ÁGUA E ENERGIA

MAB comemora 30 anos de resistência e luta por projeto energético que sirva ao povo

Atingidos por Barragens organizam uma série de atividades ao longo do mês para celebrar as três décadas de existência

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Registro de um dos primeiros encontros nacionais do MAB na década de 90; Ativistas organizam Jornada de Lutas neste 14 de março, Dia Internacional de Luta dos Atingidos e Atingidas por Barragens - Foto: Acervo MAB

Em março de 1991, há 30 anos, nascia o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma união nacional em defesa de milhares de brasileiros impactados diretamente por construções de usinas hidrelétricas, barragens para rejeitos de minérios e outros empreendimentos voltados à extração de recursos naturais.

Para comemorar o marco histórico, o MAB organiza uma série de ações e eventos para as próximas semanas. Em razão do Dia Internacional de Luta das Mulheres, por exemplo, um ato político e cultural online com mulheres da Plataforma Operária e Camponesa da Água e da Energia. 

Neste domingo, 14 de março, Dia Internacional de Luta dos Atingidos e Atingidas por Barragens, acontecerá uma Jornada de Lutas com atos e ações simbólicas locais.

"Esses 30 anos nos trazem muito simbolismo e desafios, mas também é um marco em que comemoramos nossas conquistas e vitórias. É preciso resgatar quais foram essas conquistas e celebrar com todos e todas que ajudaram o movimento nessa trajetória”, afirma Nívea Diógenes, da coordenação Nacional do MAB.

Integrante do movimento desde 2006, ela conta que, organizados, os atingidos já conseguiram frear a construção de usinas e garantir alterações em projetos para assegurar direitos à população local. Frutos de uma luta cujas raízes, na verdade, têm bem mais de três décadas.

>> Confira programação completa dos 30 anos de existência do MAB <<

Como relembra Iury Paulino, também da coordenação nacional do movimento, as construções de barragens para o fornecimento de energia para grandes projetos industriais se tornou uma estratégia do Estado brasileiro em meados dos anos 1980, ainda sob a ditadura militar.

Mas, em nome do desenvolvimento econômico, frisa Paulino, os empreendimentos não levaram em conta as consequências sociais e ambientais da exploração, que, com o passar dos anos, expulsaram milhares de pessoas de suas terras e casas. 


Registro do terceiro Congresso Nacional Do MAB em dezembro de 1996, em São Paulo / Foto: Acervo MAB

Foi neste contexto que os atingidos reagiram e começaram a se organizar em comissões regionais em defesa da devolução das terras, realocação e outros direitos como atingidos, plantando a semente do que se tornaria, anos depois, uma articulação de caráter unificado e nacional.

“A trajetória do MAB remonta todo esse processo histórico de violações do modelo energético, de abandono das populações atingidas, de resistência e organização, tendo em sua raiz a resistência à ditadura militar”, detalha Paulino, citando o contexto da efervescência de movimentos e partidos populares naquele momento.

Foram realizados diversos encontros e reuniões nacionais no fim da década de 1980, que antecederam o 1º Congresso Nacional Dos Atingidos Por Barragens, finalizado em 14 de março de 1991. 

Em 2021, a organização tem base em 19 estados brasileiros.

“O MAB luta pela reparação do dano e pela não construção de barragens de toda a natureza onde seja inviável construir, porque sabemos que os danos são muito maiores do que os benefícios supostamente trazidos pelo empreendimentos”, ressalta o militante.

Também retomando o histórico da organização, Nívea Diógenes explica que as privatizações das estatais no governo FHC, no início dos anos 1990, impulsionou ainda mais a organização dos atingidos.

As desestatizações mudaram diametralmente o setor energético brasileiro, intensificando as consequências sentidas pelas comunidades locais.

“Com a privatização do setor, quem passa a controlar as empresas é o capital internacional. Quem dá a última canetada é ele. Somos um país soberano em termos de energia elétrica, mas o que se produz em relação à energia não é para o povo brasileiro, é para o capital”, critica a dirigente. 

“Hoje, a energia no Brasil é uma mera mercadoria. É vendida a preços internacionais e quem paga conta são os brasileiros com altas tarifas". 

O que se produz em relação à energia não é para o povo brasileiro, é para o capital.

Por um outro projeto 

Desde a origem do MAB, os atingidos atuam em três frentes. A primeira, de acordo com Iury Paulino, pode ser considerada como uma frente sindical, já que o principal foco da organização é a defesa das populações atingidas por empreendimentos danosos. 

A segunda frente é a da organização também enquanto um movimento político, já que a formação política sempre foi um pilar central do MAB na luta pela transformação social. 

A terceira é a mobilização contínua por um modelo energético popular que permita a distribuição da riqueza entre os brasileiros.

“O capital internacional sempre teve interesse na produção de energia aqui. O modelo energético brasileiro é resultado da exploração e dos saques dos recursos naturais que temos para favorecer corporações, sobretudo internacionais”, diz.

As bases que forjam esse projeto são a soberania, a participação e o controle por parte dos cidadãos.

“Defendemos que a riqueza produzida pela energia sirva ao povo brasileiro e não para atender demandas de acionistas do capital internacional. E, para isso, necessitamos de controle popular, que as pessoas digam de que forma a energia deve ser produzida, que possam avaliar e definir a viabilidade da construção de um empreendimento energético. E, caso haja impactos sociais e ambientais, a população possa dizer não”, explica Paulino.

O modelo energético brasileiro é resultado da exploração e dos saques dos recursos naturais

“Já pensou se a riqueza que se gera com petróleo, com as usinas hidrelétricas e de produção de energia solar fosse distribuído ao povo brasileiro para adquirir moradias e construir faculdades? É essa dimensão que achamos central”, projeta o militante.

