Rio Grande do Sul

Futebol

Em meio à pandemia, Gauchão 2021 pode ter torcedores nos estádios

Sob críticas, FGF afirma que elaboração de proposta é antecipação à liberação por parte do governo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Especialista defende que estádios sigam vazios: "Não se tem nenhuma razão ou argumentos a favor" - Fotos Públicas / Paulino Menezes / Portal da Copa / ME

O futebol é mais uma das atividades que sofreram forte impacto pela pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo. Após um período de suspensão dos campeonatos no primeiro semestre de 2020, a atividade foi retomada no país. Dentro de campo, protocolos para reduzir chances de contaminação não evitam constantes casos positivos. Fora de campo, estádios vazios tiram parte do brilho do esporte e dão milionários prejuízos aos clubes, desfalcados das receitas diretas e indiretas do público.

Com início marcado para o dia 27 de fevereiro, o Campeonato Gaúcho de 2021 deve começar com estádios vazios, medida em curso com o objetivo de evitar um agravamento do cenário de alta transmissão e óbitos por conta da covid-19. Mas movimentações da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) indicam que os torcedores poderão, em algumas rodadas, estarem de volta às arquibancadas. 

“Retomada gradual do público”

O presidente da FGF, Luciano Hocsman, disse que a Federação está tendo conversas preliminares com o governo estadual e as prefeituras para apresentar um projeto de retomada. “Quando houve a suspensão das atividades esportivas, passado algum tempo, começou a haver um debate para retomar com protocolo de segurança. Nós entendemos que, passado esse processo de retomada, existe a possibilidade de se iniciar ou de se pensar a possibilidade de retomada gradual do público nos estádios, no momento adequado que o governo estadual entender ser possível”, afirma.

Hocsman revela que a federação está em contato com os clubes para “montar uma operação que seja segura e viável, observando os quatro pilares do governo para o combate à pandemia, que são: redução da capacidade, distanciamento, álcool em gel e uso de máscara”. Afirma que a ideia não é ter torcida no início do Gauchão, mas “apresentar esse projeto para análise, tão logo o governo entenda ser o momento apropriado, para que, assim que haja a liberação, os clubes possam imediatamente colocar em processo de execução”.

Proposta para “agradar setores específicos”

Mas a proposta está sofrendo uma bateria de críticas. O médico e professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavaski, critica a ideia de retorno de torcedores aos estádios. “Não tem nenhum sentido fazer isso mesmo que a estratégia seja deixar as pessoas se protegerem porque isso é um grande potencializador”. Comparando com outro debate sobre retomada, sobre a presença de alunos em salas de aula no estado, pontua: “Você promover uma aglomeração é que não tem nenhum sentido, totalmente oposto às escolas. Não se tem nenhuma razão ou argumentos a favor. Permitir torcidas é apenas para agradar setores específicos”.

Em 22 setembro de 2020, a CBF encaminhou ao Ministério da Saúde um “estudo” apresentando regras como até 30% do público da capacidade total dos estádios e jogos sem as torcidas adversárias para o Campeonato Brasileiro. O governo aprovou a medida, condicionando o retorno ao cumprimento de “protocolos e medidas sanitárias por parte de estados e municípios que vão receber as partidas”. Quatro dias depois, após reunião com representantes dos clubes da Série A e presidentes das federações estaduais, a CBF decidiu manter a proibição das torcidas.

Único exemplo de torcida foi negativo

No dia 30 da janeiro, o Brasil assistiu a uma experiência de torcida nos estádios. Foi na final da Libertadores da América, no Maracanã, quando o Palmeiras sagrou-se campeão vencendo o Santos. Foram convidados pelos clubes 2,5 mil torcedores colocados em um único setor do estádio. 

Durante a partida, embora através de alto-falantes fosse pedido ao público para usar máscaras e respeitar o espaço de uma cadeira livre entre cada torcedor, nada disso ocorreu. O que se viu foi muita aglomeração e pouca máscara. Dias depois, a Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro multou a administração do Maracanã e a Conmebol por descumprimento de medidas de proteção à vida.

Questionado a respeito deste exemplo e sobre a dificuldade em manter protocolos em meio à emoção de um jogo de futebol, o presidente da FGF alegou desconhecer como foi planejada a final da Libertadores.

