Rio Grande do Sul

Vacinação

Entidades de classe do RS se manifestam sobre vacinação dos profissionais de saúde 

Diante da repercussão negativa da aplicação via conselhos e associações, governo estadual publicou uma nova resolução

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ministério Público do RS e Tribunal de Contas do Estado atuarão conjuntamente visando coibir eventuais irregularidades no processo de vacinação - Mauro Pimentel/ AFP

Nesta semana, entidades sindicais se manifestaram contra casos de fura-fila que estariam acontecendo no estado, especialmente em Porto Alegre. No último sábado (6), a prefeitura da capital gaúcha realizou um mutirão em que foram vacinados cerca de 6 mil profissionais da área da saúde ligados às instituições das categorias, entre eles médicos, dentistas e psicólogos. A sequência da vacinação para este grupo, prevista para continuar nesta quarta, foi suspensa após a repercussão. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) pediu esclarecimentos à prefeitura de Porto Alegre sobre o processo de vacinação ocorrido no sábado. 

No Rio Grande do Sul, entidades representativas de médicos, enfermagem, odontologia e psicologia, por exemplo, participaram, nos dias 6 e 7 de fevereiro, processos de vacinação contra a covid-19 entre seus associados. O ato gerou polêmica e manifestação de diversas entidades e da população em geral. De acordo com avaliação de entidades como o Sindisepe-RS, a imunização para “todos” os profissionais de saúde, de forma ampla e geral, incluindo os que não estão na linha de frente do combate à pandemia, descumpre o cronograma de vacinação definido pelo governo do estado.

Durante esta semana, o Brasil de Fato RS conversou com algumas entidades representativas das categorias dos profissionais da saúde que foram imunizados no último final de semana em Porto Alegre. Elas explicaram que a solicitação veio por parte da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), na quinta-feira (4), para que fosse repassada uma lista de nomes de profissionais para serem vacinados no mutirão. Conforme orientação às instituições, o critério seria para profissionais acima de 60 anos e que estejam “na ativa”. 

As entidades reforçam serem totalmente contrárias a qualquer situação de fura-fila e que as denúncias dos supostos casos devem ser averiguadas com todo rigor que a situação requer. Defendem uma ampliação sobre controle e a fiscalização da dispensação das vacinas e seu devido registro nas bases de dados informatizadas do Sistema Único de Saúde.

“No que tange à vacinação que o Conselho fez, ela foi feita dentro de todo regramento que nos foi solicitado pela Secretaria Municipal de Saúde, que seria somente vacinar médicos atuantes que morassem em Porto Alegre e que tivesse registro ativo aqui no Conselho”, pontua o presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Carlos Isaia Filho. 

Segundo Carlos, 1.711 médicos solicitaram a vacinação e, no último sábado, compareceram 502. “Com as fichas preenchidas não detectamos nenhum caso de fura-filas. Há todo um regramento do Ministério da Saúde nos quais prioriza a vacinação de todos os profissionais de saúde principalmente em função de que são esses profissionais que mais têm se contaminado. Temos no país mais de 500 óbitos de médicos por conta da covid-19, e mais inúmeros casos de médicos, enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, nutricionistas que se contaminaram pelo coronavírus. De forma que, na vacinação feita aqui no Conselho, procurou se trabalhar da forma mais ética e legal possível”, afirma.

O presidente do Cremers destaca ainda que os profissionais que estão na linha de frente estão dentro dos hospitais e que as vacinação destes está sendo feitas nos hospitais. Carlos explica que o chamamento de sábado foi prioritariamente para profissionais com mais de 60 anos e profissionais que não estavam cadastrados em nenhum corpo clínico. “Esses profissionais não teriam oportunidade de serem vacinados, razão pela qual a SMS solicitou para que esses profissionais que também atuam, e que correm riscos, pudessem ter oportunidade de vacinação”, explica. 

Segundo informou a Associação Brasileira de Odontologia - Seção Rio Grande do Sul (ABORS), no que se refere à observação sobre a questão dos profissionais que atuam na linha de frente, a entidade agiu conforme a  legislação em vigor. “O próprio  Ministério Público do RS publicou uma manifestação no dia 10,  reiterando que esta etapa da vacinação contra a COVID-19 contempla também, entre os grupos prioritários,  os profissionais da saúde que NĀO estão na linha de frente do combate à pandemia, incluindo os que atuam em consultórios”, apontou através de nota enviada pela assessoria de comunicação. Ressaltou que a ABORS foi apenas facilitadora de uma das campanhas de vacinação realizadas para os profissionais de saúde bucal no último sábado. 