Mariana e Brumadinho

O MAB também esteve presente e continua dando suporte às famílias atingidas pelas duas maiores tragédias socioambientais dos últimos anos no Brasil.

Em novembro de 2015, o rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da Samarco (Vale e BHP Billiton), em Mariana (MG), expôs quão danoso é o modelo de exploração atual.

Foram 19 mortes, milhares de pessoas desalojadas e sem água potável. Mais de cinco anos depois, a população do município ainda convive com as consequências e impactos na saúde física e mental até hoje. 

:: MAB lança campanha para denunciar cinco anos sem reparação na Bacia do Rio Doce (MG) ::

Mais de 600 quilômetros do rio Doce foram destruídos, causando a morte de peixes e da biodiversidade marinha no litoral do Espírito Santo.

Em 2019, a tragédia se repetiu com o rompimento da barragem da Vale no Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), quando 272 pessoas morreram soterradas pela lama. O rio Paraopeba foi contaminada pelos rejeitos de minério e ainda não se regenerou completamente.

O MAB fortaleceu a organização dos atingidos na região e denunciou, em nível nacional e internacional, as mortes causadas pelo modelo predatório de mineração e a insegurança as barragens no país. 

Segundo Iury Paulino, ao longo das décadas, o conceito de atingidos por barragens se ampliou e atualmente engloba não só os atingidos por usinas hidrelétricas ou pela mineração, mas também vítimas de alagamentos nos centros urbanos.

“Esse modelo que vivemos, essa concepção de organização de sociedade, vai continuar gerando vítimas. Continuar gerando atingidos aos montes porque não tem compromisso social e nem ambiental”, denuncia. 

Leia mais: Existe alternativa à exploração predatória das mineradoras?

Memória

O marco de 30 anos do MAB também é considerado pelos atingidos um momento para homenagear aqueles que perderam a vida em nome da luta coletiva. 

Entre elas, Nilce de Souza Magalhães, conhecida como Nicinha, pescadora e liderança regional do MAB, atingida pela Usina Hidreletrica de Jirau no Rio Madeira, em Rondônia (RO). Ela desapareceu em 07 de janeiro de 2016 e foi encontrada morta 5 meses depois.

O mesmo aconteceu com Dilma Ferreira da Silva, militante no estado do Pará, atingida pela barragem da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Ela foi brutalmente assassinada no dia 22 de março de 2019, dentro de sua própria casa, em retaliação à sua atuação política.


Dilma Ferreira Silva ao lado da então presidenta Dilma Rousseff (PT), após reunião com os atingidos / Foto: Divulgação/MAB

Nívea Diógenes relembra também a luta de Berta Cárceres, líder do Conselho Civil Popular de Organizações Indígenas de Honduras (COPINH), que se opuseram a construção de uma barragem hidroelétrica no Rio Gualcarque, considerado sagrado pela comunidade indígena Lenca, durante anos.

A empresa privada responsável pelo projeto, Desarrollos Energéticos Sociedad Anónima (Desa), é ligada a poderosas famílias do país da América Central e não abriu diálogo em nenhum momento com os indígenas.

Em março de 2016, atiradores invadiram a casa de Berta Cárceres e a assassinaram. Os executores do crime foram sentenciados a penas de entre 30 e 50 anos, mas os mandantes da morte seguem incólumes. 

“Perdemos muitas companheiras que ousaram lutar para defender os direitos coletivos. Em nome delas, reafirmamos nossa lutas para que todos os atingidos tenham os direitos garantidos”, assegura a coordenadora nacional do MAB.

Nívea acrescenta que o protagonismo das mulheres, ainda mais vulnerabilizadas pelo projeto energético vigente, é central para o movimento. Assim como a transmissão dos debates sobre energia, direitos humanos e ambientais, compartilhados de militantes de geração a geração.

“Tem muitos no MAB que ainda não têm a idade do MAB”, diz ela, celebrando a renovação contínua da organização.

Perdemos muitas companheiras que ousaram lutar para defender os direitos coletivos.

Calendário

A comemoração dos 30 anos do MAB conta com uma extensa programação de atividades e ações políticas. 

Ao longo das próximas semanas, os atingidos entregarão pautas para prefeituras e governos relacionadas a questões locais, assim como pressionarão o parlamento brasileiro e o Judiciário para que haja reuniões com as coordenações do MAB.  

A aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, (PL 2788/19), atualmente congelada no Senado, é outra demanda central do MAB para o próximo período, assim como o fortalecimento da reparação aos atingidos dos crimes de Mariana e Brumadinho. 

Além da jornada de lutas neste 14 de março, no próximo dia 16, às 19h, acontecerá um ato político e cultural online para celebrar a história do movimento aberto ao público,

No dia 22, Dia Mundial da Água e data que marca o assassinato da atingida Dilma Ferreira, haverá também um ato político e religioso. Confira a programação completa aqui.

Em meio à pandemia do coronavírus, o MAB também reivindica a permanente inclusão de famílias nas tarifas sociais de energia, a partir de subsídios, e a distribuição de gás de cozinha a preços justos.

Os atingidos também erguem as bandeiras da vacinação ampla da população brasileira e o retorno do auxílio emergencial de R$600.
                                 
“Celebramos e festejamos esses 30 anos de história de lutas e conquistas do movimento, assim como nosso legado enquanto sujeitos políticos para mudanças sociais no Brasil. Nós reafirmamos que enquanto movimento social temos o compromisso de continuar a luta com os atingidos para construir uma sociedade mais justa e igualitária”, finaliza Nívea Diógenes.

Edição: Rodrigo Chagas