Coluna

General na fritura, impeachment em banho-maria e país fervendo

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"Apesar do caos ter-se instalado há semanas, só nos últimos dias Eduardo Pazuello resolveu ir para Manaus (AM) mostrar serviço" - Najara Araujo
Uma manifestação popular mais expressiva é o que falta para que o processo de impeachment ande

A pandemia segue tirando vidas, o auxílio emergencial acabou e não se pode dizer que a vacinação realmente começou. E apesar da evidente responsabilidade de Pazuello e Bolsonaro, os dois parecem ganhar sobrevida graças aos quartéis, aos empresários e ao Centrão. 

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1. Propriedade privada. Pode-se acusar o governo de muitas coisas, mas não de incoerência, já que o Brasil é o pior país do mundo no combate a pandemia, segundo o Lowy Institute, e seguindo os cálculos de Bolsonaro em que o estado de calamidade informal é o melhor cenário para manter-se no poder. Exemplo disso foi o recente corte de 68,9% da cota de importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica, que atingirá o CNPq, a FioCruz e o Instituto Butantan. É provável que o corte afete as pesquisas de 20 vacinas nacionais desenvolvidas por universidades públicas, das quais pouco se fala, e que devem estar disponíveis no ano que vem. Mas a vacina também tem seu lugar no projeto neoliberal bolsonarista e não será para interesse  público. Empresários procuraram o governo para viabilizar a compra de 33 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca. O objetivo seria comercializar para empresas interessadas em imunizar seus funcionários. Bolsonaro aproveitou a oportunidade para fazer marketing com fake news, inventando que o Brasil já está em sexto lugar entre os países que mais vacinaram no mundo, quando não está sequer entre os dez primeiros.

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A iniciativa dos empresários esbarrou na própria AstraZeneca, que disse que não venderia ao setor privado porque só negocia mediante acordos firmados com governos e organizações multilaterais. Em outra frente, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) e a empresa Precisa Medicamentos conseguiram fechar um acordo para a compra de 5 milhões de doses da indiana Bharat Biontech. A expectativa é que em abril o produto já tenha sido autorizado pela Anvisa e esteja sendo comercializado. Enquanto isso, a vacinação pública e gratuita vai mal. Depois das trapalhadas do Governo Federal nas negociações com a China e a Índia, alguns governadores já desconfiam da capacidade de Bolsonaro resolver o problema e começam a se articular por fora para comprar vacinas de laboratórios estrangeiros. Ao mesmo tempo, o governo de São Paulo e o Instituto Butantan fazem chantagem, avisando que se o Ministério da Saúde não comprar as 54 milhões de doses da Coronavac já encomendadas, estas poderão ser exportadas.

2. Céu sem brigadeiro. Depois do Amazonas, foi a vez do sistema de saúde de Rondônia entrar em colapso por falta de médicos, enquanto uma nova variante do coronavírus encontrada Manaus (AM) é mais transmissível e mais difícil de ser detectada por anticorpos. Apesar do caos ter-se instalado há semanas, só nos últimos dias Eduardo Pazuello resolveu ir para Manaus (AM) mostrar serviço.  A sua preocupação, no entanto, não parece ser com a saúde pública e sim com seu próprio futuro, pois o STF autorizou o Ministério Público Federal a instalar inquérito para apurar a responsabilidade do ministro e de outras autoridades pela situação sanitária na capital amazonense. O pedido de prisão do prefeito de Manaus prenuncia tempos difíceis para Pazuello. Seu futuro dependerá em parte do desfecho da investigação do MPF, que deve sangrá-lo aos poucos.  Mas como o ministro é general da ativa, a vontade dos militares, preocupados com as repercussões desta situação, será determinante. Em condições normais, a saída esperada seria a renúncia ou a demissão. Porém estamos longe da normalidade.

Sacrificar Pazuello poderia prevenir um processo de impeachment de Bolsonaro, mas seria a desmoralização dos militares. Se tudo der errado, o Exército já tem um plano B, a indicação da Coronel Carla Maria Clausi para a pasta. Sustentar Pazuello, por outro lado, seria desgastante e arriscado, mas reforçaria o poder dos militares dentro do governo, amarrando até o final o destino de ambos, é o que aposta Bruno Boghossian. O sinal de que os colegas de farda não abandonarão o general são as manifestações de apoio político ao ministro na investigação em curso. Mas tudo isso vai depender do resultado das eleições no Congresso, cujo desfecho pode determinar os futuros movimentos do governo. É que o centrão está de olho nos ministérios que hoje são ocupados pelos militares, em troca de apoio político, caso Arthur Lira (PP-AL) vença a disputa na Câmara. E com a crise instalada, dificilmente o governo se sustentará sem uma reforma ministerial.

3. Terraplanistas arrependidos. Pelo menos no setor empresarial, parece que o negacionismo foi superado. Se no ano passado, os empresários desfilaram pelas redes sociais defendendo o fim do isolamento e a abertura geral, agora já entenderam que a economia só se recupera com um plano massivo de vacinação. Daí inclusive as iniciativas de furar fila com a compra de vacinas particulares. Enquanto Pazuello e Bolsonaro ainda tentavam vender a saída pela cloroquina, os dois principais integrantes da equipe econômica, Paulo Guedes e Campos Neto, saíram em defesa da vacinação em massa. A equipe econômica e os empresários também concordam que o grande vilão da economia não é a incompetência do governo, mas sim o terrível auxílio emergencial, sempre ameaçando o sagrado teto de gastos.