De acordo com a entidade, estes foram a grande maioria dos profissionais que receberam a 1º dose da vacina no sábado na ABORS. “Destacamos que os profissionais da saúde bucal são um dos públicos mais atingidos com a pandemia, pois há um alto índice de contaminação cruzada nos atendimentos”, finaliza. 

Por sua vez, a Associação Médica do RS (AMRIGS), através de sua assessoria, destaca que a entidade sempre trabalha institucionalmente para que todos os profissionais de saúde, inclusive os acadêmicos de medicina dos últimos períodos do curso, sejam vacinados. “Em relação ao evento do dia 6 de fevereiro, a AMRIGS seguiu as orientações da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS), que, por sua vez, segue critérios das autoridades de Saúde da União. Todos os atendidos pela vacinação tiveram cadastro prévio, com sua documentação funcional e comprobatória de residência em Porto Alegre checadas”, afirma.

Falta precisão nas informações 

Na avaliação do Conselho Regional de Psicologia do RS (CRPRS) falta precisão nas informações, efeito de falta de organização e definição de critérios. “Uma consequência das falhas na gestão da vacinação no município parece ser a tendência à responsabilização dos Conselhos profissionais, que, como autarquias públicas, apenas devem se ater a atender às solicitações da autoridade sanitária, mas estão figurando (inclusive no discurso dessas autoridades) como se responsáveis fossem pela vacinação dos profissionais de suas categorias”, observa a Conselheira e vice-presidenta da entidade, Cristina Schwarz. 

De acordo com ela, no que tange à esfera estadual, especificamente ao plano estadual de vacinação, é perceptível que existem questões a serem aprimoradas e até mesmo revistas, no que diz respeito às etapas de vacinação. “Tanto é que saiu uma nova Resolução (25/2021) da Comissão Intergestores Bipartite alterando o ordenamento prioritário da vacinação no estado. Ressaltamos ainda que o fato de haver uma grande procura e ansiedade da população em ter acesso à vacina é indicativo de que a ciência e a política pública de saúde venceram a disputa de narrativas políticas acerca das estratégias de enfrentamento da pandemia de COVID-19”, pontua Cristina.

A vice-presidenta explica que o Conselho foi pego de surpresa com a solicitação por parte de Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, na quinta-feira (4), para que fosse repassada uma lista de nomes de profissionais da psicologia para serem vacinados no mutirão. Ela explica que foram disponibilizadas 500 vacinas para psicólogas/os, e que a instituição não conseguiu entregar a listagem com os nomes de 1.500 profissionais com cadastro ativo acima de 60 anos por exceder a possibilidade de doses. “Por isso, restringimos o recorte de idade para acima de 70 anos, critério que nos deixava com 544 profissionais no cadastro – assim, atendíamos ao quantitativo nunca confirmado, mas na prática existente, de doses destinadas para este público de profissionais – deixando bastante explícito para a SMS que não teríamos como averiguar situação de trabalho das profissionais. Neste sentido, tivemos que considerar os dados epidemiológicos de letalidade por faixa etária em detrimento do local de atuação profissional, pela inviabilidade deste levantamento”, explica. 

Assim como aconteceu com o CRP, o Conselho Regional de Serviço Social da 10º Região (CRESS) também foi pego de surpresa com a solicitação da SMS, com os mesmos critérios, de profissionais da assistência social que estivessem trabalhando na linha de frente e que ainda não tivessem sido vacinados. De acordo com Elisa Scherer Benedetto, presidenta do CRESS, em um primeiro contato a Secretaria informou que o objetivo era um planejamento de todos os profissionais necessários ao atendimento à população, conforme fossem chegando mais doses ao município. “Recebemos por Whatsapp uma solicitação para todos os presidentes de Conselho que listassem seus profissionais com mais de 60 anos que estivessem trabalhando na linha de frente. Foi uma solicitação de um órgão público e a gente precisa observar o princípio de confiança entre esses órgão públicos, que veda a negativa de qualquer informação entre eles”, pontua. 