“Visualmente, o que me pareceu é que houve um pequeno equívoco de dimensionamento quantitativo de pessoas para o espaço que se colocou. Existem mecanismos para se fazer um controle mais efetivo. Claro que os clubes têm que querer e as federações também. A gente não pode pegar um exemplo negativo e balizar ele como ‘olha, realmente não dá’. Até mesmo porque, quando do retorno das atividades do futebol, tivemos alguns exemplos no primeiro momento que não foram muito positivos, mas hoje se demonstra que é possível jogar futebol de uma forma muito segura”, argumenta.

Protocolo seria uma “antecipação”

Frente às críticas à iniciativa da FGF, Hocsman assegura que não se trata de pressionar pelo retorno. Ressalta que o assunto da retomada gradual não partiu da Federação, mas de “uma veiculação de um movimento político, algo nesse sentido”.

“O que estamos fazendo dentro da entidade, e fazíamos de forma muito silenciosa, é nos programar, nos planejar, de uma forma antecipada, para que quando houvesse a possibilidade, com um aceno positivo do governo em termos de retomada, não perdêssemos tempo com a necessidade de preparar um protocolo”, posiciona-se. 

Futebol não pode ser “terra de ninguém”

Ex-árbitro e comentarista de futebol e candidato a vice-prefeito pelo PSOL nas eleições de 2020 em Porto Alegre, Márcio Chagas soma-se aos críticos da proposta. “Não me assusta que essa entidade queira tomar essa medida de autorizar público nas partidas. Nunca tiveram compromisso com nenhuma pauta importante, inclusive compactuam e são coniventes com o racismo”, afirma.  

Na sua avaliação, adotar medidas que possibilitem a aglomeração de torcedores sem nenhum tipo de preocupação “é típico de quem sempre lavou as mãos e entende que o lucro está acima da vida”. Para Chagas, o Ministério Público e o governo do estado deveriam ter um posicionamento firme “para que o futebol deixe de ser essa terra de ninguém onde tudo pode historicamente”.

Coletivos de torcedores antifascistas da dupla Gre-Nal também são contrários ao retorno das torcidas neste momento, conforme posicionamento enviado à reportagem. De comum acordo, há necessidade de ampla vacinação antes de se pensar neste tipo de liberação. Lembram o prejuízo que a iniciativa pode trazer num país onde parte de população já desrespeita qualquer medida de distanciamento social.

Estratégia de “normalidade” em meio às mortes

Do lado gremista, a Tribuna 77 considera “surreal” a FGF cogitar a volta do público “no momento em que o Brasil bate recorde no número de mortes diárias causadas pela covid-19”. Entende que o futebol mercado ‘já deu o seu jeito’ de realizar os jogos e campeonatos sem a presença de público e “tem sido a mão direita do bolsonarismo na construção de uma linguagem populista e negacionista da pandemia. Acentua que “não há como pensar em volta do público sem que haja um plano nacional de vacinação em progresso”. 

O coletivo cita ainda que, no caso do Grêmio, é preciso levar em conta o prejuízo e a crise que assola as comunidades que compõem o entorno da Arena. “Levar um número seleto de torcedores ao estádio é zombar com o quadro social lá apresentado e o momento delicado que essas pessoas estão passando”, conclui.

Do lado colorado, o coletivo de torcedores antifascistas Coluna Vermelha se posiciona frontalmente contra a presença de público nos estádios. “É uma estratégia, a nosso ver, de trazer um ar de normalidade num contexto onde a pandemia ainda se alastra, faltam leitos, o sistema de saúde está sobrecarregado e ainda não se possui uma estratégia clara de vacinação. Muito menos uma perspectiva de enfrentamento sério no combate a pandemia, tanto nos aspectos sanitários como nos sociais e econômicos com a perspectiva de fim do auxílio emergencial, desemprego e informalidade crescentes”.

O Gauchão 2021 será disputado por 12 equipes, no sistema todos contra todos, em um turno. Os quatro melhores colocados disputam as semifinais, em jogos de ida e volta. A final está prevista para ocorrer no dia 23 de maio.


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Edição: Ayrton Centeno