Ceará

Coluna

O avanço da carestia

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O consumo de carne bovina pelos brasileiros, por exemplo, foi o menor dede 1996. - Foto: Governo do Mato Grosso
Como dimensão do avanço da carestia, destaca-se as altas nos preços dos alimentos da cesta básica.

Para os mais jovens, carestia deve soar como uma palavra um tanto o quanto démodé, porém, sintetiza perfeitamente a realidade brasileira atual, marcada pela falta de bens essenciais à sobrevivência e pelo encarecimento do custo de vida. Tal afirmação pode ser exemplificada pela elevação dos preços do gás de cozinha e de vários produtos alimentícios básicos e pelo crescimento vertiginoso da população em situação de rua, sobretudo nas capitais.

Nos próximos dias, o preço do gás de cozinha terá um novo aumento, como anunciado pela Petrobras, seguindo a tendência do ano de 2020, que teve dez reajustes. Fruto da atual política de preços do governo federal, em vigor desde 2019. Esse encarecimento está atrelado à cotação internacional do dólar e do petróleo. Com o valor médio entre R$ 75,00 e R$ 95,00, muitas famílias têm sido obrigadas a substituírem o botijão por lenha ou carvão, em pleno século XXI. Um retrato emblemático do Brasil que não consegue se desvencilhar do arcaico.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, ou seja, mesmo antes da pandemia e da atual política de preços da Petrobras, já tínhamos no Brasil 14 milhões de famílias  que utilizam prioritariamente lenha ou carvão para cozinhar, 20% dos lares brasileiros. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) anterior, de 2016, esse índice era de 16%. No Ceará 24,2% das famílias estão nessa situação, quase um quarto da população cearense.


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, já tínhamos no Brasil 14 milhões de famílias que utilizam prioritariamente lenha ou carvão para cozinhar. / Fonte: IBGE

Infelizmente, o crescimento da população em situação de rua também segue a passos largos. Com o aumento do desemprego e das taxas de aluguel, notamos facilmente, no nosso próprio dia a dia, essa tendência. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou dados alarmantes do levantamento intitulado “Estimativa da população em situação de rua no Brasil”, que aponta para a existência de quase 222 mil pessoas vivendo na rua, um crescimento de 140% de 2012 a 2020. No ano passado foi realizado um senso da população em situação de rua em Fortaleza, mas os dados ainda não foram publicizados.


O levantamento intitulado “Estimativa da população em situação de rua no Brasil” aponta para a existência de quase 222 mil pessoas vivendo na rua. / Fonte: Ipea

Ainda como dimensão do avanço da carestia, destaca-se as altas nos preços dos alimentos da cesta básica. O inflacionamento do arroz e o do feijão chegou a 30% em 2020.  O consumo de carne bovina pelos brasileiros, por exemplo, foi o menor dede 1996. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), o consumo foi de 29,3 quilos por habitante no ano passado, uma queda de 5% em relação aos 30,7 quilos por habitante de 2019, ano em que o consumo já havia recuado 9%. E representa uma redução de 13,5 quilos por pessoa em relação ao ponto máximo da série, de 42,8 quilos por habitante em 2006, durante o primeiro governo Lula. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) aponta que 10,3 milhões de brasileiros vivem com privação severa de alimentos e 36,7% dos domicílios têm algum grau de insegurança alimentar, dados que recolocam o Brasil no Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), lista que tinha saído em 2014. Ainda segundo a POF, no Ceará, uma a cada cinco famílias passaram fome e 540 mil domicílios enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar, atingindo quase 1,9 milhão de pessoas, entre 2017 e 2018.

Carolina Maria de Jesus, em seu clássico e monumental, Quarto de despejo, nos provoca ao afirmar que: “Sempre ouvi dizer que rico não tem tranquilidade de espírito. Mas pobre também não tem, porque luta para arranjar dinheiro pra comer”. E assim, vamos convivendo pacificamente com as regalias de juízes federais que recebem auxílio moradia de R$ 4.377,73 mensais, com a isenção de IPVA para lanchas, iates, jatinhos e helicópteros e com a segunda maior concentração de renda do mundo. Mas a escritora também nos alertou, e me parece ser um ensinamento valioso para pensarmos o Brasil de hoje: “O custo de vida faz o operário perder a simpatia pela democracia”.

Edição: Francisco Barbosa