Elisa observa também que há muitos profissionais assistentes sociais que, mesmo trabalhando em serviços prioritários, não foram vacinados. “É importante destacar que o Conselho Regional não tem prerrogativa legal para definir critérios de vacinação e muito menos interferir nos critérios dessa ação. Em respeito a todos os profissionais na linha de frente e considerando que aquilo já circulava pela mídia, divulgamos nas nossas redes sociais as informações que a SMS passou à entidade. Não tivemos nenhuma incidência na atividade de sábado, não participamos da construção”, ressalta a presidenta. 

Sobre o caso de fura-filas, Elisa salienta que o Conselho repudia. Diz que os critérios do SUS precisam ser respeitados e que essa organização compete às secretarias municipais de saúde, que precisam definir bem e explicar os critérios utilizados. Em caso de necessidade de mudar ou incrementar esses critérios, complementa, tem que ser aberto para a sociedade, debatido e muito bem especificado. "Essa desordem, essa falta de critério tende apenas a culpabilizar apenas os indivíduos que foram considerados ou que estão furando a fila, mas oculta, no nosso entendimento, a verdadeira questão que o governo federal e uma parte dos demais gestores públicos não objetiva, a imunização geral da população pelo SUS. O processo de vacinação pode acabar se configurando como uma outra forma da manutenção dos lucros, dos interesses privados. É preciso ter muito cuidado”, opina. 

Por fim, a presidenta pontua que o CRESS não entende como adequada a vacinação apenas por categorias profissionais nem que fique a cargo das entidades profissionais e dos conselhos esse processo. “A gente sabe que dentro das profissões existem níveis diferentes de risco de exposição que vão embasar e justificar prioridades para receber a vacina, mas é importante que isso ocorra pelos setores, pelos espaços onde as equipes trabalham. E ali vão ter muitos profissionais, assistentes sociais enfermeiros, médicos, psicólogos, mas também outros tantos trabalhadores que foram e são responsáveis pela nossa vida em sociedade e para sobrevivência nessa pandemia. Trabalhadores da limpeza, manutenção, portaria, segurança, operários, enfim. É preciso considerar também todos esses componentes, até que gradativamente seja possível vacinar toda a população”, conclui. 

A reportagem contatou a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e solicitou a posição da pasta com relação ao caso. Até o fechamento desta reportagem, a pasta ainda não havia respondido.

Estado tem novo regramento da vacinação

Diante da repercussão negativa, a Secretaria Estadual da Saúde publicou uma nova resolução da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) para definir limites e critérios objetivos para a vacinação dos profissionais de saúde contra a covid-19 no Rio Grande do Sul. Feita em acordo com os gestores municipais, por meio do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS), a nova regra, a CIB 25/2021, altera a resolução CIB 07/2021, de 27 de janeiro, sobre o ordenamento das doses, na área de saúde, em que estavam os profissionais liberais.

No texto atual, é mantida a prioridade de vacinação para profissionais na linha de frente do atendimento a casos confirmados e suspeitos de covid-19 (vacinadores, trabalhadores de UTI, rede de urgência e emergência, unidades de internação e ambulatórios Covid-19, entre outros). 

Veja aqui como fica o novo regramento 

Combate a irregularidades 

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) informaram que atuarão conjuntamente visando coibir eventuais irregularidades no cumprimento dos procedimentos e critérios estabelecidos pelos planos nacional e estadual para a imunização contra a covid-19 vigentes, quanto à ordem de prioridade. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (11), em reunião virtual, da qual participaram o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, o presidente do TCE-RS, Estilac Xavier, o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, da Saúde e da Proteção Social (CAODH) do MPRS, procuradora de Justiça Angela Salton Rotunno, e o diretor de Controle e Fiscalização do TCE, Everaldo Ranincheski.

Segundo o MPRS, desde o dia 21 de janeiro até o dia 10 de fevereiro, o órgão contabilizou 688 denúncias recebidas, via site da instituição e pelo formulário desenvolvido pela Secretaria Estadual da Saúde, que passaram por triagem do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, da Saúde e da Proteção Social (CAODH). Destas, 58 que, se confirmadas, configuram prática de fura-fila, foram encaminhadas aos Centros de Apoio Operacional Criminal e Cível – com atribuição na defesa da probidade administrativa –, para distribuição aos promotores de Justiça para investigação. 


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Marcelo Ferreira