Paraíba

ANÁLISE

A Hecatombe brasileira parte II: infodemia e negligência

"Nessa situação, surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa"

João Pessoa - PB |
Fake news e desinformação marcam a condução da pandemia pelo governo Bolsonaro - Reprodução Arte IQC

Por Adarlam Tadeu da Silva* 

Já se foram 403 dias, 57 semanas, 1 ano e 1 mês, 373.335 vidas ceifadas desde a primeira morte por Covid-19 no Brasil em 12 de março de 2020. É muito difícil não se manifestar de alguma forma. Quero relembrar, nas próximas linhas, alguns acontecimentos públicos, pelos quais defendo que, no Brasil, para além da pandemia e da sindemia, prevalece uma deliberada e literal hecatombe. As expressões, os vocabulários, as terminologias, tais como as palavras: hecatombe, morticínio, genocídio, extermínio, massacre, chacina, carnificina e necrótico/a, refletem as interfaces de uma única lente ou de um mesmo espelho. 

O primeiro episódio do governo federal foi titubear e levantar dúvidas a respeito da repatriação dos/as 34 brasileiros/as que se encontravam em Wuhan na China. Essa ação foi denominada de “operação regresso à pátria amada Brasil”. Naquele momento, o governo, que deveria apaziguar os ânimos, em especial daquelas pessoas bem como de seus familiares, com declarações públicas positivas, fazia o oposto. As falas na imprensa sempre eram acompanhadas de um “se” no começo, no meio ou no fim da tomada de decisão. Inclusive, os/as brasileiros/as tiveram de publicar, no dia 30 de janeiro de 2020 uma carta, na qual suplicavam pela repatriação.


Carta dos/as Brasileiros/as ao Presidente da República do Brasil / Reprodução

Junto à carta, foram publicados, também, alguns vídeos no YouTube a fim de ratificar a solicitação de retorno ao Brasil. A despeito de muitas idas e vindas e da pressão feita pela oposição, no dia 9 de fevereiro de 2020, os dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) pousaram em Goiânia-GO e, na sequência, os/as passageiros/as se dirigiram a Anápolis-GO para cumprirem os 18 dias de quarentena. Ao se depararem com o reboliço vivido no Brasil, os/as repatriados/as disseram que era melhor ter ficado na China. Daí vem aquele gracejo: “Vontade de voltar para Wuhan, né, minha filha?”. O governo adotou como doutrina o “deixa acontecer”.

Em 1º de abril de 2020, o Congresso aprovou e o presidente da república sancionou a lei do auxílio emergencial no valor de R$ 600,00. Esse valor só foi possível devido à pressão das esquerdas na Câmara e no Senado, haja visto que a proposta inicial do governo era de apenas R$ 200,00. Aquele valor de R$ 600,00 durou só de abril a agosto de 2020, uma vez que, a partir de setembro até dezembro, o auxílio foi prorrogado numa quantia inferior, correspondente a quatro parcelas de R$ 300,00. O sentido do auxílio emergencial vem se perdendo em seu valor decrescente. Vai entender, né? Mais uma vez, o governo vem remando de encontro aos estudos científicos.

Outros dois casos curiosos, os quais ocorreram em outubro de 2020. Um deles é o fato de o capitão ter desautorizado, em rede nacional, o general que até então ocupava o cargo de ministro da saúde de comprar 46 milhões de doses de vacina. Os motivos desse desmando ficaram só entres eles e, na noite seguinte, televisionado no Jornal Nacional, o general demonstrou ser um verdadeiro cupincha do seu chefe. Disse ele: “Senhores, é simples: um manda, o outro obedece”. O segundo fato, que coaduna com o anterior, foi o contingenciamento de 6,8 milhões de testes para Covid-19 num galpão em Guarulhos-SP. Esse assunto, praticamente, evaporou-se.

