Rio Grande do Sul

Coluna

A política da culpabilização do outro

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"Quando contaminada de peste emocional, a política se transforma em uma tentativa de eliminar uma causa externa que cada pessoa responsabiliza por um sofrimento de sua vida pessoal" - Divulgação
A política, quando contaminada de peste emocional, perde sua conexão com causas em defesa da vida

A política pode ser um veículo de praga emocional. Para fins de compreensão, vou definir política como:

A prática de administrar, governar, organizar. Ela é realizada por meio de um jogo de forças entre grupos com condições e tamanhos desiguais, que pretendem conquistar espaço na sociedade para realizar seus projetos. Disputam entre si por maneiras de gerir aquilo que é público, ou seja, pela possibilidade de dar rumo aos serviços e ao espaço público.

Estou considerando aqui, já que nosso objetivo é falar da política quando acometida pela peste emocional, que a disputa política pode se estender desde uma corrida eleitoral até uma discussão no Facebook. Toda vez que uma pessoa emite uma opinião política ou age na tentativa de defender ou apresentar um projeto de sociedade, de economia, etc., isso é uma forma de agir politicamente. Compartilhar um meme político no whatsapp é também uma forma de agir politicamente.

E o que é público?

Diz respeito àquilo que é do bem comum, que pertence a todos, a uma comunidade de iguais. O patrimônio público (que pode ser dinheiro de impostos, prédios, obras de arte, monumentos, florestas, água, metais, pedras, solo, infra-estrutura, realizações culturais, festas, expressões ritualísticas, linguísticas, documentos, armamentos, universidades, hospitais, etc.) em nações governadas por regimes políticos republicanos e democráticos, como é o caso (teoricamente) do Brasil, é aquele que pertence ao povo e que é governado pelo Estado.

Este último é a instância que centraliza e está socialmente legitimada, e portanto especializada – ou pelo menos deveria –, para gerir, tomar decisões, fazer investimentos, realizar projetos em benefício de todos os membros da nação.

Em nosso modelo político, portanto, partidos disputam cargos para gerenciar os bens públicos (supostamente) em benefício da “liberdade, igualdade, fraternidade” da nação, esta última, uma comunidade de indivíduos iguais, que gozam de direitos básicos e inatos de felicidade, igualdade, satisfação, pertencimento, existência digna, justiça, saúde, educação, etc.

Essas ideias de liberdade e igualdade são a base da teoria que constituiu as repúblicas em seu surgimento na história, após a Revolução Francesa. Regidas por constituições e organizadas, em termos de geografia e identidade, na forma de estados-nacionais.

As repúblicas definitivamente não representam todas as formas humanas possíveis de se organizar em comunidade, tampouco os ideais republicanos refletem a maneira como realmente as pessoas fazem política.

Pois bem, falemos de como a política pode ser um veículo da peste emocional. Esta última foi definida por Wilhelm Reich como sendo a manifestação de um tipo de organização social que está adoecida, porque composta de pessoas emocionalmente adoecidas, ou seja, biopáticas.

A peste é um padrão de adoecimento social bastante específico, agudo e perigoso, que se manifesta como um comportamento, um conjunto de ações e práticas. Nela, em linhas gerais, um grupo de pessoas se organiza (mais ou menos conscientemente) para eliminar um outro grupo, com atitudes baseadas em ódio, culpabilização, em um investimento de energia para buscar meios de prejudicar, difamar, aniquilar, calar esse outro...

Para saber mais sobre a peste emocional, leia o seguinte artigo aqui da coluna.

A política, quando contaminada de peste emocional, perde sua conexão com causas e sentimentos orientados para a promoção e preservação da vida e se transforma em algo mais ou menos como:

“Vamos atacar e destruir aquele grupo ou aquela instituição, vamos fazer uma grande crítica a esse grupo, e responsabilizá-lo por algum sofrimento ou irregularidade que estejamos vivendo e que atribuímos a causas sociais – causas essas influenciadas enormemente pela existência de dito grupo (ou prática, costume, lei) que estamos criticando e querendo que acabe”.

Quando contaminada de peste emocional, a política se transforma em uma tentativa de eliminar uma causa externa que cada pessoa responsabiliza por um sofrimento de sua vida pessoal. E nesse processo, muito pouco o agente político, isto é, a pessoa, se questiona sobre seu próprio papel ou funcionamento no jogo político.

Muito pouco a pessoa se questiona sobre si mesma, suas motivações inconscientes, seus desejos e suas emoções genuínos, ou sobre a maneira como age ou fala com os outros quando faz política. E tampouco sobre qual a relação entre a maneira como se comporta na política e como funciona nas relações de poder familiares, seu padrão emocional, suas resistências, desconfianças, bloqueios, etc. Muito pouco se questiona sobre o seu narcisismo ou seu ódio, ou seu desejo profundo de ter razão e de fazer o outro “se dobrar”.

Assim, ocorre na política em estado de peste emocional, uma transformação completa da proposta de gerenciar e harmonizar o espaço público em nome do bem comum em uma atitude de eliminar um alvo externo para recuperar um bem-estar roubado.

Desse modo, o indivíduo se desresponsabiliza, isto é, tira a atenção de si mesmo enquanto o agente mais importante da transformação que ele próprio quer atingir, e funciona de forma punitiva, exigente, vingativa, autocentrada e autoritária em relação a um outro, que é culpabilizado pelos seus problemas.

Então a culpa pelo desemprego é dos imigrantes. A culpa da crise econômica e da corrupção no país é do PT. A culpa pela pandemia de covid é dos chineses. E assim por diante...

Isso pode evoluir para regimes fascistas, tomando grandes proporções de catástrofe social. Mas também pode aparecer como microfascismos, isto é, atitudes fascistas individuais no cotidiano.

Isso pode acontecer tanto à esquerda quanto à direita do espectro político. Ninguém está imune.

Descrição da imagem: trata-se do retrato de um jovem, que está em pé sobre um fundo branco. Ele tem os cabelos ruivos, a pele branca e barba ruiva. Está vestindo uma camisa cinza. Ele encara a câmera com um expressão zangada nos olhos e os lábios tensos. Seu dedo está apontando para a câmera em um gesto de acusação.

Edição: Katia Marko