16 anos, entre 2000 e 2016.

Para a socióloga Rosângela Teixeira, pesquisadora do sistema prisional feminino no estado de São Paulo, a partir do conhecimento científico e acadêmico do espaço da universidade, as mulheres terão a oportunidade de problematizar suas vivências nas prisões, bem como os impactos após a saída do sistema prisional.

“Acredito que elas poderão elaborar de forma conjunta e coletiva, através das cientificidades no que diz respeito ao gênero, à classe social, à raça, à prisão e ao sistema de justiça, reflexões acerca do que elas vivenciaram dentro e fora das grades”, aponta.

Ela também fala sobre o que representa conceber este curso durante a pandemia.

“O curso é um projeto político de embate frente ao aumento do encarceramento, de mortes da população de mulheres, da população negra e periférica. Seja em decorrência de mortes violentas, como a chacina recente que tivemos no Jacarezinho (RJ), seja por conta do alto número de mortes de mulheres pela covid-19. Sem falar que não temos nem mesmo como dimensionar os impactos da doença no sistema prisional”, diz Rosângela, que recentemente defendeu tese de doutorado sobre o encarceramento de mulheres em São Paulo e as dinâmicas do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Edição: Vinícius Segalla