Coluna

Militância do estilo de vida

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"Não há perspectiva de vitória na luta anticapitalista sem massivas mobilizações dos explorados e oprimidos" - Paulo Pinto / Fotos Públicas
Milhares de jovens despertam para a necessidade de lutar contra a exploração, mas desiludidos

Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos/Um gesto vale mais que mil palavras (Sabedoria popular portuguesa)

O ativismo do estilo de vida está muito atrativo na juventude. Suas causas são simpáticas, imediatas, definidas, simples e mínimas e, inclinadas, claramente, à esquerda, e têm disposição de se organizar de forma militante abnegada e desinteressada. Querem agir, agora e já.

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As bandeiras podem ser a defesa de um comportamento social solidário, como a organização em comunidade para a compra de alimentos saudáveis sem agrotóxicos ou a formação de cursinhos populares para facilitar o acesso de estudantes das classes populares à universidade pública, a organização da reciclagem do lixo ou a instalação doméstica de painéis de captação de energia solar em um prédio, o respeito dos direitos dos animais domésticos ou o boicote de consumo de algumas mercadorias, a rearborização das cidades e a construção em mutirão de casas populares, enfim uma pauta muito ampla.

São, em imensa maioria, solidários com as lutas contra a injustiça, têm empatia com os direitos dos mais explorados e oprimidos, se posicionam ao lado dos movimentos negros, feministas, LGBT’s. São variados os grupos e, em geral, muito apaixonados. Sobretudo, são muitos, na escala de milhares ou mais os que descobrem por essa via uma disposição de militância.

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Há um ativismo dedicado, também, à defesa de mudanças nos comportamentos individuais, como um tipo de dieta específica ou a prática de meditação, as vantagens da amamentação materna ou a redescoberta do ciclismo contra o uso de automóveis, a organização de torcidas de futebol, e por aí vai.

Há ecos do que foi o possibilismo no marxismo nas suas primeiras décadas associados às esperanças das correntes que passaram para a história como socialistas utópicos, e alguma inspiração em debates pós-revolucionários que se perderam no passado e remetiam aos temas do modo de vida.

Mas há, também, uma busca de coerência entre o que se pensa e o que se faz aqui e agora. O que é certo é que uma parcela mais radicalizada da nova geração decidiu que transformar o mundo significa, também, nos transformarmos a nós mesmos. Eles têm razão. O elemento comum é a superpolitização do comportamento individual, das escolhas pessoais, da dimensão pessoal da vida cotidiana como indivisível de uma vida adulta plena, decente e responsável. Alimentação, consumo, saúde, lazer, transporte, educação dos filhos, escolha de escolas, cuidado dos idosos, tudo está em disputa e discussão. São sérios e merecem respeito.

A politização da vida social em novas dimensões é um fenômeno progressivo porque alerta para uma inescapável responsabilização de cada um pelos seus atos, a começar pelos que parecem banais, mas não são. Só pode ser compreendido no contexto de ampliação das necessidades, do salto qualitativo do processo de urbanização da sociedade e da elevação dos graus médios de instrução.

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Mas, como tudo é contraditório, trata-se de um ativismo menos preocupado pelas táticas da luta pelo poder, portanto, menos político, e tem um impulso radical menos ideológico. Prevalece o ceticismo sobre a possibilidade de triunfo de uma revolução. Só pode ser compreendido no marco da etapa histórico-política reacionária aberta na virada da década de oitenta para noventa do século passado com a restauração capitalista, e do desencanto com a perspectiva de uma transformação socialista do mundo.

Há um fio condutor: “se não há a perspectiva de vitória iminente de revoluções anticapitalistas, comecemos por mudar nossas vidas, quem sabe assim damos uma contribuição para a mudança do mundo”.

Muitos milhares de jovens inquietos e sensíveis despertam para a necessidade de lutar contra a exploração e a opressão, mas desiludidos. Não se identificam, ainda que com mediações e, em diferentes graus, com os partidos de esquerda desgastados pelas deformações burocrático-eleitoralistas, nem com os antigos instrumentos de luta coletivos, como os sindicatos.

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A ação coletiva ainda é valorizada, mas as velhas organizações, muito adaptadas às rotinas institucionais, são vistas com desinteresse e desconfiança. Os projetos utópicos, as grandes causas, as aventuras revolucionárias são percebidos como estratégias, talvez, irreais, fantasias imaginárias, quimeras ilusórias. Nesse terreno, estão desiludidos, mas equivocados.

Estão enganados porque não há qualquer perspectiva de um mundo melhor sem uma luta contra o capitalismo. Todas as tentativas de regular o sistema fracassaram ou foram efêmeras. E não há perspectiva de vitória na luta anticapitalista sem massivas mobilizações dos explorados e oprimidos.

Elas virão. Só eles têm a força social para derrotar o capitalismo. Não sabemos quando, mas virão. Esse combate exige instrumentos coletivos de organização. Eles podem ser melhores do que as organizações construídas pela geração mais velha.

Edição: Rogério Jordão