Nesse governo, outro fenômeno muito recorrente e bastante acentuado, durante esse 1 ano e 1 mês de mortandade, é o da infodemia (notícias falsas). O termo refere-se a “um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual. Nessa situação, surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa”, como definem as pesquisadoras Leila Posenato Garcia e Elisete Duarte

Para ratificar o conceito de infodemia, lembramos que o governo Bolsonaro e aliados publicaram 83% da desinformação sobre 'tratamento precoce' no Facebook em 2021. De fato, convenhamos, é uma patifaria esclerosada. Essa política intencional de desinformação conduz ao seguinte: os/as brasileiros/as acreditam mais em notícias falsas do que os/as italianos/as e os/as estadunidenses

Assim, tais informações, publicadas pelos portais Scielo, Aos Fatos e Avaaz, realçam a existência de quatro vírus no caso brasileiro: i) o caudilho; ii) o SARS-CoV-2; iii) o vírus da infodemia da Covid-19; e vi) a infodemia relacionada ao surgimento de novas cepas e variantes.

O “mito” é mesmo insuperável e não surpreende em suas caneladas. Junto com seu “Posto Ipiranga”, simplesmente cortou a bagatela de R$ 36 bilhões da pasta da saúde em 2021. E o mais interessante é que o atual ministro da saúde, Marcelo Queiroga, no apogeu da sua complacência, afirmou: “isso não preocupa”. Minha gente, essa política mortífera é infindável! E a possível luz no final do túnel está mais para ser uma locomotiva na contramão, ao invés de suscitar algum fulgor de esperança. Não existe nada tão ruim, que o capitão não consiga piorar ainda mais. Logo, é necessário marchar contra essa avalanche capitaneada pelo esquadrão do planalto central.

No bojo de todo esse retrocesso no qual o Brasil está submerso, a política ambiental do governo endossa de maneira agravante o mantra do “passar a boiada”. Estudos revelam que o desmatamento das florestas pode acarretar a aparição de novas pandemias devido o contato de seres humanos com outros primatas, oportunizando a inoculação de doenças. De acordo com o jornal da Universidade de São Paulo, o desmatamento na Amazônia aumentou 34% em 2020, quando comparado a 2019. Essa fatura, a natureza cobra de alguma maneira e, mais cedo ou mais tarde, todos, todas e todes nós pagamos a conta.

Portanto, a confluência simbiótica deliberada de problemas configura, na minha visão, essa política mortífera arquitetada pelo caudilho e seus cupinchas: i) a negligência aos/às brasileiros/as repatriados/as; ii) o auxílio emergencial de 2020 aquém das necessidades básicas; iii) a não autorização da compra das vacinas; iv) o contingenciamento de mais de 6 milhões de testes para Covid-19; v) o estímulo institucional ao fenômeno da infodemia; vi) o corte abissal de R$ 36 bilhões no orçamento do SUS para 2021; vii) o desmatamento sem nenhum tipo de controle dos nossos patrimônios ambientais; e viii) um auxílio emergencial versão 2021, aprovado tardiamente no valor de R$ 250,00 que, na maioria das capitais brasileiras, apenas se igualou ou ficou abaixo do preço da cesta básica, ressaltando seu viés excludente. 

O fato de deixar de trazer demais acontecimentos do desgoverno, da não governança ou da ingovernabilidade do atual presidente, não que dizer que estes foram menores. Muito pelo contrário, este texto tenta convocar outas pessoas a fazerem tal exercício de recuperação das medidas antipopulares tomadas por Bolsonaro. 

No cenário de mortandade em que o Brasil se encontra, duas perguntas ganham ressonância na e pela grande massa: i) Quando a pandemia e/ou sindemia vai acabar? ii) Vamos ter retorno da normalidade? Todavia, essas duas perguntas devem ser reformuladas num único questionamento: Quando o projeto de poder personificado no Pôncio Pilatos da ocasião vai chegar ao fim? A resposta, eu deixo para a fração dos/as 58 milhões de eleitores/as que votaram nesse projeto de poder em 28 de outubro de 2018 e, infelizmente, ainda não esboçaram e, quiçá, venham admitir algum tipo de arrependimento por elegerem essa figura pernóstica, que ora ocupa a cadeira da presidência da república.

Povos de todo o mundo, protegei-vos!
Brasileiros e brasileiras, cuidai-vos uns dos outros!

 

*Militante do MST, graduado em Administração e com mestrado em Gestão Pública e Cooperação Internacional pela UFPB

Edição: Cida Alves