A existência do auxílio, que teve a última parcela paga nesta semana, é até tolerada por Guedes e pela turma da Faria Lima, desde que isso signifique mais cortes profundos no Estado. Apesar do desemprego galopante, alcançando 14 milhões de pessoas, Guedes estuda formas de facilitar a suspensão ou cortes de salários. No cardápio, obviamente, estão também as privatizações, em especial a Eletrobrás, ainda que a demissão do presidente Wilson Ferreira Junior tenha atrasado os planos de venda. Na prática, a capacidade do governo em vacinar e as eleições para a presidência do Congresso na próxima semana são os parâmetros que o setor empresarial vai usar para determinar seu apoio a Bolsonaro. Ainda que os empresários ouvidos pela Folha não acreditem na possibilidade de impeachment, há dúvidas sobre a capacidade do governo em levar adiante a sua agenda neoliberal. O otimismo do empresariado não significa que a economia brasileira saiu da UTI. Ao contrário, segundo a ONU, o Brasil continuará tendo crescimento abaixo da média global em 2021 e a tendência é que mais capital internacional deixe o país neste ano. Aliás, apesar de toda vassalagem de Ernesto Araújo, o saldo comercial do Brasil com os norte-americanos atingiu seu pior resultado dos últimos anos: as exportações para os EUA caíram 27,8% em termos absolutos.

4. João bobo. A pesquisa Atlas aponta que 53% da população é favorável ao impeachment de Bolsonaro mas, segundo o próprio Instituto, é preciso que este número ultrapasse os 60% para que a pressão sobre o Congresso surta efeito. Apesar das manifestações pela esquerda e até pela direita no último final de semana e do simbolismo do novo pedido de afastamento pelas igrejas cristãs, uma possível vitória de Arthur Lira (PP-AL) para o comando da Câmara na próxima semana deve esfriar os crescentes ânimos para depor Bolsonaro. A possibilidade é real, já que DEM e PSDB estão divididos, enfraquecendo a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). Por isso, os boatos sobre impeachment que circulam na Câmara podem ser mais peças de campanha eleitoral interna do que ameaças sérias, onde os aliados de Rodrigo Maia (DEM-RJ) plantam a versão de que ele estaria prestes a abrir o processo, para em seguida serem desmentidos.

A verdade é que, prevendo o pior, Maia já cogita deixar a Câmara e assumir a Casa Civil do governo de São Paulo, o que fortaleceria a liderança de João Dória na oposição. Na direita, a novidade parece ser mesmo o reposicionamento de um setor antes fortemente vinculado ao bolsonarismo, como o MBL e o Vem Pra Rua, organizações que agora se dizem decepcionadas e defendem o impeachment, enquanto tateiam para encontrar um caminho independente tanto de Bolsonaro quanto de Dória. Em outro terreno, aventa-se a possibilidade de uma greve de caminhoneiros contra o governo que eles mesmos ajudaram a eleger em 2018. A insatisfação da categoria é real, especialmente depois do aumento de 5% do diesel que a Petrobras repassou para as distribuidoras, mas a decepção talvez não seja suficiente para uma paralisação massiva.

5. Volto logo. Uma manifestação popular mais expressiva - o que não é possível em tempos pandêmicos - é justamente o ingrediente que falta para que o processo de impeachment ande, como constatam a senadora e candidata à presidência do senado Simone Tebet e o presidente da OAB Felipe Santa Cruz. Além da queda de popularidade, Rosane de Oliveira elenca outros fatores decisivos, como a conspiração do vice-presidente para derrubar seu colega de chapa. Neste quesito, até as emas do Palácio da Alvorada sabem que Bolsonaro e Mourão nutrem desconfianças recíprocas. O General, nesta semana, desabafou no melhor estilo Michel Temer, de que não é ouvido e até insinuou a demissão de Ernesto Araújo, como um sinal do que seria um hipotético governo Mourão. Mas, para Elio Gaspari, é indiferente: Mourão é fiel ao mesmo projeto de Bolsonaro e no fundo seria trocar seis por meia dúzia.

Este seria um dos seis cenários possíveis, mapeados pelo jornalista Rodrigo Vianna: Bolsonaro cai, mas o neoliberalismo fica. Outra hipótese é ele se manter no poder, mas enfraquecido. Neste caso, a questão é saber com que forças ele chegaria a 2022. Porque, para Hélio Schwartsman, a mudança de humor da população em relação ao impeachment pode ser irreversível, impulsionada pela tragédia de Manaus, e só a blindagem do centrão não seria suficiente para garantir a reeleição. Já para Thomas Traumann, a batalha do impeachment está perdida. Por hora. O jornalista lembra que mesmo derrotadas as Diretas Já selaram o fim da ditadura e, se o paralelo for válido, a bandeira do impeachment pode ter pavimentado a derrota de Bolsonaro em 2022, já que ela ao menos serviu para unir a oposição.

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* Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Rogério Jordão