Coluna

Nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade

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Mesmo em países com regimes democrático-liberais estáveis, sempre e quando a luta de classes se agudizar a censura nas redes sociais será o menor dos nossos problemas - Fotos Públicas
Defender a liberdade de expressão da extrema-direita é um erro grave

Donald Trump foi banido do Twitter depois da invasão do Capitólio incitada por ele em discurso. A força das campanhas de fake news da extrema-direita é um fenômeno mundial. Surpreendentemente, se abriu uma polêmica se esta decisão seria progressiva ou regressiva e deveria ser apoiada ou denunciada. Este tema tem importância tática.

A esquerda deve denunciar o cancelamento de Trump e da extrema-direita das redes sociais? Não. Ao contrário, deve defender que todos os canais e contas associados aos grupos neofascistas sejam suspensos, banidos, interditados.

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Defender a liberdade de expressão da extrema-direita é um erro grave. A defesa dos direitos democráticos de Trump ou dos neofascistas bolsonaristas não é a defesa da liberdade de expressão. Os neofascistas são os maiores inimigos da liberdade de expressão. O projeto político estratégico dos neofascistas é impor uma derrota histórica aos movimentos de trabalhadores, mulheres, negros, LGBT’s, ambientais, indígenas e a aniquilação da esquerda. São inimigos declarados das liberdades democráticas.

Há dois argumentos principais contra a censura das contas da extrema-direita. O primeiro é que se hoje cancelam a extrema-direita, amanhã cancelarão a esquerda. O segundo é que as redes sociais são uma plataforma de disputa de opiniões em espaço público, mas têm controle empresarial privado. Não deveriam ter tanto poder.

Ideias insustentáveis

É insustentável a ideia que defendendo os direitos de Trump estaríamos defendendo os nossos direitos e as liberdades democráticas de todos. Não há isonomia alguma no mundo. Quem controla a riqueza controla o poder. Sempre e quando os movimentos sociais e a esquerda sejam suficientemente fortes serão reprimidos.

O segundo argumento é mais poderoso. Nenhum grupo privado deveria ter o poder de decidir quem pode se expressar evidentemente. Mas isso não é novidade. Sempre foi assim na grande mídia privada antes da existência, em escala de massas, das redes sociais. E não autoriza concluir que o poder de decisão das redes sociais seria uma ameaça maior e mais perigosa do que a liberdade da extrema-direita. Deveríamos defender Trump contra o Twitter?

Esta avaliação não é lúcida. Twitter, Facebook, WhatsApp são um perigo maior que Trump e Bolsonaro? São um perigo maior que governos que controlam Estados Nacionais? Não, esse é um juízo esdrúxulo. Claro que há abuso de poder das empresas controladoras das redes sociais. Mas não há porque ter ilusões que se forem as instituições do Estado a decidir quem tem liberdade de expressão seria mais seguro. Depende da relação social e política de forças em cada nação, e internacionalmente. No Brasil de Bolsonaro? Na Arábia Saudita? Na Turquia?

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Vivemos em um mundo capitalista em que, mesmo em países com regimes democrático-liberais estáveis, sempre e quando a luta de classes se agudizar, a censura nas redes sociais será o menor dos nossos problemas, porque a repressão será impiedosa, como vimos com os manifestantes cegos pelos tiros das balas de borracha no Chile em 2019.

Banimentos das redes

É verdade que as redes são um palco político e operam como redes de distribuição de informação sem pleno controle público. Tampouco foi a primeira vez que as redes sociais excluíram lideranças políticas. A esquerda já foi atingida em alguns países.

Evidentemente, as redes sociais devem estar subordinadas à regulação. Neste momento, tanto nos EUA como na União Europeia, as redes sociais estão sendo processadas. Estão ameaçadas por multas multimilionárias. Não por acaso se reposicionaram contra Trump só agora, quando até uma parcela do partido Republicano votou pela abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados.

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Mas a questão de fundo é que a regulação das redes sociais e a censura de contas de Trump e da extrema-direita são dois temas diferentes. Nunca na luta política é tudo ou nada. A regulação das redes sociais não tem muita eficácia se for, somente, em escala nacional. Sendo realistas, estamos em uma situação internacional em que a relação política de forças para estabelecer uma regulação democrática internacional não é somente muito desfavorável, é impossível.

Mas é possível estabelecer limites para a ação da extrema-direita. Não devemos somente apoiar que sejam censurados. Devemos defender que sejam reprimidos.

*Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSol, e autor de O Martelo da história, entre outros livros.

Edição: Camila Maciel